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Jovem que confrontou MAI com o “pai GNR que dorme na rua” também participou em manifestação pelos professores. Coletivo a que pertence recusa clarificar quem é o seu pai

Este artigo tem mais de um ano
Tomás é "filho da escola pública", mas também de um pai GNR que dorme "num colchão" frente ao seu posto. O jovem, cuja idade é desconhecida, é presença regular em manifestações de professores. O coletivo "Amamos a Escola", de que faz parte, recusou ao Polígrafo identificar o militar que alegadamente será seu pai - e também não mostrou interesse em justificar a presença do jovem em vários encontros na cidade do Porto. "Amamos a escola livre e democrática" foi a resposta possível às 13 questões enviadas pelo Polígrafo. A GNR não tem, para já, conhecimento da situação.

O meu pai está a dormir num colchão à chuva“. A história comovente de um jovem que confrontou, no passado sábado, dia 20, o ministro da Administração Interna, na apresentação do livro “Ganhar o Futuro”, no Porto, foi partilhada milhares de vezes nas redes sociais. Até André Ventura o apelidou de “herói”, numa publicação que divulgou no Instagram um dia depois do incidente.

O vídeo amador tem mais de dois minutos e mostra Tomás, um jovem de idade desconhecida, a tentar chegar à fala com José Luís Carneiro enquanto o ministro da Administração Interna assina alguns livros. “Eu tenho um pai que é membro da OPC e que não recebe o salário que era digno. Trabalha agora num posto e está a dormir lá à frente com um colchão, na chuva. O sr. ministro nem sequer fala sobre o assunto. Prefere falar sobre futuro, mas fale também sobre o presente. Fale também sobre o presente porque devia envergonhá-lo”, acusou Tomás.

A ideia que ficou foi a de que José Luís Carneiro nunca levantou a cara para responder às acusações, mas o vídeo completo mostra que há uma conversa entre os dois: o ministro pergunta-lhe o nome – “Tomás, sr. ministro, Tomás Rodrigues” – e garante-lhe que pode manifestar-se. E que falará com ele no final do encontro, antes de seguir para Cabeceiras de Basto.

Tomás acalma-se: “Com certeza, sr. ministro, com certeza. Isto é revoltante. Eu não tenho nada contra si, mas enoja-me o sr. nunca se ter referido às forças de segurança no seu discurso.”

Ao peito, o jovem trazia um alfinete – visível, por exemplo, na transmissão da CMTV – onde se lê “Amamos a Escola“. Trata-se de um  coletivo recente de docentes, que habitualmente se juntam a manifestações, envergando t-shirts estampadas com o símbolo do movimento ou alfinetes como aquele que Tomás trazia ao peito. Está diretamente ligado a Pedro Brito: o professor/ilustrador que ficou conhecido por ter desenhado um nariz de porco na cara de António Costa escreve inclusivamente para o site do movimento.

É nesse portal que Tomás, o “filho de um pai GNR”, é identificado como “filho da escola pública“. Numa manifestação junto à Câmara Municipal do Porto, a 4 de novembro do ano passado, o jovem, de casaco e sapatilhas brancas, empunhava um megafone. O que disse não ficou registado em áudio, mas o resumo do encontro dá-nos pistas.

“O Tomás, filho mais novo da Escola Pública, esperançou, num discurso articulado e esclarecido, usou a sua voz para clamar que o João [Costa] é um aldrabão, que há muito está apenas focado na demissão”, lê-se num artigo assinado pelo “coletivo” a 7 de novembro. As fotografias não deixam margem para dúvidas: é o mesmo “Tomás” que, em ocasiões distintas, se manifesta por causas também elas distintas.

No dia em que se aproximou de José Luís Carneiro, o jovem estivera numa manifestação independente pelos professores, nos Aliados. Foi deles que se fez acompanhar na entrada para o local onde a obra estava a ser apresentada. No final do encontro, o grupo reuniu com José Luís Carneiro. Tomás já não estava lá. Nenhuma das 13 questões remetidas pelo Polígrafo ao coletivo “Amamos a Escola” obteve resposta concreta.

À pergunta “o Tomás tem uma mãe professora e um pai polícia? Consegue comprová-lo?“, o coletivo respondeu: “Estimada senhora jornalista. obrigado pelo seu contato. Permita-me uma breve introdução. Talvez a senhora não saiba, o polígrafo para quem trabalha é a mesma organização que chamou, sem contraditório, num verdadeiro e infame “atropelo” deontológico, de racistas a professores no dia 10 de junho na Régua; a mesma organização que não foi capaz de contactar os professores envolvidos para relatar o ocorrido porque apressadamente foram obrigados a cumprir a voz do dono que tropeçou no parágrafo. A mesma organização que obedece ao guru, agora, tacitamente reformado, que aconselha e refina os gestos, palavras e atitudes de uma certa burguesia instalada que tanto e muito tem destruído a democracia em Portugal. A mesma organização que não mediu o impacto dos seus gestos, quando chamou racista ao professor que criou o cartaz, com as nefastas e sérias consequências que essa mentira provocou nas escolas deste seu/nosso país. Quanto ao que me pede, pergunte aos seus patrões… estou certo que a narrativa que querem montar já está decidida. Cumprimentos.”

Às perguntas “o Tomás é maior ou menor de idade? É representado por alguém durante as manifestações? Vai sozinho? A sua interpelação ao ministro foi combinada previamente com o movimento? Onde dorme o pai do Tomás? Em que posto?“, o coletivo respondeu: “Amamos a escola! Livre e democrática. O amamosaescola está disponível para um esclarecimento na televisão e em horário nobre.”

Às perguntas “quem é o pai do Tomás? Onde dorme? Porque é que o Tomás estava presente na manifestação? Representado por quem?“, o coletivo respondeu: “O amamosaescola está disponível para um esclarecimento na televisão e em horário nobre.”

O Polígrafo questionou a GNR sobre o pai de Tomás, um guarda que dorme alegadamente frente ao posto em que trabalha, deitado apenas num colchão. A GNR garante não ter, até agora, conhecimento da situação.

Nota editorial: o Polígrafo não conseguiu apurar a idade do jovem que interpelou José Luís Carneiro. Dada a nossa política de proteção de menores (que pode consultar aqui), optámos por, na dúvida, não publicar imagens que o identifiquem.

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