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Campanhas de manipulação e “atores hostis” que tentam “minar a democracia”: as preocupações da Europa com a desinformação

Face às ameaças que surgem, o Parlamento Europeu tem adotado medidas para minimizar os impactos daqueles que tentam espalhar "Fake News" ou campanhas de manipulação com o objetivo de "semear a desconfiança e desmobilizar a sociedade". Há regras, preocupações e ainda uma forte componente de monitorização. O Polígrafo esteve presente em Estrasburgo durante a "Mesa Redonda: proteger a integridade digital na Europa". Saiba o que preocupa os europeus.
© European Union 2025

É um “tema de absoluta prioridade” para a Europa que, sem o devido combate, pode “pôr em causa a democracia”.  Esta terça-feira, discutiu-se em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, a desinformação e os desafios colocados pelas redes sociais e pela interferência estrangeira. O Polígrafo assistiu à “Mesa Redonda: proteger a integridade digital na Europa”, tendo conhecido as perspetivas de altos responsáveis sobre o tópico.  

Com a polémica da campanha de propaganda nas eleições presidenciais na Roménia – que ditou uma vitória inesperada ao candidato de extrema-direita Calin Georgescu – o impacto das redes sociais na tomada de decisão das pessoas foi um tema que voltou a surgir no espaço mediático. Em dezembro, o Tribunal Constitucional daquele país anulou os resultados por suspeitas de a Rússia ter conduzido uma campanha coordenada, com milhares de contas em plataformas como o TikTok e o Telegram a promoverem o candidato. Entretanto, esta semana, o presidente da Roménia, Klaus Iohannis, demitiu-se devido à pressão concertada dos partidos parlamentares de extrema-direita. 

A interferência estrangeira que é aqui analisada é um ponto de preocupação para a Europa. Tanto através de um maior escrutínio e legislação, percebe-se que um dos focos do Parlamento Europeu é poder identificar as ameaças e as tentativas de manipulação que vão surgindo no espaço digital. A Lei dos Serviços Digitais entrou em vigor a 17 de fevereiro de 2024 e introduziu medidas para combater a difusão da desinformação. Este serviço estabelece regras para as plataformas digitais e demais companhias, face ao conteúdo das publicações que vão sendo partilhadas e ao impacto que estas têm na sociedade.

O algoritmo: os ‘bastidores’ das redes sociais 

Christel Schaldmose
Créditos:Emilie Gomez/EP

O Parlamento Europeu percebeu que as redes sociais tinham que ser responsáveis pelo efeito dos algoritmos“É essencial que as redes sociais tenham responsabilidade pela forma como utilizam o conteúdo [que os utilizadores] fornecem”, referiu Christel Schaldmose, presidente do Grupo de Trabalho da Mesa sobre a Transformação Digital, Cibersegurança e Segurança da Informação do Parlamento Europeu e do grupo de Trabalho da Lei dos Serviços Digitais. 

 Schaldmose explicou que “no caso de existir um risco sistémico contra a nossa democracia ou a nossa saúde pública, o risco de interferência estrangeira, então as plataformas têm de fazer alguma coisa”.  Sobre a questão da campanha de propaganda na Roménia, a responsável revela que o TikTok corre o risco de ser sancionado pela Comissão Europeia, caso se prove que “não fez o suficiente para evitar a interferência estrangeira”. 

Apesar de atribuir às redes sociais um papel de extrema relevância na identificação destas ameaças, Schaldmose reiterou a necessidade de todos prestarem mais atenção à informação que lhes chega. “Precisamos mesmo, todos nós, de prestar atenção, porque se não o fizermos, arriscamo-nos a que a nossa vida pública acabe por ser um lugar onde não existe confiança”, salientou. “Numa democracia, é preciso poder confiar nos cidadãos, nas notícias, nos meios de comunicação social, nos políticos e, portanto, precisamos de ter um sistema que possa agir se as coisas não estiverem a correr corretamente”, concluiu.

Os “atores hostis” 

Mika Aaltola
Créditos: Emilie Gomez/EP

“Penso que, atualmente, a própria democracia e a sua infraestrutura de importância vital estão sob pressão e ataques”, considerou Mika Aaltola, coordenador do grupo do PPE na nova comissão especial sobre o Escudo Europeu para a Democracia, durante a conferência. 

Para este responsável, é fundamental identificar os diferentes atores (desde forças geopolíticas a organizações terroristas) que estão “estrategicamente a tentar minar as democracias”. “Temos que identificar as ferramentas que estão [os atores] a usar. Podemos aprender com os casos anteriores”, referiu Mika Aaltola, explicando que a interferência estrangeira começou com operações de pirataria e fuga de informação. “Não era algo muito sofisticado, mas agora são capazes de muito melhor que isso”, alertou. 

“Eles [os atores hostis] andam por aí e nós sabemos quem eles são“, indicou.

Mais 18 mil casos de desinformação em base de dados

Aude Maio-Coliche
Créditos: Emilie Gomes/EP

A terceira oradora desta conferência, Aude Maio-Coliche, diretora de Comunicação Estratégica e Prospetiva do Serviço Europeu de Ação Externa, referiu que já fazem dez anos desde que o serviço diplomático da União Europeia começou a identificar e a monitorizar manipulação e interferência de informação estrangeira. FIMI (Foreign Information Manipulations and Interference) foi a definição estabelecida para os casos. 

Segundo Aude Maio-Coliche, com as narrativas de desinformação os “atores” têm o objetivo de “semear a desconfiança e de desestabilizar a nossa sociedade”. Na última década de trabalho, foram estudados e armazenados dados sobre desinformação. A base de dados EU VS DisINFO conta com mais de 18.500 casos de desinformação dos últimos anos.“Em 2024, tivemos 35 milhões de visualizações neste sítio Web. Recomendo-o vivamente”, salientou.

“Estamos realmente perante uma ameaça à segurança. Não é uma questão de desinformação, é uma questão de lutar contra as nossas sociedades, espalhando uma narrativa errada, mas também atacando os nossos valores, atacando-nos“, disse Aude Maio-Coliche.

Novas ameaças

Durante a conferência, face às questões de alguns jornalistas presentes, os oradores expuseram a sua preocupação relativamente ao perigo das ameaças de desinformação e interferência estrangeira aumentar com o avanço e recursos a novas tecnologias, como a inteligência Artificial. Para estes responsáveis, existe a necessidade de adequar as ferramentas utilizadas no combate à desinformação conforme as ameaças que vão surgindo.

“Se verificar que as Leis dos Serviços Digitais não é suficiente, se as regras não forem suficientemente fortes para fazer face à interferência estrangeira, à desinformação ou se não forem suficientes para proteger a nossa democracia, teremos de estar abertos e ver se devemos fazer mais ou fazer as coisas de uma forma diferente”, considerou Christel Schaldmose.

Mike Aaltola assinalou que a inteligência artificial dá aos “atores estrangeiros” muitas oportunidades no aumento das atividades de manipulação. “A questão é: para além da intensificação [da interferência estrangeira], há mais alguma coisa que possa resultar, alguns métodos novos?”, questionou.

“A desinformação não é algo de hoje, nem sequer das redes sociais. Sempre existiu. Há muito tempo, o que muda são os meios e a IA não é um meio. Estes avanços tecnológicos trazem a questão de escala. É por isso que precisamos de criar essa resiliência”, constatou Aude Maio-Coliche.

Nota editorialo Polígrafo viajou a convite do Parlamento Europeu

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