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Inês Domingos, secretária de Estado dos Assuntos Europeus: “Questão do alargamento da União Europeia é uma enorme oportunidade, mas tem desafios”

Numa altura em que se encontra já definida a Agenda Estratégica da União Europeia para o ciclo institucional 2024-2029 – centrada nos princípios da liberdade e democracia, força e segurança, e prosperidade e competitividade –, a atual secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Inês Domingos, assegura que existe “um alinhamento entre as políticas nacionais e as políticas europeias”. Em entrevista ao Polígrafo, desvendou aqueles que antevê como sendo os desafios que a Europa terá de enfrentar nos próximos anos.
© Representação da Comissão Europeia em Portugal

O Governo tomou posse há apenas alguns meses. Quais são as principais prioridades deste Executivo em matéria de assuntos europeus?

Nós temos um conjunto de prioridades que também está muito alinhado com o facto de existir uma nova Comissão Europeia e de, num futuro não muito longínquo, começarem as negociações do próximo quadro financeiro plurianual. Talvez comece por este último porque, na realidade, uma das primeiras prioridades do Governo está relacionada com o facto de este ser um quadro financeiro mais exigente, porque acaba o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência].

Ao longo destes anos tivemos o PRR, os fundos do NextGenerationEU, a acrescentar ao que era o quadro financeiro plurianual, e, de facto, o novo período será exigente na perspetiva dos fundos que são direcionados para Portugal. Por isso, a primeira prioridade do Governo será contribuir para uma negociação de forma a conseguirmos assegurar que o orçamento que vem para Portugal é justo e corresponde, também, àquilo que são os desejos e as prioridades nacionais, não só em termos de política europeia, mas também de política nacional. Para que o orçamento da União Europeia e os fundos que nós receberemos através desse orçamento possam contribuir para o nosso projeto de futuro em termos de política nacional.

 

“Há um alinhamento entre as políticas nacionais e as políticas europeias, porque, de facto, desejamos todos o melhor para as nossas populações.”

 

O próprio Conselho Europeu também já aprovou a agenda estratégica para este mandato europeu, entre 2024 e 2029. Como é que as prioridades do próprio Governo se alinham com os princípios aí definidos? 

As prioridades estão muito alinhadas, até porque a agenda estratégica que foi aprovada também teve contributos dos Estados-membros. E, por exemplo, um contributo importantíssimo que Portugal deu diretamente e que depois foi acompanhado por outros países, e que é um contributo que o Sr. Primeiro-Ministro considera absolutamente essencial, é o tema da resiliência da água. E aí houve um lead de Portugal, que deu este contributo muito importante para a agenda estratégica, e depois outros países juntaram-se a nós. É apenas um exemplo de como os Estados-membros também influenciam a agenda europeia.

Há um claro alinhamento em tudo o que tem a ver com os temas relacionados com o ambiente, com a digitalização, mas também com a juventude, por exemplo, que é um tema que o Sr. Primeiro-ministro tem referido muito no caso de Portugal. É um tema que surgiu, também, não só na agenda estratégica da União Europeia, como no projeto da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Portanto, há um alinhamento entre as políticas nacionais e as políticas europeias, porque, de facto, desejamos todos o melhor para as nossas populações.

Outro tema que tem sido prioritário para as instituições europeias é a desinformação. O Governo português já manifestou alguma abertura para adotar iniciativas de modo a promover o combate à disseminação de narrativas falsas. De que modo é que deve a União Europeia, em coordenação com os Estados-membros, trabalhar no sentido de combater essa realidade que é cada vez mais premente e que no período que antecedeu as eleições europeias foi muito visível?

Sobretudo em certos países, sim, é verdade. Alguns países foram muito afetados. É também uma questão nacional, à qual o Governo tem dado grande importância, e é, obviamente, uma questão que foi muito relevante nas eleições europeias, porque houve uma prioridade das instituições para reforçar o combate à desinformação. Diria que este tema é muito difícil, até porque uma parte da desinformação está também aliada a temas de política externa.

Com o caso mais evidente a ser o da interferência russa.

Sim, existem ameaças de vários países que não são favoráveis às democracias europeias e aos regimes democráticos. E, por isso, é um aspeto que precisa de ser estudado em muitas dimensões, de uma forma muito transversal. Mas é um tema que preocupa tanto o Governo nacional, e isso foi muito visível sobretudo na altura das eleições europeias, como as instituições em geral da União Europeia.

 

“Existe a questão do alargamento que é, desde logo, uma enorme oportunidade – mas que tem, como todas as oportunidades, desafios.”

 

Destacou os desafios associados ao novo quadro financeiro plurianual da União Europeia. Um alargamento futuro da União Europeia, que aparenta estar cada vez mais próximo, não agudizaria ainda mais essa situação para Portugal, enquanto um dos países que mais fundos europeus já recebeu?

Sobre os desafios do processo de alargamento, importa dizer que não sei qual será o formato, pois ainda não há proposta da Comissão Europeia. Mas o que posso dizer, de facto, é que os desafios são muito grandes. Porque existe a questão do alargamento que é, desde logo, uma enorme oportunidade – mas que tem, como todas as oportunidades, desafios. E um deles é, precisamente, o desafio do financiamento, que é possível ser superado.

