Desemprego, remuneração, cargos de administração, representação política, risco de pobreza e violência doméstica. Há uma linha transversal a todos estes temas, cujo trajeto deixa prever um progresso na diminuição das desigualdades entre homens e mulheres. Que futuro para a luta feminista? Se caminharmos a este ritmo, a quantas gerações estamos de atingir a igualdade?
Desde 2006 que o “Global Gender Gap Report“ analisa a diminuição do fosso entre homens e mulheres. A cada ano, a taxa de mudança pode estimar o tempo necessário para erradicar essas desigualdades, quer no emprego, na educação, na saúde ou na política. Tendo em conta todos os relatórios desde 2006 até 2018, as desigualdades foram reduzidas em 3,6%. Entre 2017 e 2018, a redução foi de apenas 0,03%.

Se este cenário se perpetuar, com as mesmas tendências, o relatório prevê que o fosso seja eliminado apenas daqui a 108 anos. Este foi um aumento de oito anos em relação às previsões de 2017, devido ao progresso extremamente lento registado nesse mesmo ano. Agora, face à pandemia, os números podem regredir e as mulheres podem estar cada vez mais longe de igualar os homens.
Desemprego
Em 2020, a população ativa em Portugal era composta por um número quase similar de homens e mulheres: 2,6 e 2,5 milhões, respetivamente. Nas taxas de desemprego, o cenário altera-se pouco. São 6,5% de homens face a 7,1% de mulheres. Há 8 anos, 2013, a diferença entre os dois era menor, mas atingiam-se valores recorde: eram 16% e 16,4% de homens e mulheres desempregados, respetivamente. Nos anos que se seguiram, os homens conseguiram recuperar mais facilmente os cargos, atingindo em 2019 a taxa de desemprego mais baixa desde 2004 – 5,8%. Nesse ano, a percentagem que os separava das mulheres, com os mesmos 7,1% registados em 2020, foi a mais alta desde 2010.

Segundo dados da Pordata, em 2020 registavam-se 180 mil mulheres desempregadas, cerca de 50 mil com ensino superior (28%). Os números obtidos através do cruzamento entre a população feminina desempregada e o nível de escolaridade são, assim, um dos fatores que mais denunciam a escassez das mulheres nos altos cargos – aqueles que exigem mais habilitações. No caso dos homens, dos 170 mil desempregados, 39 mil têm nível de ensino superior, ou seja, cerca de 23%.
Em Portugal, esta tendência contraria outras, como por exemplo o número de homens e mulheres com ensino superior: eram, em 2020, 729 mil homens para 1,156 milhões de mulheres. Mostram os números que as mulheres lideram a tabela nos dois últimos graus de escolaridade, mas também no primeiro, correspondente à ausência de escolaridade – representativo de anos anteriores e do envelhecimento da população sem acesso à educação.
Remuneração
São mais instruídas, trabalham durante mais horas, mas continuam a receber menos do que eles. A diferença salarial entre homens e mulheres diminuiu 0,4% em 2018, último ano com dados disponíveis. Ou seja, são menos 80 cêntimos mensais do que em 2017.
O barómetro sobre igualdade remuneratória, do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), dá conta que o fosso salarial entre homens e mulheres no mercado de trabalho nacional era, em 2018, de 14,4%, com as mulheres a ganharem menos 148,9 euros do que os homens.

