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GNR podia ou não ter agido? O que se sabe sobre o caso da família que terá ocupado uma casa à venda na Charneca da Caparica

Uma família foi vista a arrombar, invadir e a ocupar uma casa na Caparica no início deste mês. A GNR foi chamada, mas disse que tinha de ser apresentada queixa formal. Será que as autoridades poderiam agir ainda assim? O Polígrafo entrou em contacto com uma sociedade de advogados para compreender o enquadramento legal deste tipo de situações.
© Shutterstock

“Assaltam uma casa. Arrombam uma porta. Entram e dizem que vão ficar. E o sistema responde: ‘Levem para tribunal, logo se vê‘”. Esta é a acusação de Tomás Lopes, um consultor imobiliário que viu uma propriedade que estava responsável por vender a ser invadida e ocupada por uma família na Caparica. 

O consultor imobiliário recorreu às redes sociais para denunciar a situação vivida no início do mês de fevereiro: “Hoje [dia 1 de fevereiro] aconteceu-me algo muito grave. Não consigo compreender como é que isto acontece em Portugal. Não sei o que se passa no nosso país, mas o que é certo é que as coisas vão de mal a pior“, começou por dizer, numa publicação partilhada no Instagram, que já acumula mais de um milhão de visualizações. 

Tomás Lopes contou que foi alertado por uma vizinha que viu “uma família a arrombar a casa para ficar a viver lá”. Quando as autoridades – GNR da Charneca da Caparica – chegaram ao local (cerca de uma hora depois), aperceberam-se  deque havia de facto um casal com dois filhos na habitação. ”Expliquei que não podiam e inclusive tentei entrar para fechar a casa. A GNR afirmou que não os podia expulsar nem fazer nada a não ser ‘fazer queixa’”, referiu.  

Contactado pelo Polígrafo, o consultor imobiliário salientou que o caso não se trata de uma ocupação prolongada, uma vez que a família em questão tinha chegado pouco tempo antes à casa. “Eles disseram: ‘Façam queixa à vontade, mas nós vamos ficar aqui porque não temos para onde ir'”, destacou.

“A Guarda Nacional Republicana (GNR), através do Comando Territorial de Setúbal, tem registo de uma ocorrência no dia 1 de fevereiro de 2025, na Caparica, que se enquadra nos factos relatados. Adicionalmente, importa referir que os militares da Guarda deslocaram-se ao local, onde, no âmbito das suas competências, realizaram as adequadas diligências policiais, tendo os factos sido comunicados ao Tribunal Judicial de Almada”, lê-se numa nota da GNR enviada ao Polígrafo.

A autoridade explica ainda que, “ponderada a adequabilidade das diligências a realizar, e de acordo com o princípio da legalidade, poderá não ser ajustada a imediata detenção ou mesmo retirada de cidadãos que ocupem ilegitimamente imóveis”.

“Importa referir que a Guarda pode promover a retirada das pessoas, em colaboração com o Ministério Público e em cumprimento de decisão judicial, e salvaguardando os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, apontou a GNR.

Sendo assim… podia a GNR deter ou retirar dali os ocupantes?

O Polígrafo entrou em contacto com a Paulo M. Costa & Associados para compreender o enquadramento legal deste tipo de situações. Apesar da curta janela temporal entre o momento em que a família invade a casa e a chegada das autoridades, a sociedade de advogados defende que seria difícil a polícia agir sem apanhar os criminosos em flagrante delito ou ser apresentada uma queixa.

De acordo com a mesma fonte, o crime parece enquadrar-se no artigo 215.º do Código Penal, que prevê a ‘Usurpação de coisa imóvel’. Nesse artigo pode ler-se que “quem, por meio de violência ou ameaça grave, invadir ou ocupar coisa imóvel alheia, com intenção de exercer direito de propriedade, posse, uso ou servidão não tutelados por lei, sentença ou acto administrativo, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber em atenção ao meio utilizado”. Mas também está escrito que “o procedimento criminal depende de queixa”.

A violência descrita neste artigo tanto se pode aplicar a pessoas como a coisas, sendo neste caso o imóvel. “Se existem testemunhas que possam comprovar que o portão da casa foi arrombado de forma a que estas pessoas se passassem a comportar como a propriedade fosse sua, pode perceber-se que elas incorreram no crime tipificado no artigo 215.º”,  explicou a sociedade de advogados.

Há ainda outro crime, descrito no artigo 190.º do Código Penal a respeito daViolação de domicílio ou perturbação da vida privada, que se pode enquadrar na situação referida. “Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias”, lê-se.

No entanto, a palavra “habitação” é aqui utilizada para descrever o lugar em que a pessoa de facto vive e, no caso em concreto, os proprietários não moravam na casa.

No que toca à lei civil, existem as providências cautelares, que são processos mais céleres que resultam em decisões provisórias. Segundo o Diário da República, o procedimento cautelar consiste num processo judicial nos termos do qual “alguém, mostrando fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, requer providência conservatória ou antecipatória adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. Os procedimentos cautelares revestem sempre caráter urgente, precedendo os respetivos atos qualquer outro serviço judicial não urgente”.

A providência cautelar de restituição provisória a posse seria a mais adequada ao caso descrito por Tomás Lopes, uma vez que esta diz caso exista “esbulho violento, pode o possuidor pedir ao tribunal que seja reconstituído provisoriamente à sua posse, devendo para o efeito alegar os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”.

“Se realmente houve arrombamento, o critério do esbulho violento encontra-se preenchido e em caso de decisão favorável, o imóvel seria restituído para o dono e legitimo proprietário.”, explicou a Paulo M. Costa & Associados.

Os vídeos publicados pelo consultor imobiliário sobre o caso nas redes sociais tornaram-se virais e rapidamente foram partilhados nas demais plataformas digitais. Entre as diligências policiais a efetuar após a apresentação da queixa estão a recolha de informações, recolha de provas, apreensões, identificação e/ou detenção dos suspeitos envolvidos.

Questionado pelo Polígrafo sobre os avanços no caso, o consultor imobiliário referiu que os clientes pediram uma providência cautelar e apresentaram queixa-crime, aguardando agora por respostas do tribunal em março. Tomás Lopes contou ainda que os ocupantes estão a pedir dinheiro (dois mil euros) para sair da casa.

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