
A guerra na Ucrânia e a pandemia de Covid-19 podem ter deixado o tema mais a “descoberto”, mas a verdade é que as instituições europeias têm vindo a debater-se, desde há largos anos, com o combate à disseminação de conteúdos falsos sobre alguns dos principais campos de atuação da União Europeia.
Através de uma vasta diversidade de estratégias - umas mais percetíveis, outras nem tanto -, a ideia dos atores responsáveis por este tipo de narrativas passa sempre por "criar divisões" nas sociedades. Isto através da instrumentalização de debates que, numa primeira instância, pareceriam absolutamente legítimos, mas acabam por ser “distorcidos” por esses agentes de modo a conseguirem atingir os seus objetivos.
Muitas das vezes, a ideia passa por tentar sustentar a ideia (ainda que sem fundamento) de que as instituições europeias funcionam numa lógica “autocrática”, estando a impor as suas decisões aos cidadãos dos Estados-membros sem que tenham sido eleitas para esse fim.
São estes riscos - entre muitos outros - que levam os eurodeputados a debater esta quarta-feira, em Estrasburgo, com o Conselho Europeu e a Comissão Europeia, sobre como podem "responder ao aumento dos conteúdos violentos, terroristas e falsos que circulam nas redes sociais", informa o Parlamento Europeu numa nota de agenda.
Mas, afinal, sobre que outros temas, além da guerra na Ucrânia e da pandemia de Covid-19, têm incidido este tipo de narrativas dentro do bloco europeu? A identificação dos mesmos foi feita com a ajuda de Delphine Colard, porta-voz adjunta do Parlamento Europeu.
Fenómenos eleitorais e iniciativas democráticas
Acontecimentos políticos são sempre um dos “alvos preferidos” no que toca à difusão de conteúdos falsos com vista à conquista de certos objetivos. É o caso de eleições de âmbito nacional ou local, mas podem estender-se bem além disso - e é, inclusive, uma preocupação atual das instituições europeias, numa altura em que as próximas eleições europeias, agendadas para junho de 2024, se aproximam a passos largos.
Foi precisamente o que aconteceu, a título de exemplo, no referendo acerca da independência da Catalunha, Espanha, em 2017, que na altura dificultou a existência de um acordo entre as partes envolvidas.
Alterações climáticas
Esta é outra das temáticas que tem visto surgir vários conteúdos falsos a seu propósito, maioritariamente promovidos por grupos negacionistas que se aproveitam dos “medos e anseios” dos consumidores de informação face a estas matérias para fazê-los acreditar, muitas vezes, em histórias que não têm qualquer tipo de base científica.
O que se identifica, nestes casos, é em muito semelhante ao que se viu durante a pandemia de Covid-19. Basta lembrar uma teoria da conspiração - totalmente infundada - que alegava que o processo de vacinação se tratava de um mecanismo de controlo da população, através da inserção de “chips” nos organismos dos cidadãos do bloco europeu no momento da inoculação, tal como dá conta alguma investigação académica recente.
No contexto da pandemia, importa lembrar que muitas foram as narrativas criadas com vista a comprovar que a União Europeia e as suas instituições “falharam” na resposta inicial ao vírus. Argumentava-se, nesse âmbito, que a China tinha sido mais célere na adoção de máscaras e, até, que os equipamentos de proteção individual que estavam a ser disseminados no bloco europeu não eram de qualidade ou em quantidade suficiente. Tudo com vista a sustentar a tese, com base neste exemplo, de que os regimes autocráticos são mais eficientes no processo de gestão de crises - apontando assim “falhas”, por inerência, às democracias.
Igualdade de género e direitos LGBTIQ+
Também nestas matérias se têm identificado tentativas, por parte de agentes com objetivos bastante bem delineados, para “minar” o trabalho desenvolvido pelas instituições europeias e muitos dos seus Estados-membros neste sentido. Tudo através de narrativas que descrevem o bloco europeu enquanto fiel representante dos “valores cosmopolitas” e com vista a promover uma agenda LGBTIQ - em detrimento dos valores familiares e mais tradicionais, como amplamente defendido pelas instituições russas.
Muitos têm sido os conteúdos difundidos online que acusam a União Europeia de, ao defender a igualdade de género e os direitos das pessoas LGBTIQ, estar a “forçar” os seus cidadãos a, também eles, tornarem-se LGBTIQ, e que as crianças nascidas no bloco europeu estão a ser criadas num ambiente que fomenta isso mesmo. Alegações que, claro está, não têm qualquer fundo de verdade.
Migrações
Em causa está um assunto que tem criado uma “polarização excessiva” da sociedade em Estados-membros onde existe uma importante interferência russa, como é o caso da Roménia, Bulgária e República Checa.
É algo que tem sido feito através da “promoção de pontos de vista extremos” e de um “enfraquecimento da legitimidade do debate” sobre a temática das migrações - uma das situações que mais preocupações tem suscitado às instituições europeias em tempos recentes. O objetivo dos agentes responsáveis pela criação de narrativas de desinformação sobre esta matéria passa, aqui, por demonstrar, igualmente, que as instituições não estão a funcionar corretamente, minando a sua legitimidade.
A própria crise migratória resultante da invasão russa da Ucrânia tem sido alvo de instrumentalização, com investigações recentes a mostrarem que há conteúdos que têm vindo a retratar os refugiados ucranianos como “preguiçosos”, “desonestos” e “ladrões”, e alegando que a União Europeia tem “obrigado” os Estados-membros a acolher estas pessoas contra a sua vontade.
Regulamento dos Serviços Digitais (Digital Services Act)
Foi um tema que ganhou maior predominância este verão, após as grandes plataformas online terem sido obrigadas a aplicar novas regras com vista a garantir um “espaço digital mais seguro”, como prevê esta nova legislação. Uma mudança que viu nascer, também, conteúdos falsos associados - tal como tinha já anteriormente acontecido com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD).
Nos últimos tempos, têm sido identificadas várias teorias da conspiração promovidas por contas “pró-Kremlin”, apontando que, através desta nova lei, a União Europeia pretende instituir o que dizem ser um novo instrumento de censura às populações (e não só), para seu próprio benefício.
Importa lembrar que o Regulamento dos Serviços Digitais, segundo informa o site da Comissão Europeu, pretende assegurar uma “melhor proteção dos direitos fundamentais” dos cidadãos e uma “menor exposição a conteúdos ilegais”, entre outros objetivos, através da aplicação de um “conjunto comum de regras sobre as obrigações e a responsabilidade dos intermediários” no ambiente digital.
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Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto "EUROPA". O projeto foi cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa de subvenções do Parlamento Europeu no domínio da comunicação. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar.
