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De Pedrógão a Leiria. O que ficou por fazer na Floresta desde os incêndios de 2017?

Este artigo tem mais de um ano
Nos últimos dias várias regiões em Portugal foram devastadas pelo fogo e cobertas por nuvens de fumo, num cenário que já é equiparado aos incêndios de 2017. São as temperaturas elevadas? A "mão humana", como deu a entender António Costa? Um conjunto de fatores que o Governo ainda não soube compreender? O Polígrafo reuniu um conjunto de medidas, garantias e promessas do primeiro-ministro relativamente à floresta, mas a principal conclusão é a de que tudo se arrastou no tempo. Até o que parecia mais simples.

Portugal está a arder, mas o que podemos realmente fazer se as vagas de incêndios a que assistimos anualmente forem inevitáveis? É nisso que acredita Paulo Fernandes, membro da Comissão Técnica Independente criada em 2017 no panorama pós-incêndios em Pedrógão, que confessa ao Polígrafo que “as vagas de incêndios não são realmente evitáveis, especialmente num quadro de alterações climáticas”, sendo que, de um ponto de vista mais realista, “apenas podemos mitigar a sua magnitude e impactos“.

Quanto a isso, o que foi feito pelo Governo desde 2017? António Costa nunca deixou de prometer enquanto Portugal ardia, mas são poucas as garantias que estão atualmente, cinco anos depois, concluídas. O Polígrafo reuniu-as, analisou-as e classificou-as mediante a sua evolução.

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A promessa: Sistema simplificado de cadastro fundiário a Norte do Tejo

Na conferência de imprensa do Conselho de Ministros de 22 junho de 2017, quando o fogo que deflagrou em Pedrógão Grande a 17 de junho ainda estava ativo, o primeiro-ministro garantiu que, para “responder de um modo eficaz ao despovoamento e à fragmentação da propriedade”, estavam “pendentes na Assembleia da República duas propostas de lei“, entre as quais aquela que viria a criar “um sistema de informação cadastral de forma a que, definitivamente, se resolva um problema secular de, na generalidade do território a norte do Tejo, o cadastro fundiário estar por fazer”.

O processo:

Cinco meses depois desta primeira declaração, já depois dos incêndios de outubro do mesmo ano, uma nota à comunicação social dava conta de que tinha entrado em vigor, a 1 de novembro, o novo Sistema de Informação Cadastral Simplificado. De acordo com o Governo, este veio “criar condições para simplificar e agilizar a identificação da titularidade da propriedade dos prédios rústicos e mistos e da localização georreferenciada desses prédios”, um problema que Costa já tinha referido antes.

Foram 10 os concelhos-piloto onde se iniciou este o projeto: Alfândega da Fé, Caminha, Figueiró dos Vinhos, Góis, Castanheira de Pera, Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Penela, Proença-a-Nova e Sertã. Nesses locais, começaram a funcionar alguns postos de atendimento nas conservatórias, tudo através de um “procedimento de representação gráfica georreferenciada, que visa definir a localização exata dos prédios rústicos e mistos e os seus limites, assim como criar o procedimento especial de registo de prédio omisso, de forma a identificar a titularidade das propriedades que ainda não constam da base de dados do registo predial”.

Além disso, o Governo criou o Balcão Único do Prédio (BUPi) de forma a funcionar como plataforma eletrónica “que reúne toda a informação relevante sobre o prédio, disponível na Administração Pública”, informava o comunicado. Atualmente, o BUPI até já conta com 56 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para financiar despesas.

Mas porque é que ainda existiam, nessa altura, prédios em Portugal que nunca foram declarados nos registos (embora pagando imposto)? Entre outros factos que o Governo nunca chegou a apurar, este registo só passou a ser obrigatório há cerca de 15 anos, o que fez com que muitos proprietários nunca o chegassem a cumprir. A medida levada a cabo pelo Executivo de Costa vinha contrariar esta realidade, ou pelo menos era o que se esperava.

Em 2021 e 2022, com o projeto de simplificação do processo, o Governo conseguiu expandir o número de municípios aderentes, que está agora em 139, e ainda o número de propriedades, que já vai nas 500 mil. Ainda assim, e apesar de nova promessa do Executivo de que conseguiria cadastrar 90% das oito milhões de matrizes de propriedades não-identificadas em dois anos, mais de metade do cadastro das propriedades rústicas a Norte do Tejo continua sem ser feito.

Para António Costa, esta é mais uma das responsabilidades individuais de cada português: “Lembrem-se, de cada vez que virem na televisão as imagens de um incêndio, que podem contribuir, de modo sustentável e duradouro, para que estas imagens não se repitam.” Como? “Procedendo à identificação e ao registo da sua propriedade. Cada uma das pessoas saber do que é que é proprietária. É fundamental completar o cadastro”, destacou o primeiro-ministro esta quarta-feira, 13 de julho.

O veredito: Verdadeiro, mas… A promessa, que terá que esperar por 2023 para ser finalizada, está de facto a ser cumprida.

