Na manhã de 13 de setembro, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, proferiu o aguardado discurso no debate anual sobre o “Estado da União” – este ano com uma importância redobrada, por ser o último antes das próximas eleições para o Parlamento Europeu, agendadas para junho de 2024.
O mote para a sessão plenária que se seguia, na cidade francesa de Estrasburgo, foi dado pela presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, em breves declarações aos jornalistas minutos antes do início do debate. Recordou então que se tratou do “último [debate do] Estado da União Europeia no presente mandato” e que, por isso, este momento pode também ser considerado o “início da corrida para as Eleições Europeias do próximo ano”.
Nesse momento, à entrada do hemiciclo, Metsola classificou o presente mandato como “muito difícil”. E enumerou alguns dos principais desafios que têm sido apresentados ao bloco comunitário: “Em primeiro lugar, com o Brexit, depois com a pandemia, com uma invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia e uma emergência climática, além de uma crise energética”.
Metsola considerou ainda que “chegou o momento de dizer que a União Europeia precisa de se reformar, de se reerguer”, assim como de dar resposta às “mudanças que as pessoas esperam”. Sublinhou também que o bloco europeu “que atualmente funciona para 27 [Estados-membros], não funcionará para 32, 33 ou 35”, pois necessita de reformas – colocando em perspetiva um possível futuro alargamento a países como a Ucrânia, Moldova, Geórgia e dos Balcãs Ocidentais.
“É essa visão e esse compromisso que nos permitem tomar decisões centradas no ser humano, ser o continente mais ambicioso do planeta em matéria de clima e criar essa rede de segurança para que as nossas pequenas empresas e indústrias sobrevivam, mas também para que continuem a inovar e a prosperar”, afirmou Metsola.
Pouco depois das nove horas locais, a presidente do Parlamento Europeu introduziu o debate sobre o “Estado da União Europeia” que, apontou, se rege por objetivos como a “igualdade”, “oportunidade”, “acesso” e “prosperidade”.
Cedeu depois o palco à presidente da Comissão Europeia. Ursula von der Leyen começou a sua intervenção – a mais extensa desta sessão no hemiciclo – recordando que “dentro de pouco menos de 300 dias, os europeus irão às urnas, (…) para decidirem que tipo de futuro e que tipo de Europa querem”.
A líder do Executivo Comunitário lembrou o momento em que se apresentou, em 2019, perante os eurodeputados, com um “programa para uma Europa verde, digital e geopolítica”, o qual suscitou “dúvidas” para “alguns”. Porém, quis salientar o que considerou ser o sucesso dessa aposta – tendo enumerado exemplos como o “Green Deal”, o “caminho” que tem sido desenvolvido em matérias de “transição digital” e o “nascimento de uma União geopolítica” motivada pela guerra na Ucrânia.
Na sequência destas declarações iniciais, foram cinco os temas que a presidente da Comissão Europeia quis destacar no seu discurso – e que vão moldar o debate no Parlamento Europeu ao longo dos próximos meses.
As alterações climáticas e o “Green Deal”
Von der Leyen introduziu o tema dizendo que este Verão foi “o mais quente de que há registo na Europa”. E lembrou os exemplos de Grécia e Espanha, países que “foram atingidos por incêndios florestais devastadores – e foram novamente atingidos apenas algumas semanas mais tarde por inundações arrasadoras”.
Falando sobre o que considerou ser um “planeta em ebulição”, a chefe do executivo da União Europeia destacou que o Green Deal “nasceu desta necessidade de proteger o planeta”, ao mesmo tempo que é, também, uma “oportunidade para preservar” a sua “prosperidade futura”.
Argumentou que a União Europeia foi capaz de mostrar que a “modernização e a descarbonização podem andar de mãos dadas” e que, neste momento, os Estados-membros como um todo estão a “atrair mais investimento em hidrogénio limpo do que os Estados Unidos e a China juntos”.
Considerando que este pacto “fornece o enquadramento, os incentivos e o investimento necessários” para dar resposta às alterações climáticas, garantiu que a Comissão Europeia “continuará a apoiar a indústria europeia nesta transição”. E acrescentou: “Da energia eólica ao aço, das baterias aos veículos eléctricos, a nossa ambição é muito clara: o futuro da nossa indústria das tecnologias limpas tem de ser feito na Europa”.
No contexto deste tema, anunciou ainda que a Comissão Europeia “vai lançar uma investigação aos subsídios estatais aos veículos eléctricos provenientes da China” – reconhecendo o desafio que esta grande potência asiática apresenta neste domínio.
Ursula von der Leyen deixou ainda um agradecimento aos agricultores, que não têm uma “tarefa fácil pela frente”: visto que “as consequências da agressão da Rússia contra a Ucrânia, as alterações climáticas que provocam secas, incêndios florestais e inundações, e as novas obrigações estão a ter um impacto crescente” no seu “trabalho e rendimentos”.
Desafios económicos
“Vejo três grandes desafios económicos para a nossa indústria no próximo ano: escassez de mão de obra e de competências, inflação e, como facilitar a atividade das nossas empresas”, começou por enumerar a líder do executivo comunitário, introduzindo este novo tema.
Quanto ao primeiro ponto, explicou que, atualmente, “em vez de milhões de pessoas estarem à procura de emprego, existem milhões de empregos à procura de pessoas” – e ainda que “74% das PME (Pequenas e Médias Empresas) dizem que estão a deparar-se com um défice de competências”. Para estes problemas, apontou que as soluções podem passar, nomeadamente, pela aposta na “migração qualificada” e por “melhorar o acesso ao mercado de trabalho”, especialmente “para os jovens” e para as “mulheres”.
