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O Polígrafo questionou e os candidatos responderam: Que Europa teremos após as eleições europeias?

O jornal Polígrafo realizou esta semana a conferência-debate "Que Europa após as eleições?", com a participação de candidatos dos cinco partidos que elegeram nas últimas eleições para o Parlamento Europeu. Ana Catarina Mendes (PS), Lídia Pereira (AD), João Pimenta Lopes (CDU), José Gusmão (BE) e Pedro Fidalgo Marques (PAN) deram a conhecer as suas visões sobre o projeto europeu e os desafios para o futuro próximo.
Conferência "Que Europa após as eleições?", do jornal Polígrafo

Ema Gil Pires (Polígrafo) –  Comecemos pelo PAN, na qualidade de partido que, nas últimas eleições europeias, foi o que obteve a menor representação parlamentar dos aqui presentes. Começava por questionar relativamente às políticas ambientais que têm vindo a ser adotadas pela União Europeia. Têm vindo a ser definidos objetivos que muitos diriam ambiciosos, nomeadamente a concretização da neutralidade carbónica até 2050. Qual é a posição do PAN relativamente a esses objetivos? É possível ir mais além?

Pedro Fidalgo Marques (PAN) – O PAN considera que temos de ser ainda mais ambiciosos. Apesar do Pacto Ecológico Europeu já definir essa meta da neutralidade carbónica até 2050, nós consideramos que temos de ser muito mais ambiciosos. Temos de olhar para a conservação da biodiversidade de uma outra forma e, neste caso, conjugá-la com o combate à crise climática. Por exemplo, quem está lá em casa, é importante pensar que, se calhar, daqui a 10, 20, 30 anos, os nossos filhos ou os nossos netos podem nem vir a conhecer um lobo ibérico, um lince ibérico ou a aptar, que muita gente não conhece, mas que é uma ave que existe em Portugal e que está em risco de extinção. Nós temos 1.500 espécies em risco de extinção na União Europeia e, por isso, temos de olhar para esta conservação da biodiversidade, inclusive até aproveitar a próxima revisão da PAC (Política Agrícola Comum) para olhar de outra forma para a conservação da biodiversidade e de como é que podemos utilizar a Política Agrícola Comum para a conservação da natureza e para combater a crise climática e sermos ainda mais ambiciosos nesse pressuposto.

Ema Gil Pires (Polígrafo) –  De que modo, por exemplo? 

Pedro Fidalgo Marques (PAN) – O PAN defende que devemos antecipar a neutralidade carbónica, pelo menos, para 2040. É o que temos trabalhado, até, com os nossos parceiros. Nós estamos incluídos no grupo dos Verdes Europeus e temos trabalhado para antecipar essa meta. Na questão de, também, termos de investir muito mais nas energias renováveis. Portugal tem um potencial enorme quando falamos de energias renováveis e, em termos europeus, mesmo quando falamos de energias renováveis estamos a falar de soberania energética: de não depender tanto do gás russo, não depender tanto dos combustíveis fósseis. E é esta transição que tem de ser também feita.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – A guerra na Ucrânia trouxe também alguns desafios em matéria ambiental. Houve uma necessidade de reforço da indústria, nomeadamente do setor da defesa. Portanto, questionava-o também, na qualidade de cabeça de lista do PAN, como é que se atinge um equilíbrio entre estas duas dimensões. A curto prazo, qual deve ser a prioridade?

Pedro Fidalgo Marques (PAN) – Para nós, a questão da defesa da Ucrânia e da autodeterminação dos povos é algo fundamental. Mas quando olhamos para a indústria da guerra, temos que olhar com alguma precaução, porque se a indústria da guerra fosse um país, era o quarto país mais poluidor do mundo. E, por isso, temos realmente de perceber formas de podermos continuar a defender-nos, e a defender os povos europeus, mas de forma a que isso não afete o impacto ambiental. Mas mesmo quando falámos aqui, por exemplo, em termos de energia, ficou provado que é possível termos soluções: se calhar aconteceu de uma forma que ninguém queria, mas os bloqueios à Rússia provaram que é possível encontrar soluções dentro da União Europeia, com base nas energias renováveis, para podermos ser autossuficientes em termos energéticos e para continuarmos este caminho da neutralidade carbónica e apostar mais na autossuficiência e nas energias renováveis.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Passava agora para o João Pimenta Lopes, na qualidade de representante da CDU. Ainda sobre o tema da guerra na Ucrânia, facto é que tem sido mantido um apoio veemente por parte da União Europeia e dos seus Estados-membros ao país invadido pela Rússia. Como é que a coligação que representa considera que a União Europeia deve atuar nesta próxima legislatura?

João Pimenta Lopes (CDU) – A posição é aquela que temos assumido, não apenas para este conflito, mas para qualquer outro conflito. É necessário fazer o caminho para soluções políticas e negociadas dos conflitos que existam. Seja na Ucrânia, uma guerra que dura já há 10 anos, e é bom recordar que os primeiros acordos de Minsk são de setembro de 2014, naturalmente acentuada e agravada a partir da intervenção e da invasão russa na Ucrânia. Mas é necessário, como na Palestina, no Iémen, na Síria, fazer o caminho para a paz e pôr fim a qualquer guerra. São sempre os povos que perdem em primeiro lugar: é o povo ucraniano, desde logo, mas o povo russo também, pois contabilizam-se já milhares de mortos de um lado e do outro. Mas os próprios povos da Europa estão a pagar, também, as consequências de mais uma guerra às portas da Europa. Nós dizemos “não” do lado do militarismo e da guerra e de mais armas e do crescimento armamentista, mas “sim” ao lado de colocar, na mesa das negociações, aqueles que são os intervenientes para pôr fim a essa guerra.

Aliás, é útil recordar, não apenas vozes que, no presente, se têm colocado nesse sentido da paz, nomeadamente o Papa Francisco, as iniciativas promovidas pelo Brasil, também pela África do Sul, como palavras de, não há muito tempo, do anterior chanceler Gerhard Schröder, como também do anterior primeiro-ministro israelita, que anunciavam, ou que davam conta daquilo que foram processos negociais em março de 2022, que poderiam ter posto fim à guerra e que infelizmente foram interrompidos por iniciativa, também, do Ocidente. Não é esse o caminho que deve ser seguido: a União Europeia deve protagonizar e deve incluir-se do lado da negociação para pôr fim a essa guerra. 

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Também para dar resposta ao debate que tem vindo a ser feito sobre temas ambientais? 

João Pimenta Lopes (CDU) –  De facto, ligando até às questões que estávamos a discutir anteriormente, do ambiente e das questões energéticas. Por exemplo, nós vimos um redirecionamento da dependência energética, nomeadamente no consumo do gás, do gás russo para o gás norte-americano, com impactos ambientais mais significativos e, por outro lado, mais caro. O investimento que deveria ser promovido, e que deve ser promovido, do ponto de vista das energias renováveis, passa por fazer um caminho também de maior soberania, do ponto de vista nacional, no plano energético. É preciso que esse desenvolvimento seja em função daquilo que são as necessidades identificadas no país, nomeadamente articulado com a estruturação da rede, e não uma mancha de retalho de diferentes investidores, protagonistas e operadores, que vão desenvolvendo os seus projetos de energias renováveis, sejam eólicas, sejam eólicas marinhas, sejam os tapetes de painéis solares que nós estamos a ver, por todo o território, com impacto ambiental que é significativo.

E, aliás, no Parlamento Europeu, a propósito da Lei do Restauro da Natureza, propusemos que todas as iniciativas de energias renováveis, todos os projetos fossem sujeitos a uma avaliação de impacto ambiental. Por exemplo, a própria legislação retira essa necessidade e alivia o escrutínio do desenvolvimento dessas tecnologias. Mas não só: é necessário mexer no mercado da energia também, porque as pessoas têm que ser beneficiárias desse desenvolvimento energético. Não faz sentido que um país que tenha, talvez no plano da União Europeia, os maiores índices de produção, atualmente, de energia renovável, e com o potencial que ainda tem para o maior desenvolvimento, que as pessoas não o vejam refletido na fatura da energia, por via de um decréscimo e de um alívio. E porquê? Porque a União Europeia insiste em manter a abordagem de “amarrar” o preço da energia àquela que é a tecnologia mais cara, que é o gás. 

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Passamos agora para Lídia Pereira, candidata pela coligação Aliança Democrática, ainda sobre estas questões relacionadas com o ambiente. A verdade é que, nos últimos tempos, têm-se registado vários protestos por parte de agricultores, na União Europeia, muitos deles relacionados com algumas políticas adotadas pelas instituições europeias em matéria de proteção ambiental. O Parlamento Europeu aprovou recentemente a revisão da sua Política Agrícola Comum (PAC). Qual é a posição da AD relativamente a essas revisões? São suficientes para dar resposta a estas reivindicações?

Lídia Pereira (AD) – Em matéria de ambiente, o PSD foi muito claro ao longo destes cinco anos. Votámos a favor de 95% das propostas que foram colocadas pela Comissão Europeia e que foram negociadas com o Parlamento Europeu e com o Conselho, que iam ao encontro daquilo que é a Lei Europeia do Clima, portanto da descarbonização e do compromisso com a neutralidade carbónica em 2050. O nosso entendimento a respeito do ambiente, da agricultura, da economia é que são setores que podem perfeitamente andar lado a lado.

A União Europeia, de resto, é um bom exemplo, do ponto de vista global, em como foi possível diminuirmos o consumo de emissões de CO2 desde 1990 e, ao mesmo tempo, estimularmos o crescimento económico. Não devemos ser ingénuos ao ponto de acharmos que se, de repente, tudo paralisar, como houve algumas vozes na altura da pandemia, em que a nossa economia praticamente parou, de acharmos que é esse o caminho: estagnarmos a nossa economia e comprometermos o crescimento económico. Estamos a falar de empregos, de inovação, enfim, há vários outros parâmetros que devem ser tidos em conta. Portanto, em matéria de ambiente, temos de conseguir reencontrar o equilíbrio. 

Ema Gil Pires (Polígrafo) – De que modo?

Lídia Pereira (AD) – Temos de reencontrar o equilíbrio da presença humana na natureza. E é isso que as várias iniciativas legislativas que foram postas em curso, nomeadamente com o famoso pacote “Fit for 55”, para prepararmos a economia europeia para, em 2030, termos menos 55% das emissões de CO2, para depois estarmos em condições da neutralidade carbónica em 2050. Estamos a falar de prazos muito curtos. Estamos em 2024, 2030 é daqui a seis anos e, portanto, é óbvio que a agricultura tem aqui um peso significativo, não só do ponto de vista ambiental, mas até mesmo do ponto de vista da segurança alimentar. E importa ter em conta os desafios geopolíticos que temos pela frente, pois temos uma guerra na Europa, na Ucrânia, e outros conflitos, como, por exemplo, no Médio Oriente, e outros tantos conflitos que hoje são regionais e que, rapidamente, ganham uma dimensão internacional. E, portanto, há a componente da segurança alimentar que tem de ser acautelada.

Grande parte das reivindicações dos agricultores relacionou-se, talvez, com a rapidez com que a legislação entrou e que lhes dificultou a adoção de práticas mais biológicas, mais amigas do ambiente, que utilizam menos fitofarmacêuticos e fertilizantes, etc. E, portanto, isso criou um certo constrangimento na capacidade de adaptação do setor da agricultura a essa ambição, que é uma ambição que está estudada, que foi avaliada do ponto de vista ambiental e que deve ser cumprida. Portanto, aquilo que nós temos que fazer é, através do diálogo, garantir que todas as forças da sociedade, incluindo os agricultores, [estejam alinhadas]  – e só podemos cuidar do ambiente com os agricultores, não vejo que seja possível de outra forma, para estarmos em condições do cumprimento da neutralidade carbónica em 2050.

Mas acho que a palavra-chave nestes cinco anos, e o Parlamento Europeu é a casa do compromisso, é que, apesar das dificuldades, dentro do diálogo nós conseguimos chegar a compromissos. Estou a dizer isto estando ao lado do João, colega do PCP, com quem também tive a oportunidade de trabalhar em alguns dossiês, e nos quais foi possível, apesar de termos visões ideologicamente muito distintas, chegarmos a um acordo. É essa a base que deve estar no início da próxima legislatura, não esquecendo os compromissos assumidos e não esquecendo, também, a pressão que alguns setores da economia sofrem, hoje em dia, por esta ambição – e não esquecendo, também, que é importante a competitividade europeia no plano internacional. Não estamos apenas e só a falar da questão ambiental, mas temos que convocar todas as geografias do mundo a adotarem a mesma ambição. Porque a União Europeia, sozinha, não consegue combater as alterações climáticas. E nós somos, de resto, dos menos poluidores no cômputo geral e, portanto, temos de garantir que mantemos esta liderança europeia, mas não pondo em causa, também, a nossa competitividade no plano mundial.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Ana Catarina Mendes, para fechar este tema do ambiente. No manifesto do Partido Socialista Europeu está precisamente expressa a preocupação de implementar um “novo pacto social verde para uma transição justa”. O que prevê um pacto desta natureza? Que medidas devem ser consideradas para conseguir essa transição justa, fazendo esse balanço entre as preocupações ambientais com o princípio da justiça para os povos.

