"O objetivo da propaganda e das fake news russas não é convencer as pessoas. Creio que eles [russos] sabem que as pessoas não acreditam nessa propaganda. O que pretendem é criar o caos, querem ter uma zona cinzenta. Em certa medida não lhes interessa convencer as pessoas. Foi isso que mais tivemos dificuldade em entender", afirmou Raphaël Glucksmann, o atual presidente da Comissão Especial sobre a Ingerência Estrangeira em Todos os Processos Democráticos na União Europeia, incluindo a Desinformação (INGE2), em Estrasburgo, durante a última sessão plenária antes do encerramento de trabalhos da instituição para as férias de verão.

Num encontro com jornalistas portugueses, promovido pelo Parlamento Europeu a propósito do conflito na Ucrânia, na passada quinta-feira, o eurodeputado francês revelou que a interferência da Rússia nas democracias de vários Estados-membro foi um dos principais motivos para a criação desta comissão e classificou a desinformação como "uma das armas desta guerra". Justificou ainda a decisão de encerramento dos canais russos na União Europeia com as sanções aplicadas ao país e pelo facto de se tratarem de meros "instrumentos do sistema de Putin".

"O que tratamos não é apenas desinformação, inclui desinformação. Estamos a atuar em qualquer forma de ingerência estrangeira, tal como o financiamento de partidos políticos e de campanhas políticas. Atuamos em todos os modos de ingerência que são utilizados para destabilizar a nossa democracia. Obviamente, o principal agente de ingerência estrangeira, principalmente desde o início da guerra, é a Rússia", garantiu o eurodeputado.

"O objetivo da propaganda e das fake news russas não é convencer as pessoas. Creio que eles [russos] sabem que as pessoas não acreditam nessa propaganda. O que pretendem é criar o caos, querem ter uma zona cinzenta. Em certa medida não lhes interessa convencer as pessoas"

Segundo Glucksmann, a ação do governo da Rússia vai muito além da disseminação de fake news no debate europeu. "Existe uma grande relação destas ações com a ameaça à cibersegurança, através de ataques informáticos a hospitais durante a pandemia, a instituições da União Europeia e de instituições nacionais dos seus Estados-membro", explicou.

Perante estas ameaças, a União Europeia, através deste grupo de trabalhos, estabeleceu um conjunto de diretrizes para lidar com a ameaça externa. "Estas recomendações são numa primeira instância defensivas, de aumento da cibersegurança e de como combater a desinformação. Mas também são recomendações expositivas, de apoio aos agentes da sociedade civil que se dedicam a combater a desinformação e à criação de um ambiente que permita aos órgãos de comunicação livres e independentes um florescimento", assinalou o eurodeputado, que garantiu ainda que o governo da Rússia "beneficia da fragilidade dos nossos modelos económico-sociais através da introdução de desinformação".

© Parlamento Europeu, 2022

"O Governo da Rússia tem entrado em confronto direto com as democracias europeias há anos e anos e temos sido bastante ingénuos. É tempo de agir e de tomar medidas e de parar de viver num sonho", apelou.

Para o membro do Parlamento Europeu, o objetivo principal da Rússia não é sequer impor uma realidade falsa no que respeita aos países da UE, mas sim o de semear a dúvida. "Se espalhamos uma mentira é para que as pessoas acreditem, mas neste caso o objetivo [da Rússia] é que as pessoas não acreditem em nada. O que a Rússia pretende é criar uma imagem tão distorcida que retire pressão na ação, por se tratar de uma situação que não é clara", destacou. E apresentou vários exemplos de fake news virais da guerra "que se espalharam por toda a Europa. Foi o caso da fotografia que identificava, de forma falsa, uma mulher loira a erguer uma bandeira nazi enquanto a mulher do comandante do batalhão Azov. Ou da suposta teoria de que a grávida que surge em fotografias do ataque à maternidade de Mariupol era uma atriz/influencer contratada.

"Eles [russos] não querem que nós achemos necessariamente que a situação de Bucha é falsa. Eles querem instalar a dúvida", reiterou, lembrando as notícias falsas que correram o mundo sobre o que se passou na cidade ucraniana.

"O Governo da Rússia tem entrado em confronto direto com as democracias europeias há anos e anos e temos sido bastante ingénuos. É tempo de agir e de tomar medidas e de parar de viver num sonho"

Questionado pelo Polígrafo sobre a suspensão das emissões dos órgãos de comunicação "Russia Today" e "Sputnik" na UE e as criticas levantadas sobre esta medida, o eurodeputado garante que tudo fica claro através da forma como se define estes meios. "Se os definissemos como media, seria uma situação perigosa, mas eles não são media. Eles são instruídos pelo Governo russo sobre aquilo a que devem obedecer. São apenas ferramentas e instrumentos do sistema de Putin. Se eles fazem parte desse sistema, porque é que não deveriam ser afetados pelas nossas sanções e reações?", esclareceu, garantido que esta foi a "decisão correta e necessária a tomar".

O presidente da comissão que trabalha a pasta da desinformação garante ainda que a ambição do comité não é a de "tornar-se num ministério da verdade". "Se quiserem acreditar que a terra é plana, esse é o problema de cada um. Mas, se um governo estrangeiro gasta milhões em fazer com que as pessoas acreditem nos nossos países que a terra é plana, então torna-se um problema nosso", alertou.

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Nota editorial: O Polígrafo viajou a convite do Parlamento Europeu.

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