Aliás, noutra ocasião o ex-Primeiro-Ministro, António Costa, tinha abordado a possibilidade de se criar um “PRR permanente” na União Europeia, para dar resposta às necessidades de financiamento para investimentos e reformas nos Estados-membros. O Governo vê esta sugestão com bons olhos?

Este não é o primeiro alargamento que a União Europeia faz. Houve já, aliás, um alargamento muito maior. Este é mais exigente, talvez, do ponto de vista do grau de desenvolvimento dos países, mas nós tivemos um alargamento enorme no princípio dos anos 2000. E conseguimos fazê-lo. Portanto, é um desafio, mas não é insuperável. Mas a União Europeia tem outras prioridades, mais no âmbito da defesa, até da competitividade e de uma política industrial que procure trazer mais produção para a Europa em certos meios específicos, numa perspectiva de reforçar as suas cadeias de abastecimento nacionais em certos bens. E tudo isso vai exigir mais fundos. É também por isso que Portugal considera que é muito importante pensar em reforçar o orçamento, por exemplo, acrescentando ou reforçando os recursos próprios. Já existem, mas é importante diversifica-los e reforçar os recursos próprios da União Europeia. Para nós, essa é uma medida que seria importante atingir nas negociações. Mas é, de facto, um tema muito difícil.

Para além deste, quais os principais desafios que se colocam à União Europeia para os próximos anos?

Outros desafios que me parecem muito relevantes para a Europa passam pela forma como nós lidamos e enfrentamos este conflito, a guerra que está a acontecer na nossa fronteira. É um tema que durante muito tempo vai marcar a política da União Europeia e que é exigente. Mas também o problema da demografia, que é um problema muito complicado e difícil.

 

“Houve um passo muito grande que foi dado com o novo Pacto em matéria de Asilo e Migração.”

 

Como é que pode a União Europeia dar resposta a esse problema que agora elencou? É sabido que a imigração pode também ter um forte papel no combate a essa realidade, ainda que esse seja um tema que tenha vindo a causar alguma polémica, em Portugal e noutros países.

Exatamente. Há uma questão sobre o que se faz, em matéria de política nacional, em termos de migrações para conseguir assegurar que conseguimos fazer face ao que é, de facto, uma dificuldade. Agora, é verdade que, sobretudo no tema das migrações, a posição portuguesa é muito ponderada e equilibrada. A União Europeia conseguiu fazer algo que pensávamos que não era possível, mas houve um passo muito grande que foi dado com o novo Pacto em matéria de Asilo e Migração, que foi muito relevante para dar um passo grande no sentido de resolver vários desses problemas. 

Vários problemas esses que, aliás, estavam a ser vividos por muitos Estados-membros. 

Exatamente. Agora, não quer dizer que os desafios tenham parado. Não pararam, mas penso que estamos num bom caminho nesse aspeto. E agora, de facto, há também todo o aspecto demográfico, que é um tema que parece ser preciso tratar.

No que toca aos desafios para os próximos anos, existe um último ponto que acho que é muito importante, que é o tema da competitividade europeia. Porque nós temos um problema de competitividade face ao resto das regiões. A perceção deste problema demorou algum tempo, mas está agora em todas as agendas do Conselho Europeu. É um tema que durante muito tempo não era uma preocupação, mas tem de o ser, porque isso até resolve uma série de problemas. Nós só conseguimos oferecer as condições certas aos nossos jovens se esta região, Portugal mas também a Europa, for suficientemente competitiva, tiver projetos de futuro para os jovens, em que eles acreditem.

Diria que é preciso dotar a economia europeia de maior atratividade?

Não só atratividade financeira, mas também atratividade em termos de oportunidades de expansão intelectual e de trabalho. Isso é muito importante e fico muito feliz que seja um tema que tenha surgido de forma mais frequente a nível europeu.

 

“A União Europeia tem as suas competências e a habitação não é propriamente uma delas.”

 

A definição de uma estratégia europeia para a habitação, tal como tem sido defendido pelo PS, é uma ideia que parece válida ao Governo? Como é que olham para essa discussão?

A União Europeia tem as suas competências e a habitação não é propriamente uma delas. Pode haver uma política de coordenação, mas não é uma questão de competência. 

Que tipo de intervenção coordenada é que pode haver, nesta área, na ótica do Governo?

O que é um facto é que há várias cidades europeias que têm uma tendência comum: torna-se cada vez mais difícil, sobretudo para os jovens, conseguirem comprar ou até arrendar habitação no centro das cidades ou nos locais onde trabalham. Não penso que uma política de habitação, a nível da União Europeia, tenha que passar por uma mudança das competências da União Europeia. O que é possível é existir uma coordenação, aprendermos uns com os outros. De fazer, de uma forma mais sistemática, a comparação das políticas que funcionam e não funcionam.

Aí, sinceramente, a União Europeia pode dar um contributo muito, muito significativo. O próprio processo de reflexão e de estudo da União Europeia, das suas instituições, de ajudarem a contribuir para esse debate, tudo isto ajuda. Mas isso não quer dizer que temos que mudar os Tratados para mudar as competências da União Europeia, não me parece que seja por aí. Penso é que, dentro do que existe, é possível, de facto, os Estados-membros, entre eles – e usando também as competências e a capacidade técnica das instituições – pensarem ideias, soluções de uma espécie de toolbox que depois pode ser usada pelos Estados-membros.

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