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“Rendimentos adequados” e resposta para “faroeste digital”. Grupos políticos europeus reagem ao discurso de von der Leyen

Este artigo tem mais de um ano
Do combate às alterações climáticas, passando pelos "desafios" económicos e pelas "ameaças reais" da Inteligência Artificial, foram vários os temas abordados pela presidente da Comissão Europeia no discurso sobre o "Estado da Nação". Os líderes dos grupos políticos europeus responderam prontamente, assumindo em alguns casos posições divergentes.

Dos “empregos e rendimentos adequados” para fazer face a um contexto marcado por uma inflação elevada, à adoção de medidas para dar resposta ao “faroeste digital”. Foram estes os pedidos de alguns dos dirigentes dos grupos políticos europeus, na manhã de quarta-feira, 13 de setembro, logo após a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ter proferido o seu discurso de abertura do debate sobre o Estado da Nação.

As intervenções seguiram-se depois de a líder do executivo comunitário ter dado a conhecer o que pensa sobre a realidade – e sobre aquelas que devem ser as prioridades futuras – do bloco europeu. Defendeu que a “modernização e a descarbonização podem andar de mãos dadas” – referindo-se ao combate às alterações climáticas num “planeta em ebulição” -, e que é preciso definir um “novo quadro global” regulamentar para controlar as “ameaças reais” da Inteligência Artificial.

Quanto à economia, disse perspetivar “três grandes desafios” para a “indústria” europeia no próximo ano: “escassez de mão de obra e de competências, inflação e como facilitar a atividade das nossas empresas”. Olhou ainda para o tema das migrações, tendo apelado para que a União Europeia mostre “a mesma unidade de propósito em relação a África” que a demonstrada “em relação à Ucrânia”.

O tema da invasão russa também não foi esquecido por von der Leyen, assegurando que os 27 Estados-membros estará “ao lado da Ucrânia em cada passo” dos seus esforços, durante “o tempo que for necessário”. Sobre um alargamento do bloco europeu, lembrou que a adesão de novos países é “baseada no mérito”, embora tenha reconhecido os “grandes progressos “que o país liderado por Volodymyr Zelensky “já fez” desde que adquiriu “o estatuto de país candidato”.

Seguindo a linha da presidente da Comissão Europeia, foram estes alguns dos temas mais salientados pelos líderes dos sete grupos políticos europeus na quarta-feira, em sessão plenária. Confira, de seguida, como reagiram ao discurso de abertura de Ursula von der Leyen.

Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos)

Manfred Weber, presidente do Grupo do Partido Popular Europeu (PPE) – com o maior número de deputados eleitos na atual composição do hemiciclo -, fez a primeira intervenção a seguir à presidente da Comissão Europeia, tendo apresentado a sua posição face a alguns dos temas por ela destacados.

No que toca ao aumento dos preços, o eurodeputado defendeu que é preciso apostar na criação de “empregos e rendimentos adequados”, numa altura em que, “sobretudo, os mais pobres” continuam a ser os mais penalizados pela conjuntura económica. Em termos de “resposta para reduzir a inflação nos bens alimentares”, destacou que é preciso apostar na produção de “mais alimentos”. E definiu, ainda, a “competitividade” das empresas e a “inovação” como uma “prioridade” para o grupo.

O líder do referido grupo político revelou ainda que os seus membros estão “satisfeitos com esta nova fase do ‘Green Deal’”. E elaborou, deixando um apelo: “Nós acreditamos no potencial do ‘Grean Deal’, e é uma obrigação da nossa geração apresentar resultados. Porém, temos de ouvir os trabalhadores, as PME’s e os agricultores.”

Enquanto forma de “nos libertarmos das emissões altas de CO2 (dióxido de carbono)”, Weber defendeu que a solução passa por ser “mais inovador e não vender” a tecnologia fabricada na União Europeia para a China. E concluiu: “Nós não queremos ver os veículos elétricos chineses a pôr em causa as nossas ambições climáticas.”

Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D)

Seguiu-se a intervenção de Iratxe García Pérez, presidente do Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu (S&D) – o segundo com maior representação parlamentar. Começou destacar que a União Europeia vive um “contexto de várias alterações”, a poucos meses das próximas eleições europeias.

“A resposta dada à crise financeira de 2008, o caminho da política de austeridade imposto pela Direita, a resposta à pandemia e à guerra da Rússia contra a Ucrânia […] foram marcados pela unidade e solidariedade”, começou por argumentar, numa ótica de balanço daquilo que têm sido os últimos anos.

Agora, explicou a eurodeputada, a “prioridade”, na visão dos Socialistas e Democratas, deverá passar por “impulsionar a reindustrialização, para garantir uma autonomia estratégica aberta, sem esquecer África e a América Latina”.

Para além disso, prosseguiu, “é preciso avançar com a transição ecológica”, visto que “fazer face às alterações climáticas é fundamental”. Concluiu, dizendo que o bloco comunitário tem “de impulsionar a reforma do mercado da eletricidade, reduzindo os seus preços”.

Renovar a Europa (Renew Europe Group)

O presidente do Renovar a Europa, Stéphane Séjourné, optou por fazer um balanço sobre o funcionamento do atual Parlamento. Elogiou, assim, aquela que considerou ser uma “coligação que não era tão evidente, mas que uniu os grupos pró-europeus de boa vontade”. E deixou, de seguida, uma palavra de agradecimento a esses “grupos que trabalharam com maiorias por vezes diferentes, à Esquerda ou à Direita”, sempre no sentido de “avançar numa coordenação em favor da Europa”.

Olhando para os “aspetos positivos” da atual legislatura, lembrou que a “Europa foi útil para os seus cidadãos”. E explicou a sua posição: “Mais do que nunca, esteve presente na pandemia, face à agressão russa na Ucrânia, unindo os europeus”.

Destacou, ainda, que a Europa é “o continente mais exemplar em matéria de transição ecológica”, alegando não conhecer “nenhuma outra Assembleia Parlamentar no mundo que tenha tomado decisões tão corajosas como as tomadas nos últimos quatro anos acerca deste tema”. Apontou, ainda, que a “reindustrialização é uma realidade” e que é, por isso, preciso “salvaguardar o poder de compra e os postos de trabalho”.

Fez ainda uma referência ao “faroeste digital”, defendendo que é preciso “fazer face” ao mesmo, “criando regras” para garantir “a segurança coletiva” e “criar uma defesa comum”. E concluiu dizendo que o Renovar a Europa está “determinado em defender o modelo democrático”, deixando também um alerta: “raramente a democracia morre por ameaças externas. Muitas vezes isso acontece devido a ameaças internas”.

Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia

Foi depois a vez de um dos presidentes do Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia, Philippe Lamberts, tecer as suas considerações sobre o Estado da União. Considerou, num primeiro momento, que “2019 foi um ano de mudança” no bloco europeu, a partir do qual o “combate às alterações climáticas” passou a ser “prioridade” – tema que foi um ponto-chave da sua intervenção.

“Contra todas as expetativas, tal sobreviveu a uma pandemia e a uma guerra. E atualmente  […] faz parte das suas principais políticas”, acrescentou ainda, lembrando os mais críticos destas medidas que o ser humano não está “acima da Natureza”, mas que faz, sim, “parte dela”. E acrescentou que o “planeta tem limites” e respeitá-los “é uma questão de sobrevivência”.

Porém, na sua ótica, “ainda há muito a fazer” nesta matéria, visto que “apenas aplicar o que foi decidido não chega para atingir” os objetivos delineados para limitar o aquecimento global. “A nossa agricultura e floresta são emissoras de carbono. A nossa terra, ar e água estão muito poluídos […], o que coloca em causa a biodiversidade e a nossa vida”, alertou.

