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Semana laboral de quatro dias. Quais os benefícios e desvantagens deste modelo?

Este artigo tem mais de um ano
Em 2023 arrancam vários projetos-piloto de aplicação da semana de quatro dias de trabalho em empresas do setor privado e, em paralelo, também deverão ser lançadas experiências em alguns serviços da Administração Pública, segundo anunciou a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva. O Polígrafo analisa os "prós" e "contras".

O Governo já apresentou aos parceiros sociais o desenho do projeto-piloto que permitirá lançar a semana de quatro dias de trabalho em Portugal, com o objetivo de que as experiências possam ter início ainda em 2023. E a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, em entrevista ao jornal “Público” (edição de 17 de outubro), anunciou que “estamos a trabalhar com o Ministério do Trabalho para podermos desenvolver um projeto semelhante” na Administração Pública.

“A nossa ambição é, a par do que vai acontecer no sector privado, também fazer um trabalho na Administração Pública com algumas diferenças, porque temos muitos serviços que não são compatíveis com esse tipo de organização do tempo de trabalho”, afirmou Vieira da Silva.

Que benefícios e desvantagens poderá acarretar esta novo modelo de organização do trabalho?

Nas primeiras décadas do século passado discutia-se a passagem de seis para cinco dias de trabalho por semana como modelo. Reduzir ainda mais para quatro dias seria algo impensável, mas é um cenário que tem vindo a ganhar terreno nas primeiras décadas deste século. E a pandemia de Covid-19 acelerou o processo.

Por exemplo, num estudo de 2021 da Adecco, empresa suíça de gestão de recursos humanos que questionou 14.800 trabalhadores em 25 países sobre a visão de trabalho pós-pandemia, indica-se que 73% dos inquiridos consideram que “as empresas devem medir o desempenho com base nos resultados e não no número de horas de trabalho“.

Os benefícios são bem conhecidos e frequentemente utilizados como bandeira para defender a semana laboral de quatro dias. Maior produtividade e satisfação entre os trabalhadores, além de benefícios para a saúde mental. Mas e quanto às desvantagens?

Num estudo elaborado por David Eiser e Mark Mitchell, investigadores do Fraser of Allander Institute (uma unidade de pesquisa independente que integra o Departamento de Economia da Universidade de Strathclyde), com publicação em abril de 2021, analisam-se os dois lados da questão.

Atentemos, por exemplo, na vertente da produtividade. “Os defensores da semana de quatro dias argumentam que trabalhar menos horas ajudará a aumentar a produtividade e, portanto, o crescimento salarial. Esse aumento de produtividade inicialmente ‘pagará’ a semana de trabalho mais curta”, lê-se no estudo.

“Evidências entre países sugerem uma relação negativa entre horas trabalhadas e produtividade. Mas a correlação não prova causalidade, e a relação (…) pode refletir outros fatores, como diferenças na estrutura industrial“, advertem os investigadores.”Não há garantias de que trabalhar menos aumentará a produtividade”, concluem.

A mesma análise nota ainda que os estudos que foram sendo realizados em algumas empresas sobre a semana de quatro dias impunham um horário fixo durante este período, sendo que anteriormente permitiam um horário flexível.

“Reduzir as horas de trabalho sem aumentos proporcionais de produtividade – e sem perda de remuneração – provavelmente significará uma redução de lucros ou aumento do financiamento público“, sublinham.

O estudo acaba por demonstrar que os argumentos apresentados como vantagens dependem, essencialmente, do setor laboral em causa. Se nos focarmos, por exemplo, no setor da saúde, os investigadores salientam que “semanas de trabalho mais curtas também colocariam desafios em relação à oferta de mão-de-obra“.

Na conferência de 2022 do Fórum Económico Mundial em Davos, Suíça, esta questão foi debatida por vários especialistas, tendo a maior parte salientado os benefícios do modelo de quatro dias. Mas também houve quem apontasse para as desvantagens. Anne-Marie Slaughter, diretora executiva da organização New America, defendeu que do ponto de vista social é positivo para aqueles que produzem trabalho intelectual, mas isto não é transversal a outros setores.

“Para muitos outros trabalhadores, isso é um pesadelo. O que eles querem é previsibilidade, eles precisam de saber quando é que vão ter a creche disponível. Eles precisam de saber que terão horas suficientes para realmente fazê-lo”, declarou, apontando para um potencial aumento das desigualdades sociais.

No que respeita à vertente salarial, afirmou: “O que quer que façamos, também temos de reconhecer que precisamos de garantir que todos possam trabalhar horas suficientes para ter um salário digno“.

“Muitos benefícios ao nível de saúde mental”

Num estudo de 2019 da Henley Business School, assinado pelo diretor de investigação desta instituição, James Walker, e por uma especialista portuguesa, Rita Fontinha, destaca-se a importância de a opinião dos trabalhadores ser tida em conta e garantir que, num modelo de quatro dias de trabalho, os funcionários não estejam a trabalhar fora do horário laboral para garantir objetivos.

De acordo com esse estudo,  modelo tem benefícios como o aumento de produtividade e a poupança energética. Mais, os trabalhadores têm mais tempo para desenvolver outras capacidades, para estar com a família ou outras atividades. É também uma forma de reter talento para as empresas.

Por sua vez, Liliana Dias, especialista em psicologia social do trabalho e das organizações, indica ao Polígrafo que é notório que o modelo traz pontos positivos tanto para as empresas como para os funcionários. “As pessoas têm mais tempo livre para fazer outro tipo de atividades, isto também é recuperador. Em alguns estudos até se nota que as pessoas querem ter outro tipo de ocupação, que às vezes até pode ter algum rendimento, mas que acaba por ser recuperador porque não é o mesmo trabalho, e isso traz muitos benefícios ao nível de saúde mental“.

Ainda assim, é uma questão que depende de setor para setor e existe o risco de criar desigualdade entre trabalhadores. “O facto de estarem menos tempo no trabalho traz desafios. Em alguns casos não há esta questão de ganharem o mesmo e, por isso, a perda de rendimento vai afetar a saúde mental”, sublinha. “Acabamos por colocar aqui uma questão – como os estudos são recentes – que é se estas pessoas têm as mesmas oportunidades de se desenvolverem profissionalmente“.

Mencionando o estudo de Walker e Fontinha, a psicóloga destaca que um dos indicadores que fazem com que este modelo corra bem é que o trabalhador seja consultado quanto ao dia da semana em que não trabalhará, de forma a haver esta flexibilização.

A especialista realça ainda que é importante “não pensar que esta é uma receita mágica” para todos os problemas no mercado laboral. “Se não envolvermos nem consultarmos as pessoas, possivelmente há pessoas que não se vão ajustar à medida, tal como aconteceu com o trabalho remoto. As pessoas não são todas iguais”.

O Polígrafo falou também com Helena Marujo, professora auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e especialista em psicologia positiva, que apontou como pontos a favor o aumento da produtividade e a redução de custos para as empresas.

Entre os desafios, aponta para a possibilidade de que, em alguns setores, a redução de um dia liberal implique a contratação de mais funcionários e, por isso, mais custos para a empresa. Outro risco é que “aqueles que estão em trabalho de quatro dias, comparativamente com os que não estão, façam os outros ter de trabalhar mais“, o que poderá gerar um “fosso” e uma “pressão maior”.

Por outro lado, “há uma percepção de maior bem-estar, porque os trabalhadores consideram que uma empresa que permite uma mudança destas está, sobretudo, a mostrar que se preocupa com eles e, neste sentido, leva a um aumento da produtividade”, conclui.

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