Ana Catarina Mendes (PS) – Indo diretamente ao encontro da preocupação ambiental, julgo que vale a pena olharmos para aquilo que foi a última cimeira mundial do Clima, que teve avanços muito significativos e onde os Estados-membros da União Europeia tiveram, também, um papel preponderante e Portugal não foi exceção. De resto, se nós olharmos para aquilo que Portugal hoje faz, não só com o compromisso que tem da neutralidade carbónica até 2030 e não até 2050, mas também o facto de Portugal privilegiar muito, e bem, desde os últimos 20 anos a adoção de energias renováveis – e não é por acaso que, hoje, 80% do consumo de eletricidade já é feito com energias renováveis, e isto diz muito sobre o quanto nós podemos contribuir no espaço da União Europeia.

Como dizia a Lídia, e com razão, o espaço do Parlamento Europeu é o espaço do compromisso, independentemente das nossas crenças ideológicas, o que é verdade é que temos que encontrar soluções que garantam duas coisas, neste momento, na Europa. Nós estamos com desafios imensos, em primeiro lugar, o da afirmação da União Europeia como uma potência geopolítica num contexto onde [Donald] Trump pode voltar a governar os destinos dos Estados Unidos e num contexto onde [Vladimir] Putin e a guerra da Ucrânia não são travados. Num contexto onde o Médio Oriente continua e voltou a ter graves problemas e onde assistimos à dizimação da Faixa de Gaza sem que se consiga ver um fim à vista. E isto coloca-nos problemas, desde logo, do ponto de vista da segurança ambiental, da nossa segurança enquanto povos, e da segurança alimentar. Eu devo confessar que acho que falta sempre tempo às instituições para deixar respirar os pactos que vamos fazendo e que estamos sempre a alterar em cima daquilo que já fizemos. E sobre esta transição ecológica, que tem a ver com aquilo que já foi definido no pacto ecológico europeu, penso que é preciso que este pacto tenha espaço para respirar, para ser implementado na União Europeia.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Mas, de forma mais concreta, que preocupações é que deveria ter esse pacto?

Ana Catarina Mendes (PS) – Tem de ter uma preocupação, desde logo, com aquilo que deve ser a garantia dos postos de trabalho, porque os postos de trabalho das pessoas garantem a sua autonomia financeira e a sua autonomia financeira garante-lhes liberdade de atuação. Se nós olharmos para as alterações climáticas e para os apelos que há 25 anos Al Gore fez, os povos mais penalizados pelas alterações climáticas são, verdadeiramente, os povos mais pobres e, portanto, é preciso olhar para a questão da transição energética com a necessária adaptação e com os instrumentos financeiros para que as pessoas possam ter capacidade de fazer essa transição. Por isso é que há apoios europeus para a transição energética, por exemplo, das próprias casas das pessoas, onde sabemos que Portugal é um dos países que menos tem condições de autossuficiência energética. E existem hoje apoios a 100% ou a 80% para que as pessoas possam fazer essa transição, mas que liga, também, às questões da reforma da Política Agrícola Comum, que teve desenvolvimentos nestes últimos cinco anos e que terá seguramente nos próximos cinco, se nós aliarmos aquilo que são as preocupações ambientais com aquilo que são as preocupações da revolução digital. Porque não é só o Parlamento Europeu que é de compromisso, é mesmo a nossa vivência em sociedade que é de compromisso e, por isso, a agricultura e o ambiente têm que estar ligados.

Eu ontem [domingo] tive a oportunidade de visitar a Ovibeja, de ouvir vários produtores sobre a importância que dão àquilo que vão ser os próximos cinco anos na dimensão da ligação da agricultura com o ambiente, porque não pode ser desligado, como não pode ser desligado da nossa economia, porque daí depende, também, a nossa autossuficiência como projeto europeu. Não podemos continuar a depender, como dependemos e como a guerra da Ucrânia demonstrou, por exemplo, do gás da Rússia. E é por isso que o corredor europeu de gás com início em Sines é tão importante para os próximos tempos e para a autonomia do projeto europeu também, nas dimensões ambiental, agrícola, mas também económica, que faz com que a transição justa seja a melhoria de salários que há de ser discutida também no espaço da União Europeia, espero eu.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Pedro Fidalgo Marques, queria agora debater algumas questões relacionadas com a competitividade e com a prioridade da União Europeia manter-se competitiva face a outras grandes potências, como os Estados Unidos e a China. De que modo é possível conciliar as preocupações ambientais que o PAN expressa no seu programa político com essa dimensão?

Pedro Fidalgo Marques (PAN) – Temos de começar por desmistificar que o combate às relações climáticas, uma transição mais verde, não implica, ou não deve implicar,  uma paralisação, perda de postos de trabalho ou de rendimento. Inclusive, os números até nos dizem o contrário: que nós podemos ganhar novos postos de trabalho com o emprego verde. E o caminho deve ser sempre nesta ótica de progresso. Mesmo na agricultura, quando falamos dos serviços do ecossistema para os agricultores. O que temos de perceber é que a PAC tem de se virar mais para os pequenos e médios agricultores e não, como atualmente, focar-se muito nos grandes agricultores. E falando da PAC e da questão da competitividade, o que nós não podemos permitir é que, quando importamos produtos de países terceiros, os padrões a nível de exigências sejam diferentes do que aquilo nós exigimos aos nossos agricultores. Se os números não me falham, mais de um milhão de empregos na União Europeia podem ser criados através desta transição energética e da produção de energias renováveis.

Por isso, é possível fazer este caminho sem perder competitividade, o que nós não podemos, muitas vezes, é olhar para o exterior e estar a exigir mais internamente, sem exigir o mesmo quando estamos a importar. Isso é uma coisa que deve ser ressalvada, para podermos, realmente, trabalhar neste aspeto de manter a conservação da natureza. Aliás, há uma grave crise e uma grave catástrofe climática a ocorrer no Brasil e vemos que são os povos mais pobres que sofrem com as alterações climáticas. O mesmo acontece pela Europa e, por isso, nós temos que olhar para isto com uma perspectiva integrada e holística, de uma sociedade ecocêntrica, com base em três pilares, o social, o ambiental mas, também, o animal – e, neste caso, tanto na biodiversidade, como no transporte de animais vivos para países terceiros, como também na questão dos animais de companhia. Temos de ter uma visão integrada, porque assim conseguimos sempre garantir que somos competitivos e somos justos para todos os povos. 