Nesse ano, a remuneração base média mensal registada foi de 1039,1 euros para os homens e 888,6 euros para as mulheres. Os dados do barómetro mostram que a remuneração média mensal base aumentou cerca de meio ponto percentual a mais para as mulheres, em 2018, em relação aos homens. No que respeita à remuneração média mensal global, em 2018 houve uma subida de 2,9% face ao ano anterior, atingindo nesse ano os 970 euros. Ainda que represente melhorias salariais, este aumento continua a deixar os salários das mulheres abaixo da média nacional.
Nos últimos oito anos, a desigualdade reduziu apenas 3,6%. Os maiores avanços para a diminuição do fosso salarial começaram a acontecer a partir de 2017, ano em que se registou uma descida de 1% nas desigualdades entre homens e mulheres.
As disparidades salariais entre mulheres e homens correspondem à diferença entre a remuneração média bruta por hora dos homens e a das mulheres nos vários setores da economia. Segundo dados da Comissão Europeia (CE), a disparidade salarial média entre os sexos situava-se em 17,8% em Portugal em 2017, face aos 16,3% de média da União Europeia. Por seu turno, a disparidade salarial global entre homens e mulheres corresponde à diferença entre o rendimento médio anual dos mesmos. Esta variável é espelho de três tipos de desvantagens com que as mulheres são confrontadas: remuneração inferior à hora; menos horas de trabalho em atividades remuneradas; e taxas de emprego inferiores (por exemplo, quando interrompem a carreira para se dedicarem aos filhos ou a familiares). Esta disparidade salarial global entre homens e mulheres em Portugal, em 2017, era de 26,1%, abaixo da média europeia de 39,6%.
Cargos de administração
Como vimos, as mulheres representam hoje mais de metade dos licenciados em Portugal, mas as evoluções relacionadas com a presença de mulheres no mercado de trabalho estão longe de representar o cenário geral. De acordo com um estudo sobre “Gestão e liderança feminina em Portugal”, desenvolvido pela Informa D&B, as empresas cotadas, grandes empresas do Estado e grandes empresas privadas foram aquelas onde se verificaram as evoluções mais significativas, em especial em 2019, no que respeita à participação feminina em cargos de gestão. Para esta evolução contribuiu a Lei n.º 62/2017 que regula a representação equilibrada entre géneros nos órgãos de administração e fiscalização das empresas do Setor Empresarial do Estado e das empresas cotadas em bolsa, tendo promovido uma rápida subida da presença feminina nos seus conselhos de administração, desde 2013.
“No restante tecido empresarial, a participação feminina nos cargos de liderança e gestão tem crescido de forma mais lenta, mas consistente, atingindo 1/3 dos cargos de poderes de decisão (sócios, acionistas, cargos de gestão e cargos de direção) das empresas”, explica o documento. Destaque também para as mulheres no seio de novas empresas, presentes em maior número na gestão de pequenos negócios. O estudo alerta, no entanto, para “o facto de a participação feminina diminuir à medida que sobe o grau de responsabilidade dos cargos, bem como a baixa representação das mulheres nas áreas e funções de base tecnológica”.
Os mesmos dados da CE demonstram que no seio das disparidades salariais entre homens e mulheres, sobre as quais falamos no ponto anterior, estão fatores como o facto de os cargos de gestão e supervisão serem maioritariamente ocupados por homens.

Em cada um dos setores da economia, os homens são promovidos mais frequentemente do que as mulheres e, por conseguinte, mais bem remunerados. Esta tendência culmina nos postos mais cimeiros, em que a proporção de diretoras executivas é inferior a 6 %. As mulheres tomam a seu cargo importantes tarefas não remuneradas, como o trabalho doméstico e o cuidado de crianças ou de familiares, em muito maior medida do que os companheiros homens. Os homens que trabalham empregam em média 9 horas por semana na prestação de cuidados não remunerados e na realização de tarefas domésticas, enquanto as mulheres no ativo e empregadas dedicam 22 horas, ou seja, praticamente 4 horas diárias.
No mercado de trabalho vemos essa estatística refletida no facto de mais de uma em três mulheres reduzirem o seu número de horas pagas a um regime de tempo parcial, embora apenas um em cada 10 homens faça o mesmo.
“As mulheres tendem a afastar-se periodicamente do mercado de trabalho com maior frequência do que os homens. Estas interrupções de carreira afetam não só a remuneração à hora, mas também os futuros rendimentos e reformas. Em alguns países, as profissões predominantemente exercidas por mulheres, como o ensino ou as vendas, proporcionam salários inferiores aos conferidos por profissões predominantemente exercidas por homens, ainda que requeiram o mesmo nível de experiência e de formação”, conclui o documento.
Representação política
Portugal está acima da média da União Europeia na percentagem de mulheres que ocupam cargos nos governos nacionais e que têm assento nos respetivos parlamentos, 39% e 40%, respetivamente. Os dados, relativos a 2020, foram publicados pelo Eurostat (Serviço de Estatística da UE), no assinalar do Dia Internacional da Mulher, e indicam que um em cada três membros dos Parlamentos e Governos da União Europeia são mulheres. Não há, no entanto, nenhum país que atinja a paridade.
“O número de mulheres Presidentes e primeiras-ministras também tem aumentado na UE desde 2004”, explica o estudo. Atualmente, quatro dos 27 chefes de Governo do espaço comunitário são mulheres (Alemanha, Dinamarca, Estónia e Finlândia). “Em 2004, não existia nenhuma. E durante este período nunca houve mais de quatro mulheres Presidentes ou primeiras-ministras ao mesmo tempo”, acrescenta o relatório do gabinete de estatísticas europeu.

Com 40% de mulheres, Portugal empata com Áustria e Dinamarca na quinta posição. A percentagem mais elevada encontra-se na Suécia (cerca de 50%), seguindo-se a Finlândia (46%), a Bélgica (43%) e a Espanha (42%). Do lado oposto estão a Hungria e Malta, com apenas 13% de representação feminina no Parlamento.
“Apesar de a percentagem de lugares detidos por mulheres nos Parlamentos nacionais variar consideravelmente entre países da UE, nenhum tem mais mulheres do que homens no Parlamento”, sublinha o Eurostat. Atentando nos membros dos governos, também tem havido uma evolução positiva nos últimos anos no que diz respeito à percentagem de mulheres em cargos de ministras e secretárias de Estado: passou para 33% em 2020, mais 13 pontos percentuais que os 20% registados em 2004.
Em Portugal, em 1975, realizavam-se as primeiras eleições livres depois do 25 de abril. Na altura, eram eleitos 250 deputados, dos quais apenas 19 eram mulheres. Em 2020, o número de deputadas aumentou substancialmente (91) e atingiu valores recorde. Nunca foram tantas, apesar de a maioria parlamentar continuar a ser detida pelos colegas do sexo masculino.
Risco de pobreza
Uma idade mais avançada pode ser crucial para o aumento da disparidade entre os homens e as mulheres no que respeita à pobreza. Dados divulgados pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) mostram que, a partir dos 75 anos, 22% das mulheres vivem em risco de pobreza ou exclusão social, em comparação com apenas 15% dos homens.
É ponto assente que, ao longo de toda a vida, as disparidades entre os homens e as mulheres prejudicam de forma sistemática a independência económica da mulher e levam a que, numa fase mais tardia da vida, caiam muito mais facilmente na pobreza do que os homens.

Para além disso, as mulheres enfrentam vários desafios no mercado de trabalho. Por exemplo, a probabilidade de trabalharem a tempo parcial é bastante maior do que a dos homens (32% face a 8%, respetivamente). As mulheres estão também sobre representadas, como já vimos, em setores que, regra geral, proporcionam uma remuneração inferior e nos quais a progressão salarial é mais lenta ou as oportunidades em matéria de carreira profissional são limitadas.
“Além disso, as mulheres abandonam o mercado de trabalho com uma idade inferior aos homens, em especial nos anos que antecedem a idade da reforma (a taxa de inatividade na faixa etária 55-64 anos é de 52% entre as mulheres e de 36% entre os homens). Atividades como cuidar dos filhos ou de outras pessoas, bem como outras responsabilidades familiares, que são frequentemente subvalorizadas e distribuídas de forma desigual e relativamente às quais é frequente não ser atribuída qualquer compensação, afetam de forma significativa a posição das mulheres no mercado de trabalho”, explica o documento.
Violência doméstica
Em 2020, em Portugal, foram assassinadas 30 mulheres, 16 delas em contexto de relações de intimidade: as contas foram feitas pelo Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), a partir das notícias reportadas pelos media entre os dias 1 de janeiro e 15 de novembro.

O relatório do OMA mostra que, em Portugal, mensalmente, cerca de 5 mulheres são vítimas de formas de violência extremas e, em mais da metade dos casos, há um desfecho fatal. De ressalvar o aumento da taxa de incidência do femicídio consumado em Portugal, quando comparado com o período homólogo dos últimos quatro anos. Entre 2004 e 2019, o OMA registou um total de 534 vítimas de femicídio nas relações de intimidade e relações familiares e 614 vítimas de tentativa de femicídio em ambas.
“Cruzando a incidência do femicídio com a presença de violência doméstica nas relações de intimidade, presentes ou passadas, e relações familiares, verificamos que a maioria (71%, n=22) das mulheres assassinadas até à presente data foi vítima de violência nessa relação. Neste sentido, em 71% das situações é muito provável que alguém próximo tivesse conhecimento de tal violência. Em 1 das situações (3%) foi mencionado não se conhecer história de violência doméstica na relação de intimidade. Do conteúdo das notícias analisadas em 2019, não foi possível obter informação relativo a este item em 26%, a que correspondem 8 das situações reportadas”, conclui o relatório.
Durante a pandemia, os números de denúncias por violência doméstica baixaram junto da PSP, mas a quebra deste tipo de crime foi pouco significativa nos registos da GNR. Segundo informou o jornal “Diário de Notícias”, os registos da GNR e da PSP indicam 27.660 crimes de violência doméstica no ano passado. “Representa uma diminuição de 6,3 % em relação a 2019 (29 498). Diminuição que é mais visível junto da PSP, com menos 9,6% denúncias (14.445). Já nas estatísticas da GNR, há uma quebra de 2,2% de casos (de 13 503 para 13 215). Mas só quatro meses de 2020 tiveram menos queixas que nos meses homólogos de 2019 e 2018”.