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A mudança de regime no Níger pode contribuir para uma crise energética na Europa?

Em 26 de julho, um golpe de Estado depôs o presidente eleito (Mohamed Bazoum) e suspendeu a constituição do Níger. Enquanto um dos principais fornecedores da União Europeia (UE), será que a mudança de regime no país pode contribuir para uma crise energética na Europa? Eis tudo o que se sabe.

O urânio é uma importante fonte indireta da energia consumida na Europa, que teve o seu papel reforçado desde que a importação de petróleo russo foi diminuída, como consequência da agressão do Kremlin à Ucrânia.

Na UE, a quase totalidade (99,85%) deste metal radioativo utilizado para gerar energia nuclear é proveniente do exterior deste espaço geográfico.

O Níger, como grande produtor mundial de urânio (7.º), é também um dos grandes fornecedores da UE. Em 26 de julho, um golpe de Estado depôs o presidente eleito (Mohamed Bazoum) e suspendeu a constituição deste país da África Ocidental. O poder foi tomado por uma junta militar – autodenominada Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria – , cujo “presidente” é o general Abdourahamane Tchiani, o chefe da guarda presidencial do seu antecessor, Bazoum.

O não reconhecimento da legitimidade desta operação por parte da França (com quem o Níger tinha as relações económicas e militares mais estreitas), da UE e da comunidade internacional em geral levou o novo líder deste país da região do Sahel a tomar algumas medidas drásticas e ameaçar com outras: fim da cooperação militar com a ordem de retirada das tropas francesas do país (ao todo, cerca de 1.500 unidades); expulsão dos embaixadores de França, Estados Unidos, Alemanha e Nigéria; expulsão da coordenadora da ONU e a ameaça de suspender a exportação de urânio (com o anúncio de uma moratória cuja a aplicação ainda é de contornos imprecisos). 

Recorde-se que Níger e França mantinham relações políticas, económicas e militares cruciais, mesmo após o fim do vínculo colonial entre ambos (independência do primeiro em 1960). No urânio, por exemplo, se por um lado a própria extração das minas no Níger cabe aos franceses (a um consórcio que tem a empresa gaulesa Orano como detentora do capital maioritário, com 63,4%) e está contratualizada até 2040; por outro a França tem neste país africano uma das duas maiores fontes geográficas de matéria-prima para a sua energia nuclear (a outra é o Cazaquistão), energia essa que gera cerca de 70% da eletricidade utilizada em França.

Os países da UE estão energeticamente dependentes do urânio do Níger?

Em algumas declarações logo nos dias seguintes ao golpe de Estado – do governo francês a diferentes órgãos de comunicação social e da Euratom (agência nuclear da UE) à Reuters –, foi desmentida quer a existência de qualquer proibição aplicada no Níger à exportação de urânio, quer à dependência da produção de energia nuclear na Europa relativamente àquele país – neste particular, a Euratom foi mais cautelosa e escolheu esta formulação: “Se as importações do Níger forem reduzidas, não haverá riscos imediatos para a segurança da produção de energia nuclear a curto prazo”.

Segundo os dados oficiais da Euratom, em 2022, o Níger foi o 2.º país de onde a UE mais importou urânio (25,4% do total), apenas superado pelo Cazaquistão (26,8%). Cazaquistão, Níger e Canadá concentram praticamente ¾ (74,2%) do urânio importado pelos 27.

O peso deste e de outros países é crescente, pela diminuição do urânio comprado à Rússia (de 2021 para 2022, esse peso continuou a cair, no caso 16,1%). Mas, neste particular, quem está a substituir Moscovo é o Canadá (50,4% de crescimento) e o Cazaquistão (14,2%).

Quanto a França, e segundo dados da Euratom citados pelo Le Monde, o Níger representa o 3.º fornecedor (20,2%), suplantado apenas pelo Cazaquistão (33,2%).

A comparação, em 2022, entre o total de urânio importado pela UE (2.975 toneladas) e o somente dirigido a França (1.440 toneladas) permite também perceber que Paris é o grande pivot da entrada deste metal no espaço da UE (48,4%).

Assim, não se pode falar de uma dependência da UE do urânio nigerino, mas, se aquele país quebrar os contratos firmados e proibir a exportação para o espaço da UE (ou até mesmo apenas para França), tal constituirá a perda de uma significativa fatia de importação desta matéria-prima decisiva para a criação de energia nuclear, logo numa altura em que o velho continente tenta construir a sua autonomia energética da Rússia (do petróleo e do próprio urânio).

Já esta semana (dia 11), Abdourahmane Tchiani, presidente do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria, anunciou que o Níger passará a exportar petróleo bruto já em janeiro de 2024. Em novembro, começou a funcionar o oleoduto que liga o Níger ao Benim, o que passou a permitir transportar petróleo entre os dois países. A ativação desta infraestrutura, de cerca de 2 mil quilómetros, está a ser patrocinada pela empresa petrolífera chinesa PetroChina.

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UE

Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto “EUROPA”. O projeto foi cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa de subvenções do Parlamento Europeu no domínio da comunicação. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar.

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