Ema Gil Pires (Polígrafo) – João Pimenta Lopes, peço-lhe um comentário relativamente também a declarações recentes do cabeça de lista da CDU, João Oliveira, que “Portugal deve preparar-se para se libertar da submissão” ao Euro, ao mesmo tempo que assegurou que, para o PCP, não se coloca a saída de Portugal da União Europeia. Consegues dar-nos um esclarecimento relativamente a esta declaração? Qual é, então, o objetivo da CDU?

João Pimenta Lopes (CDU) – A saída da União Europeia não está colocada. E mesmo a questão da saída do euro não está colocada de forma imediata. Chegássemos ao Governo e faríamos um processo amanhã para sair do Euro. Mas é importante desmistificar alguns conceitos. A adesão ao Euro teve impactos muito significativos sobre a economia portuguesa. Estamos a falar da adequação a uma moeda que responde e que está dimensionada à escala de uma economia como a alemã e que passa a servir a economia portuguesa. Com os constrangimentos que decorrem da mesma, desde logo, a política orçamental, já aqui falávamos há pouco dos instrumentos que estão associados à política monetária. Desde 2015, vimos várias vezes a Comissão Europeia a criticar os aumentos do salário mínimo nacional ou a criticar a percentagem muito elevada, diziam, de contratos sem termo nos trabalhadores portugueses. É uma moeda que, ao longo destes já 25 anos, ao fim e ao cabo, contribuiu, não como se dizia, para abrir as portas do país a uma maior exportação ao mercado europeu, mas pelo contrário, para facilitar mais importações e para dificultar as exportações. Isso não se deixa desligar da competitividade, até, nos setores produtivos. Desde a adesão à União Europeia, o peso dos setores produtivos no PIB nacional passou de quase 50% para cerca de um quarto do PIB nacional. O próprio crescimento do país após a adesão ao Euro passou para níveis residuais, quando até à adesão ao Euro tinha níveis de crescimento, até, acima daqueles que se verificavam na União Europeia.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Portanto, uma eventual saída do Euro seria um objetivo a longo prazo? 

João Pimenta Lopes (CDU) – Não, o que dizemos é que, primeiro, não podemos ignorar as consequências do Euro. Segundo, aliás, até olhando para as situações anteriores, como foi, por exemplo, a situação na Grécia em 2015, quando o chanceler alemão chegou a sugerir a saída da Grécia do Euro. Ora, se algum dia o país for confrontado com uma situação dessas, seja por opção própria, seja por opção de terceiros, consideramos que, após a análise das consequências, que são inegáveis, devemos estar preparados para isto. Isso não se desliga, também, dos próprios setores produtivos e das políticas que são implementadas. Por exemplo, falava-se aqui da PAC, cuja revisão no início deste mandato votámos contra – não foi assim com os colegas do PS, do PSD e do CDS-PP –, mas uma Política Agrícola Comum, que ao longo de mais de 30 anos de aplicação, levou a que, por exemplo, em Portugal se tenham perdido 400 mil explorações agrícolas, pequenas e médias explorações, concentrando a produção. Não podemos desligar isto das concepções ambientais. Ora, são as pequenas e médias produções, produções familiares, que têm melhores condições de garantir uma produtividade, para já, integrada numa perspectiva de dinamização da economia local, de fixação de pessoas, associada à necessidade de manutenção e preservação de serviços públicos, que têm vindo a ser encerrados, também, por conta das políticas orçamentais da União Europeia.

Há pouco falava-se do Pacto de Estabilidade e Crescimento, um elemento que vai, com as novas regras, mais do que flexibilizar, vai manter as regras do défice e da dívida, que foram consideradas estúpidas por um anterior Presidente da Comissão Europeia, e que vão intervir sobre o défice. O “Jornal Económico” tinha uma notícia, há uma semana, dizendo que isso implicaria cortes de 2,8 mil milhões no investimento público em Portugal. Ora, esses cortes não vão ser nos mil milhões para as PPP, nos oito mil milhões que vão para o setor do negócio da doença nos privados que vão ser feitos esses cortes. Vão ser feitos nos serviços públicos, na não valorização de salários que tem e que deve ser promovida. Voltando à PAC, é bom não esquecer que 7% daquilo que são os beneficiários têm 70% do bolo direcionado aos produtores. Nesses 7%, promove-se e alimentam aquilo que são práticas que, do ponto de vista ambiental, são mais negativas: a produção superintensiva, a monocultura, como vemos, por exemplo, a mudança que se está a verificar nos campos do Alentejo, mas também a Norte, com práticas que são ambientalmente negativas e que não produzem ganho do ponto de vista do desenvolvimento social, económico e local. 

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Vamos retomar o tema da competitividade e da economia. No manifesto do Partido Popular Europeu, do qual faz parte o PSD e o CDS-PP, está expressa a preocupação com a melhoria do “desempenho económico” e a criação de “bons empregos” para os cidadãos. Neste sentido, quais devem ser as prioridades da União Europeia, na ótica da Aliança Democrática, no que diz respeito a estes temas?

Lídia Pereira (AD) – Antes de responder a essa pergunta, queria só dizer o seguinte: é de uma grande irresponsabilidade da parte do PCP vir a aventar a possibilidade de saída do Euro. Os benefícios que a adesão ao Euro trouxe à economia portuguesa são bem visíveis, a capacidade que hoje as nossas empresas têm de exportação, as poupanças que fizeram por via da adoção do Euro são muito claras. Portanto, eu considero que é uma grande irresponsabilidade trazer esse tema. Mas, de resto, é a agenda do PCP contra a Zona Euro e que tem, de alguma forma, uns laivos anti-europeístas, apesar de dizer que não quer sair da União Europeia. Mas não me parece que seja correto, até porque todos os dias utilizamos o Euro, até mesmo para fazer compras que vêm do estrangeiro, e isso permite-nos não ter que gastar mais dinheiro com as taxas de câmbio que há 20 e tal anos atrás eram necessárias. Queria deixar este ponto porque, muitas vezes, as agendas anti-europeístas, infelizmente, vêm tanto da extrema-esquerda como da extrema-direita. E eu, como sou uma europeísta convicta, gostava de trazer uma mensagem positiva da nossa pertença à União Europeia e da nossa pertença à Zona Euro.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Fica esse apontamento.

Lídia Pereira (AD) – Dito isto, é óbvio que nós temos que caminhar para empregos de mais qualidade. Falamos já da questão ambiental e do potencial que a transição ecológica e a transição digital trazem, por exemplo, até por via das clean tech, das novas tecnologias limpas. E, portanto, estamos a falar de empregos que pertencem a setores geradores de valor acrescentado. É esse o caminho. O caminho dos países e dos blocos geográficos mais desenvolvidos é, normalmente, ou tem uma associação a empregos de grande qualidade, bem pagos, com todas essas condições que permitem a liberdade, não só de podermos advogar pela liberdade, mas a liberdade financeira para podermos existir, para termos a nossa família, etc. Essa é claramente uma preocupação do PSD, a competitividade económica, e de garantirmos que o nosso caminho dentro do crescimento económico acautela empregos de qualidade e empregos que estão em setores que ainda estão em estados prematuros de desenvolvimento, mas que têm um grande potencial.