Já no que toca à “inflação elevada e persistente”, reconheceu que atingir os objetivos fixados pelo Banco Central Europeu (BCE) levará “algum tempo”. Porém, existem “boas notícias”, na sua perspetiva. “Os preços da energia na Europa já começaram a baixar”, após uma “utilização deliberada do gás como arma” de guerra por parte do presidente da Rússia, Vladimir Putin – que provocou “receios de um apagão e de uma crise energética como nos anos 70”.
Sobre o terceiro desafio a pender sobre as empresas europeias – a necessidade de “facilitar a atividade comercial” – anunciou que a Comissão Europeia vai apresentar as “primeiras propostas legislativas para reduzir em 25%, a nível europeu, as exigências de reporte”, apelando aos Estados-membros tomem iniciativas semelhantes nacionalmente.
“Estes três desafios – mão de obra, inflação e ambiente empresarial – surgem numa altura em que estamos também a indústria a liderar a transição limpa. Por isso, temos de olhar para o futuro e definir a forma de nos mantermos competitivos enquanto o fazemos”, apelou ainda von der Leyen.
Ambiente digital e Inteligência Artificial
O longo discurso da presidente da Comissão Europeia focou ainda como os Estados-membros, através do pacote NextGenerationEU, têm investido na digitalização dos seus “sistemas de saúde ou judiciários”, mas também das “redes de transporte”. Porém, ao mesmo tempo, alertou para a importância da “gestão dos riscos” associados ao “mundo digital”, sobre a qual argumenta que a “Europa assumiu a liderança”.
Apontou ainda para os “sérios desafios” associados à Internet, como a “desinformação, difusão de conteúdos nocivos, e riscos para a privacidade dos nossos dados”. É neste contexto que nascem o Regulamento dos Serviços Digitais (Digital Services Act) e o Regulamento dos Mercados Digitais (Digital Markets Act) – que, na sua ótica, “estão a criar um espaço digital mais seguro onde os direitos fundamentais são protegidos” e a garantir “uma responsabilização clara para as grandes empresas tecnológicas”.
Ursula von der Leyen referiu que “o mesmo devia ser verdade para a Inteligência Artificial” – que, elaborou, irá “melhorar os cuidados de saúde, aumentar a produtividade e combater as alterações climáticas”, mas apresenta “ameaças reais”.
Sobre o tema, concluiu: “Considero que a Europa, juntamente com os seus parceiros, deve assumir a liderança de um novo quadro global para a Inteligência Artificial, assente em três pilares: limites, governação e orientação da inovação”.
Migrações e Segurança
A líder do bloco comunitário quis ainda tecer algumas considerações sobre uma temática bem distinta, recordando uma frase por ela proferida em 2019, também perante os eurodeputados: “Quando estive aqui há quatro anos, disse que se estivermos unidos no interior, ninguém nos vai dividir a partir do exterior”.
Fez referência às situações de instabilidade atualmente vividas em alguns países do continente africano – Líbia e Marrocos, “após as cheias violentas e o sismo”, mas também na região do Sahel, que se tornou “terreno fértil para o crescimento do terrorismo”.
“Trata-se de uma preocupação direta para a Europa” em matérias de “segurança e prosperidade”, argumentou von der Leyen, que defendeu que a União Europeia tem de “mostrar a mesma unidade de propósito em relação a África” que a demonstrada “em relação à Ucrânia”.
Numa altura em que os vários “conflitos, as alterações climáticas e situações de instabilidade” registados à escala mundial “estão a levar as pessoas a procurar refúgio noutro lugar”, a presidente da Comissão Europeia revelou que “sempre teve uma convicção inabalável de que a migração tem de ser gerida”. Defendeu que tal deve ser feito “eficazmente e com compaixão”, destacando o papel do Novo Pacto sobre Migração e Asilo nessa matéria. Tudo isto em simultâneo, acrescentou, com uma aposta na “luta contra o tráfico de seres humanos”.
Guerra na Ucrânia e alargamento da União Europeia
Para fechar a sua intervenção, o principal rosto do bloco comunitário quis recordar a invasão russa à Ucrânia, manifestando o apoio europeu aos esforços de guerra do país liderado por Volodymyr Zelensky. “Estaremos ao lado da Ucrânia em cada passo. Durante o tempo que for necessário”, assegurou.
Anunciou, de seguida, que a Comissão Europeia “irá propor a extensão da proteção temporária” concedida aos cidadãos ucranianos em fuga da guerra no bloco europeu, já depois de “quatro milhões” de pessoas nesta situação terem encontrado “refúgio” nos vários Estados-membros.
Ursula von der Leyen referiu ainda que o próprio Parlamento Europeu já disse “em voz alta” que o “futuro da Ucrânia” passa pela União Europeia, bem como da Moldova e do Balcãs Ocidentais. “E sei como a perspetiva europeia é importante para muitas pessoas na Geórgia”, acrescentou ainda.
Ainda assim, alertou que “Estado de direito e os direitos fundamentais serão sempre a base” do bloco comunitário – princípio válido tanto para os “atuais”, como para os “futuros Estados-Membros”. Isto para garantir “uma União democracias vibrantes em que os sistemas judiciais são independentes, as oposições são respeitadas e os jornalistas são protegidos”.
Ressalvando que a adesão ao bloco europeu é “baseada no mérito”, Ursula von der Leyen quis ainda referir que “já se registaram muitos progressos”. E concluiu: “Vimos os grandes progressos que a Ucrânia já fez desde que lhe concedemos o estatuto de candidato. E assistimos à determinação de outros países candidatos em efetuar reformas”.
Sobre o “próximo alargamento” da União Europeia, a presidente da Comissão Europeia defendeu que o mesmo deve também ser um “catalisador de progresso”.
______________________________
Nota editorial: o Polígrafo viajou para Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu.