Rio de Janeiro, 25 de junho
“Estamos contentes, enquanto sociedade de boa fé que respeita a democracia, com as redes sociais? Queremos que as redes sociais continuem a ser instrumentalizadas para finalidades ilícitas e que para isso se utilize discurso de ódio, misógino e racista?”. Alexandre de Moraes deu a resposta à sua própria pergunta: a regulamentação das “big techs” é inegociável para o ministro do STF, que participou esta manhã, por videoconferência, na 12.ª edição do “Global Fact”, a acontecer na Fundação Getúlio Vargas, no Rio Janeiro.
Segundo o jurista e ex-presidente do STF, que há poucos dias votou no Plenário da corte a favor da responsabilização das big techs pelas publicações dos seus utilizadores, a sociedade está a delegar às redes sociais “o poder sobre a vida e a morte”. Moraes recorreu a exemplos de crianças e adolescentes que acabaram por sofrer consequências diretas (como a morte, em alguns casos) devido à falta de regulamentação destes espaços virtuais.
“Hoje o que mais encontramos nas redes sociais são questões de ódio, porque há estudos que demonstram que notícias – não só fake news, mas noticias fraudulentas e discurso de ódio – circulam 7 vezes mais rápido do que notícias verdadeiras. O que choca é o que dá like. o que dá like dá dinheiro e o que dá dinheiro dá poder económico. Permitimos que o mundo virtual se transformasse numa terra sem lei. Tudo é tratado como liberdade de expressão. A liberdade de expressão não é liberdade de agressão, inclusive à democracia”, considerou o ministro brasileiro.
Moraes lembrou ainda que as redes sociais “nasceram como um instrumento de democracia (primaveras árabes)” mas “foram capturadas por grandes grupos económicos”. Crítico da autoregulação, o ministro garantiu que “não há nenhum problema na existência das big techs”, mas destacou que “as democracias e as sociedades já perceberam que as redes sociais não são neutras”.
“Temos que partir deste pressusposto. As redes sociais têm lado, ideologia, defendem religiões, têm lado político e interesse económico. O modelo de negócio das big techs é preverso, porque se dá através do discurso de ódio e do ataque. Pouco importa se o facto é verdadeiro ou falso, desde que choque, monetize e faça ganhar mais dinheiro. As redes sociais permitiram que as notícias chegassem diretamente à sociedade, ou seja, a intermediação feita pelos media tradicionais deixou de existir. Os algoritmos não são transparentes e captam a liberdade do eleitor de escolher”, acrescentou.
Quanto à transparência dos algortimos destas plataformas, Moraes esclareceu que não defende que estas “tenham que expor o segredo industrial” desse mesmo algoritmo, mas antes “expor com transparência como são utilizados”.
Vida Real vs. Mundo Virtual
“O que não pode na vida real, não se pode na vida virtual”, afirmou ainda o jurista, que recordou a regulamentação de órgãos como a rádio e a televisão assim que estes surgiram. “Se não podemos atacar os pilares da democracia na vida real, não se deve poder, de forma cobarde e atrás de ecrâs, no mundo virtual. Não há na história da humanidade uma atividade económica que tenha gerado impacto em milhões de pessoas que não tenha sido regulamentada, inclusive os meios de comunicação, como a rádio ou a televisão. A televisão não é uma terra sem lei e isso não fere a liberdade de expressão”.
Já no fim da intervenção, Moraes classificou o ataque de 8 de janeiro de 2023 – quando milhares de pessoas invadiram a Praça dos Três Poderes – como “patrocinado pelas Big Techs” e assumiu que estas empresas já condicionaram – e continuam a condicionar – parlamentares brasileiros. “A autoregulação das redes sociais comprovou-se falida. Tem que se aplicar o que se aplica no mundo real: liberdade de expressão, mas com responsabilidade“, concluiu.