Em 2016, a China era um dos maiores investidores em inteligência artificial. Dois terços do investimento global naquela altura eram da China. E falo da inteligência artificial porque é um setor em grande expansão, que tem uma grande componente de desenvolvimento tecnológico e que tem uma grande carência, já hoje, de pessoas qualificadas. E, em particular, na União Europeia, temos ainda grandes disparidades do ponto de vista das competências, das skills, que depois vão permitir a capacidade dos Estados-membros desenvolverem as suas especializações nesses domínios.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Defendem, então, que é preciso investir nessas capacidades?

Lídia Pereira (AD) – É muito importante o investimento na inteligência artificial. Estamos a falar de um setor que pode ter aqui grandes consequências do ponto de vista não só da economia, mas também da defesa, da segurança, e para os quais é preciso dar resposta. E lá está, se nós estivermos no caminho do crescimento económico aliado com estes novos setores, podemos estar a falar na criação de novos empregos e da requalificação de empregos que hoje existem e que, possivelmente, vão deixar existir. Mas essas pessoas, esses profissionais têm que ser canalizados para áreas onde há mais carência, como é a questão da tecnologia na União Europeia. E isto numa perspectiva de afirmação geopolítica. A questão da inteligência artificial não é apenas uma questão económica, é uma questão de capacidade de influência no plano internacional e no plano geopolítico. 

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Ana Catarina Mendes, no manifesto do Partido Socialista Europeu aponta-se a preocupação de construir “uma Europa que funcione para os seus jovens”. Quais devem ser as prioridades da União Europeia nesta matéria? 

Ana Catarina Mendes (PS) –  Eu queria retomar o final da intervenção da Lídia, porque acho que é um tema essencial, é um dos grandes desafios da União Europeia e que tem a ver, também, com os jovens: que é a nossa própria autonomia em termos de desenvolvimento científico e tecnológico. Penso que nós, nos últimos 30 anos, fomos deixando que ficássemos para trás, enquanto projeto europeu, face a outras realidades. E essa é uma forma de nós nos afirmarmos do ponto de vista geopolítico. Isso tem a ver com a maior qualificação que nós podemos ter dado aos nossos jovens ao longo dos últimos tempos, que tem que corresponder a empregos de qualidade. E nesta transição digital, seja com a inteligência artificial, seja com a aposta nas novas tecnologias, a verdade é que nós, quando queremos mais qualificações, precisamos de melhores empregos com melhores condições – algo que tem a ver com o pilar social, com o pilar europeu dos direitos sociais e, sobretudo, com o tratamento digno dos trabalhadores, seja na valorização dos seus salários, seja na valorização dos seus empregos.

O que quer dizer que nós vamos combater ferozmente a precariedade nos trabalhos dos mais jovens, investindo a sério nestes novos empregos que se criam ao nível científico e ao nível tecnológico. Desse ponto de vista, eu julgo que as várias dimensões das agendas mobilizadoras do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que o PRR abriu como oportunidade, de ligar o setor empresarial ou industrial com o setor do conhecimento, é fundamental para nós podermos dar um passo em frente na valorização destes trabalhos, mas também, e sobretudo, estes novos empregos altamente tecnológicos, altamente desenvolvidos, requerem melhores salários e, por isso, eu julgo que nós temos mesmo que trabalhar na garantia de melhores salários por toda a Europa. 

Acho que os jovens de hoje, e este é o meu apelo a quem vai participar nestas eleições, assim como muitos dão como garantida a democracia destes 50 anos em Portugal, os jovens também dão como garantido este projeto europeu, onde a mobilidade de estudar, a mobilidade para trabalhar, a facilidade de viajar, a facilidade de encontrar os seus colegas de outros Estados-membros é um dado adquirido, é como respirar. Julgo que uma das coisas que está em causa nas próximas eleições, por causa dos próximos cinco anos e dos desafios que nós temos na Europa, é mesmo o projeto europeu tal qual o conhecemos, nesta liberdade de mobilidade e nesta capacidade de encontro de vontades comuns para desenvolvermos o projeto no seu todo e, aí, eu acho que os jovens são mesmo essenciais.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Para fechar este painel, queria questionar José Gusmão sobre um ponto que está também no manifesto eleitoral do Bloco de Esquerda e que está relacionado com outra preocupação que também tem sido manifestada por parte da União Europeia, que é o conflito atualmente em curso no Médio Oriente. No documento, destaca-se uma necessidade de “apoio à Palestina” e de um “posicionamento claro contra este genocídio”, na Faixa de Gaza, por parte da União Europeia. Como é que tal deverá ser feito, na ótica do Bloco de Esquerda?

José Gusmão (Bloco de Esquerda) – O que se passa entre Israel e Palestina não é um conflito. Existe uma ocupação ilegal, inúmeras vezes condenada pelas Nações Unidas e outras instituições internacionais, de um território. Existe um regime de Apartheid contra os palestinianos e existe, agora, uma operação que já foi classificada, aliás, como de genocídio a decorrer em Gaza. E, portanto, nunca houve aqui nenhum conflito militar em nenhum uso possível dessa expressão. Existe uma ocupação que é perpetrada por um país cuja capacidade militar é incomparável à do país ocupado e que tem violado inúmeras resoluções das Nações Unidas, tem sido condenado inúmeras vezes pelas Nações Unidas e que tem, hoje, uma etapa particularmente grave e que pode conhecer desenvolvimentos ainda mais graves. E que, infelizmente, não tem sido condenada pela União Europeia com a mesma clareza com que têm sido condenadas outras ocupações, aliás, contemporâneas, como, por exemplo, a da guerra na Ucrânia. 

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Qual é que deveria ser, então, a atitude da União Europeia face a esta situação? 