Referiu ainda que a “transição ecológica não é apenas uma necessidade”, mas sim “a maior oportunidade económica para a Europa”. Em jeito de conclusão, destacou que a União Europeia “não pode ficar condenada a importar as soluções de que necessita a partir do resto do mundo”, sendo “importante” apoiar “os empresários que querem liderá-la”.

Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus

Da parte do Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, um dos seus líderes, Ryszard Antoni Legutko, questionou se “será que a União Europeia está agora melhor do que há 20 anos”. E disse que a resposta a esta pergunta é “um enfático não”, apontando que “algo está podre no Estado da União”.

O eurodeputado sustentou, de seguida, a sua posição: “Há cada vez mais instabilidade, conflito e incerteza. E os economistas dizem que a inflação continua elevada […]. Este bloco sofre uma recessão, é isso que nos dizem os economistas”.

Criticou, ainda, o facto de a entidade liderada por Ursula von der Leyen, antes da invasão russa à Ucrânia, “não ter feito nada quanto à aliança Russo-Alemã”. “Recusou agir e, portanto, há responsabilidade da Comissão Europeia pela crise energética aguda” que afetou vários Estados-membros, apontou ainda.

Já no que toca à política de imigração da União Europeia, defendeu que a mesma “foi um fracasso”, colocando “em causa o tecido social europeu”.

Grupo Identidade e Democracia

Seguiu-se o presidente do Grupo Identidade e Democracia, Marco Zanni, que teceu críticas às declarações de Ursula von der Leyen sobre o “acordo ecológico”. Elaborou: “Quando se fala de transição climática, o problema não é a União Europeia, não são os nossos agricultores e as nossas empresas, nem os nossos proprietários de imóveis”.

Na perspetiva do líder do grupo político, é necessária “menos ideologia e mais pragmatismo”, argumentando que “quem sairá vencedor não será o Ambiente ou os cidadãos europeus, mas sim a China”, enquanto principal produtor de veículos elétricos. E acusou ainda, de seguida, este país asiático de “concorrência desleal”.

Sobre o contexto empresarial, nomeadamente das PME (Pequenas e Médias Empresas), argumentou que estas “pedem menos burocracia, menos leis, legislação melhor e mais liberdade”. Algo que, na sua visão, “já não parece ser prioridade para a Comissão Europeia”.

Marco Zanni também focou, à semelhança do eurodeputado anterior, o tema da imigração. “Foram anunciadas tantas disposições, tantas iniciativas, mas não me parece que a União queira resolver este problema. E o preço dos fluxos migratórios insustentáveis acaba por recair sobre poucos países”, destacou.

Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu (GUE/NGL)

Finalmente, foi a vez de Martin Schirdewan, copresidente Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu – GUE/NGL, tecer o seu comentário sobre o discurso de Ursula von der Leyen. “Falou de justiça social e fiscal, proteção do clima e de milhares de iniciativas. No fundo, está a prometer aos europeus mundos e fundos, mas a realidade é outra”, começou por dizer.

Alertou para a “perda de salário real” por parte das pessoas empregadas na União Europeia, devido ao aumento das suas despesas mensais, desde a “renda à eletricidade”. Assim, considerou que “a situação dos trabalhadores está a tornar-se cada vez mais grave” no contexto dos 27 Estados-membros.

Martin Schirdewan pediu, assim, medidas de combate à “pobreza” e de “investimento no futuro”, acusando a Comissão Europeia de estar “alheada da vida dos seus cidadãos”.

O eurodeputado também teceu críticas à política migratória do bloco europeu – embora num ângulo diferente dos anteriores dois partidos. Lembrando as inúmeras mortes que têm vindo a ser registadas “nas fronteiras da União Europeia”, ressaltou que é “preciso tratar as pessoas com respeito e dignidade”.

Nota editorial: o Polígrafo viajou a Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu.

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