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“Não Troquem os Nossos Bebés”: a página no Facebook que lança suspeitas sobre origens de figuras públicas (e não só) (COM VÍDEO)

Este artigo tem mais de um ano
Criada por um deputado municipal socialista, a iniciativa defende que há um esquema tenebroso em Portugal, organizado pelos serviços secretos, que se dedica a trocar bebés à nascença. Só isso explicará, defendem, as diferenças físicas entre alguns pais e filhos. Especialistas ouvidos pelo Polígrafo dizem que as insinuações são fraudulentas.

A suspeita mais recente envolve a família de Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da Republica. De acordo com a organização Não Troquem os nossos Bebés, liderada por Luís Pedro Gonçalves, deputado socialista na Assembleia Municipal do Seixal, Rita Ferro Rodrigues não será filha biológica de Eduardo Ferro Rodrigues e de Maria Filomena de Aguilar. “A diferença no tom de cor da pele entre eles [‘O tom de pele dos pais é semelhante entre si e evidentemente mais claro do que o de Rita Ferro Rodrigues, que é morena’] é suficientemente evidente para denunciar a troca”, lê-se na página de Facebook do grupo. Não é o único caso citado. Por serem loiros, os três descendentes dos Duques de Bragança – Afonso, Maria Francisca e Dinis – não serão filhos de facto de Isabel de Herédia e Duarte Pio, cujo cabelo é escuro.

Estes serão, segundo o movimento que já afixou cartazes em vários pontos do País, alguns exemplos de troca de bebés, que ocorreram “não por engano, mas a mando dos serviços de informação portugueses“ e que são denunciados pelas diferenças físicas entre progenitores e seus descendentes.

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A teoria estende-se a estrelas internacionais, como Leonardo DiCaprio. De acordo com o grupo Não Troquem os nossos Bebés, o ator terá parentes russos. Uma imagem de um homem de olhos claros serve de prova: “Na foto, parece-lhe reconhecer os traços do americano, mas com uns quilinhos a mais? Na realidade é o russo Roman Burtsev. Sim, Estados Unidos e Rússia trocam bebés”. Os comentários ao post seguem a mesma linha de raciocínio. Noutra publicação, sobre uma notícia do jornal britânico The Sun que conta a história de um casal de negros que teve uma bebé loira, questiona-se a justificação dada pelos médicos que dizem que a criança é albina. “A bebé não é albina. Tal é visível, desde logo, pelo cabelo.” O mesmo critério é aplicado à filha loira do jogador brasileiro do Paris Saint-German, Neymar.

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Estes e outros argumentos baseiam-se sempre nas mesmas premissas: “Pais com pele mais clara têm filhos com pele mais clara”, “Pais de cabelo loiro têm filhos de cabelo loiro”, “Dois irmãos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, terão tom de pele semelhante entre si” ou “o ADN é extremamente preciso” são algumas das afirmações feitas pela Não Troquem os Nossos Bebés. Mas terão estas afirmações algum fundamento científico? Como explica José Rueff, diretor do Centro de Investigação em Genética Molecular Humana, da Universidade Nova de Lisboa, “aquilo que dita as características físicas de uma pessoa, caso da cor da pele, do cabelo e dos olhos, do formato do rosto e até o peso, é resultado da interação de vários genes e não pode ser visto numa aritmética simples”. Os nossos genes são uma combinação dos genes do pai e da mãe que, por sua vez, são uma combinação dos genes dos nossos avós – daí que possamos ser parecidos com outros familiares que não o pai ou a mãe. Mais: cada pessoa é o resultado de uma combinação genética única, exceto os gémeos monozigóticos que “ainda assim podem ter mecanismo de expressão da regulação dos genes diferentes”.

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A tez de cada pessoa, por exemplo, advém não só da exposição solar, mas também dos genes transmitidos pelos pais – que podem não ser os mesmos de filho para filho, nem se exprimir ou manifestar da mesma forma. Por esta razão, o tom da pele pode ser variável entre irmãos. A lógica é semelhante na cor dos olhos. Um pai e uma mãe de olhos castanhos podem ter um bebé se olhos azuis? Sim, esclarece Isabel Marques Carreira, diretora do Laboratório de Citogenética e Genómica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. “Sabemos que o castanho é dominante, mas se os pais tiveram um gene azul – podem tê-lo herdado, sem que este se tivesse manifestado. E se ambos o transmitirem ao filho, então ele terá olhos azuis”, explica a cientista. “Agora se o pai transmitir o gene castanho e a mãe o azul, o bebé terá olhos castanhos.”

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Ainda que cada pessoa seja única pela combinação de genes de que resulta, em sociedades mais endogâmicas a variabilidade de características entre indivíduos é menor. “Os membros da realeza, por exemplo, casavam-se muito entre si e por isso há uma maior similitude nos genes que herdaram. Daí que sejam tão parecidos uns com os outros”, refere José Rueff. Quando há maior miscigenação, a variabilidade de traços físicos é maior. “É isto que acontece cada vez mais nas nossas sociedades. Casamo-nos com pessoas de outras regiões e etnias o que resulta numa maior variabilidade genética.”

O Polígrafo tentou contactar o movimento Não Troquem os nossos Bebés, mas não obteve qualquer resposta.

 

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