José Gusmão (Bloco de Esquerda) – Do nosso ponto de vista, não existe uma segunda hipótese para uma primeira impressão. Assim, a União Europeia devia ter condenado esta agressão desde a primeira hora, devia ter exigido um cessar-fogo desde a primeira hora, coisas que não fez. Mas ainda vai a tempo de ter algum papel para impedir uma catástrofe ainda maior do que aquela que já aconteceu. Já temos dezenas de milhares de mortos na faixa de Gaza, incluindo cerca de 14 mil crianças, já temos centenas de milhares de estropiados, há montes de crianças que já foram amputadas, muitas delas sem anestesia. Enfim, é indescritível o horror que já aconteceu na Faixa de Gaza sem nenhuma postura à altura da União Europeia e, já agora, dos Estados Unidos. Penso que o que se pode fazer agora, para além de um aumento da pressão diplomática, é começar a tomar medidas semelhantes àquelas que a União Europeia tomou em relação à Rússia, e bem: no plano das sanções, no plano de um embargo de armas a Israel. É extraordinário, mas quer a União Europeia, quer os Estados Unidos, continuam a ter relações normais com Israel, mesmo do ponto de vista da venda de armas e das relações financeiras. Mas também por via da suspensão do acordo de cooperação que existe entre a União Europeia e Israel até que ocorra um cessar-fogo e, ainda, sanções análogas àquelas que foram decididas contra a Rússia.

Ou seja, não podemos aceitar que Israel se comporte como um Estado pária, ignorando todas as normas do direito internacional, ignorando inúmeras resoluções das Nações Unidas, ignorando os mais básicos direitos humanos. Penso que esta é uma questão de credibilidade para a União Europeia. A União Europeia quer ser, e bem, é um dos debates que temos nas instituições europeias, um ator nos grandes debates da política mundial, da política externa da União Europeia. Temos, obviamente, ideias diferentes sobre qual é que deve ser a forma de executar esse papel, qual é o papel dos Estados-membros, das instituições europeias, etc. Mas há uma coisa que é insubstituível, que é a credibilidade das Nações Unidas na luta pelo respeito pelo direito internacional e pelos direitos humanos. E essa credibilidade é destruída a cada dia que passa em que o mundo vê a absoluta dualidade de critérios da União Europeia na forma como olha para a invasão da Ucrânia pela Rússia e na forma como olha para o genocídio de Gaza. Esta dualidade de critérios é evidente para todo o mundo, é evidente para os nossos próprios cidadãos e é destrutiva da credibilidade que a União Europeia precisa de ter para gerir conflitos futuros e para ter um lugar nos debates mundiais. 

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Vamos então passar às questões que nos foram deixadas pelos nossos leitores. Começamos pelo Pedro Fidalgo Marques. Além de políticas ambientais e de proteção animal, o que traz o PAN de novo ao debate europeu?

Pedro Fidalgo Marques (PAN) – A visão do PAN é a de que temos de ter uma política ecocêntrica, ou seja, que os nossos três pilares – as pessoas, os animais e a natureza, daí o nome até do PAN –, têm de estar sempre em equilíbrio. E, por exemplo, quando falamos de política económica, política monetária, temos que começar a discutir a capacidade, sem querer interferir com a autonomia das instituições, mas uma das coisas que pesa, hoje em dia, nas famílias portuguesas é quando pagamos a casa no final do mês. Todos nós temos de pagar a prestação da casa, porque quando há dinheiro para a prestação da casa, depois não há dinheiro para todo o resto das despesas que temos, e há quem ainda tenha dificuldade na questão da alimentação. Temos de perceber também que temos taxas de juros, temos de ver como podemos trabalhar nesta questão para poder aliviar as famílias portuguesas, e essa é uma política que é definida pelo Banco Central Europeu e é isso que, muitas vezes, temos de começar a aprofundar. Para, a partir daí, podermos também discutir o salário mínimo, o salário médio, que é algo que na política nacional tem sido discutido e na política europeia também.

Mas temos de começar a trazer cada vez mais essa questão por cima da mesa para podermos convergir nesta questão em termos de rendimentos, porque sem rendimentos as pessoas não sobrevivem. Ao mesmo tempo, esta é uma questão que, para o PAN, é fundamental, e não querendo fugir para as outras duas questões, ambiental e animal, como é óbvio, para o PAN não podemos estar a discutir política sem discutir questões que a nível europeu temos de discutir, como a abolição das touradas, como o transporte dos animais de companhia no porão, na aviação, mas recentrando-se, e para terminar, a questão dos direitos humanos. Temos este risco de uma vaga de partidos antidemocratas e populistas na Europa que vai definir os próximos cinco anos de políticas europeias e não podemos continuar a ter Estados que violam o Estado de Direito, o chamado “Rule of Law” na União Europeia. Não podemos continuar a assistir a retrocessos em direitos humanos, em direitos das mulheres, em direitos LGBT. Cada um de nós tem de ter o direito de poder amar quem quiser, o direito de poder ser quem quiser, independentemente do seu género, da sua orientação sexual, da sua identidade de género. Isso é algo que, para o PAN, vai ser também uma batalha fundamental que temos de garantir, para não permitirmos estes retrocessos na União Europeia. 

Ema Gil Pires (Polígrafo) – João Pimenta Lopes, a CDU é contra a moeda única, já afirmou que os fundos comunitários não permitiram desenvolver o país e é o partido mais crítico da União Europeia. Quais são os objetivos concretos desta candidatura, para além destas dimensões que também já tivemos a oportunidade de discutir? 

João Pimenta Lopes (CDU) – O Pedro [Fidalgo Marques] levantou uma questão que se liga com este debate da moeda única. Quem viu a prestação da casa duplicar, no último ano, por conta de 10 aumentos sucessivos das taxas de juros, determinado no quadro de uma política monetária e da ausência de mecanismos de soberania nacional nessa dimensão, por parte do Estado português. As mesmas políticas que fazem, por exemplo, a Galp ter tido mil milhões de lucros o ano passado e, já neste primeiro trimestre, 333 milhões de euros de lucros, salvo erro, batendo recordes sobre recordes, a banca a acumular milhões e milhões diariamente à custa do esbulho dos bolsos das famílias e das pequenas e médias empresas. Estamos aí a ver uma consequência direta dessa política monetária e de termos perdido instrumentos de soberania monetária. 

Já sobre a pequena provocação que a Lídia Pereira fazia sobre a questão do europeísmo. Nós somos profundamente europeístas. Somos herdeiros dos valores de Abril de sair do isolacionismo e do estabelecimento de relações de efetiva cooperação, de solidariedade, de amizade entre povos, e rejeitando com isso aquilo que são relações entre Estados em que os interesses de uns se sobrepõem aos dos outros. E é isso que muitas vezes se verifica na União Europeia. Aliás, isso liga à nossa intervenção no Parlamento Europeu. Nós, sendo muito críticos de muitas das políticas da União Europeia, é um facto, somos proponentes de alternativas, de propostas concretas, até no quadro dos próprios instrumentos dos fundos comunitários, no sentido de potenciar o desenvolvimento nacional, de como esses fundos possam ser mobilizados para o desenvolvimento nacional, rejeitando aquilo que sejam condicionalismos que são determinados. Por exemplo, apresentámos propostas para aumentar o orçamento da União Europeia, que viu o quadro financeiro plurianual ser o mais baixo de sempre, enquanto comparado com o rendimento nacional bruto dos países, viu cortes na coesão, na política agrícola comum, propusemos medidas concretas para que pudessem beneficiar o país.

E, por outro lado, rejeitamos naturalmente aquilo que são políticas, ainda que se tenha aqui falado de salários dignos e justos, mas que levam, não à valorização de salários, aliás, ao longo destes últimos cinco anos, nunca ouvimos a Presidente da Comissão Europeia, por exemplo, a falar sobre a necessidade de aumentar salários para fazer face ao aumento do custo de vida. Mas vimos, por exemplo, aprovar uma legislação que estabelece orientações para o salário mínimo, que se fosse cumprida em Portugal colocaria o salário mínimo abaixo daquilo que está hoje a ser aplicado, que estabelece como referência para o salário mínimo o valor do limiar da pobreza, os 70% da mediana dos salários. Vimos aprovar uma legislação sobre igualdade salarial que, afirmando o princípio da igualdade salarial, na prática, legitima, porque diz que só haverá atuação se houver diferenças acima dos 5% de igualdade salarial. Nós intervimos sempre lá, levando os problemas concretos do país, denunciando as consequências da política da União Europeia, mas apresentando propostas alternativas para facilitar o desenvolvimento nacional e em benefício, também, das condições de vida do povo português.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Ficamos então com essas prioridades. Lídia Pereira, a lista da AD surpreendeu com um cabeça de lista pouco experiente em assuntos europeus, mas muito conhecido pela sua imagem nos painéis de comentário. É sinal de que, mesmo no âmbito deste ato eleitoral, a coligação dá mais importância à imagem local do que ao trabalho no Parlamento Europeu?

Lídia Pereira (AD) – Relativamente à experiência ou inexperiência, se olharmos para todas as listas apresentadas, houve uma revolução. Há muitas pessoas que, já tendo experiência política ou profissional noutros âmbitos, vão, a partir do dia 9 de junho, assumir outras funções no domínio da política europeia. Portanto, não me parece que seja uma avaliação muito justa quando pomos as questões da experiência ou inexperiência. Eu tinha 27 anos quando fui para o Parlamento Europeu e não me recordo de terem posto em causa a minha experiência na altura e, portanto, acho que, apesar de tudo, o trabalho fala por si e, portanto, os resultados estão à vista do meu empenho e, sobretudo, na causa europeia. Agora, não podemos ignorar que há sempre uma dimensão nacional no contexto europeu. Se virmos, por exemplo, a cabeça de lista do PS, Marta Temido, foi ministra, Ana Catarina Mendes assumiu funções governativas, também foi ministra. Portanto, há sempre aqui uma valorização daquilo que são as componentes profissionais ou o background profissional de cada um e que, depois, vão aportar valor, no entendimento dos partidos políticos, no Parlamento Europeu. E eu acho que isso também é muito importante.

Infelizmente, só se fala de assuntos europeus quase de cinco em cinco anos. É verdade que nós temos outros espaços mediáticos em que debatemos, usamos as redes sociais, mas, infelizmente, do ponto de vista mediático, há sempre uma menor atenção à política europeia, que contrasta até com países como, por exemplo, Itália, em que, se as pessoas virem regularmente as notícias no canal público, há normalmente meia hora de emissão dedicada aos assuntos europeus. E nós vemos a Presidente da Comissão Europeia, a Presidente do Parlamento, os representantes, o comissário [europeu], neste momento, [Paolo] Gentiloni. Portanto, há um grande cuidado com a causa europeia. E gostava de deixar, no fundo, um apelo, para que tentemos, nos próximos anos, fazer esta informação continuada. Não pode ser apenas no último mês de campanha, ou no mês que antecede as eleições, que falamos de assuntos europeus. Tem de haver um compromisso, uma vez mais, palavra que me parece importante para os próximos anos, com o espaço mediático, com o espaço público, com a causa europeia.

Para terminar, queria dizer o seguinte: se todos os portugueses europeus votassem, tinham capacidade para eleger nove dos 21 eurodeputados nas próximas eleições europeias. Aquilo que eu quero dizer é que os jovens têm um grande poder, que é a força do voto, em moldar o seu presente e o seu futuro. E, portanto, deixo este desafio, para irem votar com os pais, com os avós, com os amigos, mas para irem votar. E ainda por cima, este ano, temos a possibilidade de votar antecipadamente, e, portanto, não vamos relegar a importância do voto noutras pessoas. Isto é um apelo à mobilização, pois as eleições europeias, em particular, são eleições muito marcadas pela mobilização político-partidária, e, portanto, eu deixo este apelo aos jovens portugueses: nós temos capacidade para eleger nove dos 21 eurodeputados, portanto vão votar.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Ana Catarina Mendes, os países da União Europeia são grande percentagem do destino dos emigrantes portugueses nos últimos anos, nomeadamente dos jovens que encontram noutros países europeus melhores salários que lhes permitem acesso à habitação, algo que em Portugal é cada vez mais difícil. O que é que o PS pretende fazer para garantir que mais jovens em Portugal tenham acesso ao direito à habitação sem entrar em conflito com as regras europeias?

Ana Catarina Mendes (PS) – Agradeço a questão, mas ela tem várias dimensões às quais eu não vou conseguir responder de forma sucinta a todas. Primeiro, nos últimos oito anos baixou significativamente o número de jovens que emigram em Portugal. Em segundo lugar, há hoje, fruto de estarmos na União Europeia, fruto dos projetos europeus de educação, da mobilidade laboral, a possibilidade de os jovens circularem com maior facilidade. Facilmente um jovem vai fazer Erasmus e facilmente encontra um projeto de vida no país onde fez Erasmus ou no país do lado. Não estou com isto a desvalorizar aqueles que vão à procura de melhores salários e, por isso, temos sempre defendido no Partido Socialista a necessidade da valorização, como eu disse há instantes. Se as qualificações são maiores, se os trabalhos têm hoje maior exigência, devem ser melhor remunerados. Por isso é que nós fomos a favor dos estágios remunerados, para quando um jovem licenciado é estagiário, que seja remunerado, porque isso é trabalho que estão a fazer. E que, aliás, o Partido Socialista Europeu defende agora no seu manifesto, a remuneração dos estágios que nós colocámos aqui em Portugal, designadamente, na lei das ordens profissionais.

Além dos salários e de melhores empregos com mais direitos, para que haja melhor autonomia de todos os cidadãos, e em particular dos mais jovens, a questão da habitação não é uma questão apenas nacional, é uma questão hoje com que nos confrontamos em termos europeus. E é por isso que o Partido Socialista Europeu defende a necessidade de encontrarmos uma resposta ao nível europeu para uma maior oferta pública de habitação para todos, mais jovens e menos jovens. Foi isso, aliás, que levou o anterior Governo a escrever à Comissão Europeia pedindo que houvesse uma resposta europeia sobre as questões da habitação. Nós temos hoje o instrumento financeiro PRR, com fundos europeus para garantir uma maior oferta pública de habitação, a maior fatia do PRR é para apostar na habitação, mas tenho consciência do problema que enfrentam todos os jovens. Não apenas os portugueses, todos os jovens no espaço da União Europeia. E julgo que a mobilidade que foi garantida ao longo destes anos com o projeto europeu deve continuar a ser uma opção para todos os mais jovens, e menos jovens, que queiram outras experiências noutros países e que, em conjunto, possam construir também o projeto europeu.

E deixo o mesmo apelo que a Lídia. Acho que é muito importante que os jovens se empenhem, esta nova geração de jovens. Sobretudo os que vão votar pela primeira vez, já nasceram totalmente europeus e beneficiários de um conjunto de instrumentos que trouxeram, ao contrário de algumas vozes que eu ouvi aqui ao longo deste nosso debate, muito desenvolvimento. Imaginem o que era Portugal há 50 anos, completamente isolado do mundo, e nos 50 anos de Abril é, não só, usarmos de novo a arma do voto, que é a arma mais poderosa para garantir que o projeto europeu continue a ser um projeto de democracia, liberdade, paz e segurança. E esses são os desafios que nós temos, com o ressurgimento dos extremismos e com a extrema-direita a crescer, a usar o medo e as inseguranças que as pessoas têm.

Seja na habitação, seja o medo dos imigrantes que chegam à Europa para procurar novas oportunidades de emprego, seja o que é absolutamente essencial que os próximos cinco anos redefinam o projeto europeu como uma potência com força no espaço geopolítico, seja no confronto com os Estados Unidos e com uma hipótese de Trump no poder, seja com aquilo que está a acontecer na Ucrânia, seja com o que está a acontecer no Médio Oriente, é preciso que a União Europeia volte a ter a sua autonomia e a sua força. E essa faz-se com autonomia e segurança financeira, desenvolvendo científica e tecnologicamente o nosso projeto, garantindo paz e segurança em todos os domínios. Seja a segurança alimentar com que iniciámos este nosso debate, seja a segurança em termos de espaço de democracia, seja a segurança no emprego, na habitação, no acesso aos serviços públicos, são enormes os desafios que nós temos. E o projeto faz-se, não de cinco em cinco anos, como diz a Lídia e bem, mas sim todos os dias e tem implicações muito significativas na vida de cada um dos portugueses, que são cidadãos europeus.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – Para concluir, José Gusmão, o Bloco de Esquerda quer criar novas regras europeias que considerem a habitação como direito fundamental e não como ativo financeiro. O que é que isso significa? O que propõem nessa matéria?

José Gusmão (Bloco de Esquerda) – Um dos eixos da nossa proposta para os próximos cinco anos é trabalhar sobre o que foram as limitações do pilar dos direitos sociais. Houve uma série de relatórios, por exemplo, a Ana Catarina Mendes falou de um, a questão dos estágios não remunerados, em que eu fui relator. O relatório pretendia proibir os estágios não remunerados: o problema fundamental não era criar estágios remunerados, o problema era criar uma proibição europeia dos estágios não remunerados, que atualmente não existe. A Comissão Europeia argumentou sistematicamente com limitações da base legal dos tratados mas, na realidade,  a base legal existe, que é a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Que aliás, em 2009, salvo erro, passou a ser base legal da União Europeia, não era antes, e nós pensamos que esta deve ser a base legal para um conjunto de direitos sociais mínimos. Não se trata de retirar da esfera das políticas nacionais um conjunto de competências na área social e laboral, trata-se de assegurar que não existe, não é possível dentro da União Europeia uma corrida para o fundo nos direitos do trabalho e nos direitos sociais.

Isto implica estabelecer que há áreas da vida económica que mexem com direitos fundamentais das pessoas. E que bens como a habitação não podem ser tratados pela legislação comunitária como se fossem produtos iguais a quaisquer outros. Ainda por cima num contexto em que a habitação, os mercados imobiliários estão cada vez mais financeirizados, são cada vez mais determinados pela atuação de fundos financeiros e estão sujeitos a todas as assimetrias que decorrem de um mercado interno em que há economias muito diferentes, com poderes de compra muito diferentes. O problema da habitação é um problema generalizado pela Europa fora, mas é mais grave em economias com poder de compra mais reduzido, como é o caso da economia portuguesa, e que estão expostas a um mercado interno em que esses fundos atuam e em que há, inclusive, pessoas com poderes de compra totalmente diferentes e, inclusive, países que têm depois regimes fiscais que favorecem o investimento imobiliário noutros Estados-membros.

Ema Gil Pires (Polígrafo) – O que propõem para dar resposta a essa situação?

José Gusmão (Bloco de Esquerda) – É preciso, em primeiro lugar, inverter por completo a linha da política do Banco Central Europeu, que tem sido desastrosa numa série de áreas, como, por exemplo, o investimento, mas também na área da habitação, impondo uma carga financeira enorme às famílias que tem que ser rapidamente invertida. Mas, do nosso ponto de vista, implica também criar uma derrogação das regras do mercado interno para a habitação. Precisamos de um parque público de habitação, que em Portugal nunca foi construído a sério. Em Portugal, a habitação pública sempre foi entendida como habitação social, habitação para os pobres, e nós precisamos de mais do que isso, mas isso vai levar muito tempo.

Enquanto isso não acontece, nós precisamos de tomar medidas de regulação do mercado de arrendamento que protejam o uso da habitação para aquilo que a habitação serve, que é para as pessoas viverem. Não podemos aceitar que, sem que tenha havido uma grande transformação na relação entre famílias/agregados familiares e habitações em Portugal, que não houve nos últimos 10 anos, tenha havido um aumento estratosférico das rendas em Portugal. Isto exige uma regulação do mercado de arrendamento que, do nosso ponto de vista, pode em parte ser feita no quadro das regras comunitárias existentes, mas se houver limitações a esse nível, a União Europeia deve libertá-las. A habitação não é um produto igual aos outros, é um produto que assegura um direito fundamental que tem de ser protegido.

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UE

Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto “EUROPA”. O projeto foi cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa de subvenções do Parlamento Europeu no domínio da comunicação. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar.

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