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A promessa: Antecipar para 2019 a meta de 500 equipas de sapadores florestais fixada para 2020

Em Oliveira do Hospital, a 3 de agosto de 2017, Costa deixava a promessa de que iria antecipar para 2019 a meta das 50o equipas de sapadores florestais fixada para o ano de 2020. De acordo com o primeiro-ministro, à data, “a chave é limpar a floresta a tempo e horas, e é por isso que os sapadores florestais são absolutamente essenciais“. Nesse mesmo dia, Costa apresentava 20 novas equipas de sapadores florestais e afirmava que estas seriam “as primeiras do grande esforço que temos de fazer ao longo desta legislatura. Nós tínhamos fixado uma meta: chegar às 500 até 2020; a Assembleia da República pediu agora um esforço maior: vamos chegar às 500 não em 2020 mas em 2019”, garantiu.

O processo:

Bastaram 22 dias. A 25 de agosto, o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural anunciou que tinha investido 72,7 milhões de euros em medidas preventivas para a defesa da floresta contra os incêndios, através do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020 e do Fundo Florestal Permanente.

Desse montante, 14 milhões de euros financiaram, através do Fundo Florestal Permanente, o Programa Nacional de Sapadores Florestais e os gabinetes técnicos florestais dos municípios. Além disso, 4,7 milhões de euros seguiram para a criação das tais 20 novas equipas de sapadores florestais, entregues no dia 3 de agosto.

Salto para outubro, quando o Orçamento do Estado para 2018 passou a incluir 20 milhões ao reforço do corpo de sapadores florestais, entre outras medidas para ajudar ao “combate, mitigação e prevenção dos incêndios florestais e da incidência de pragas e doenças”, designadamente a “criação e reequipamento de equipas de sapadores florestais, adoção do Plano Nacional de Fogo Controlado e reforço da vigilância, prevenção, deteção, alerta, combate e rescaldo dos incêndios florestais, envolvendo de modo articulado a Guarda Nacional Republicana (GNR) e as Forças Armadas”.

Novembro de 2017, Costa voltou a reforçar que seriam criadas, em 2018 e 2019, 200 novas equipas de sapadores florestais, com mais 1000 efetivos, já que “na proteção da floresta, os sapadores florestais têm um papel crescentemente importante porque são elementos essenciais para aproximar a prevenção do combate” aos incêndios.

Também nesse mês, a resolução do Conselho de Ministros n.º 165/2017, inscrita no âmbito da reforma do setor florestal, antecipava oficialmente “a meta prevista na Estratégia Nacional para as Florestas, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-B/2015, de 4 de fevereiro, garantindo-se, já em 2019, a existência e a operacionalização de quinhentas equipas de sapadores florestais”.

Ao longo dos anos, o Governo foi abrindo concursos para a entrada de sapadores nas brigadas portuguesas, mas o empenho não foi suficiente. Em 2020 (desde então não há novos concursos), contavam-se 483 equipas de sapadores florestais, tal como informou o Ministério do Ambiente ao jornal “Público”: “Atualmente existem 435 equipas atribuídas no âmbito do programa de sapadores florestais e 48 equipas de sapadores florestais do ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas], perfazendo um total de 483 equipas de sapadores florestais, o que corresponde a 97% da meta estabelecida.”

Com o objetivo “praticamente cumprido”, não foram abertos mais “concursos para a atribuição de novas equipas”. Este cenário, porém, alterou-se em maio deste ano, quando o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, confirmou “a determinação do Governo em prosseguir o investimento realizado desde 2015, na ordem dos 100 milhões de euros, incluindo os 8,2 milhões já pagos em 2022″ nas equipas de sapadores florestais.

Numa intervenção em Viana do Castelo, Cordeiro apelidou mesmo de “inequívoca” a aposta do Governo “na dignificação da função do sapador florestal, o seu destaque crescente e o consenso quanto à importância da sua ação no sistema de gestão integrada de fogos rurais”, acrescentando que o Governo tenciona, ainda este ano, “lançar concurso para a constituição de mais equipas de sapadores”. O concurso foi aberto a 7 de julho.

O veredito: Impreciso. Costa esteve perto, mas a promessa ainda não foi cumprida.

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A promessa: Profissionalização do modelo de combate aos fogos

No rescaldo dos incêndios de outubro de 2017, António Costa estabeleceu como prioridade “profissionalizar e capacitar, através da introdução, em todos os níveis, do planeamento ao combate, do conhecimento, mas também a valorização profissional” dos corpos de bombeiros.

Costa indicava, à data, que esta valorização deveria ser feita através “da mobilização das estruturas que o Estado já dispõe, das suas Forças Armadas, das suas forças de segurança, mas também introduzindo novas componentes de profissionalização“, o que deveria ser feito “em parceria com as associações de produtores florestais e com as autarquias, e com as associações humanitárias de bombeiros voluntários, o que é imprescindível para corresponder àquela que é hoje a realidade sociodemográfica do País”.

O processo:

A 27 de outubro de 2017, era publicada a resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, que efetivava a “profissionalização e capacitação” dos bombeiros, através de uma revisão, “até ao final do primeiro trimestre de 2018”, e reforço da estrutura orgânica da ANPC (Autoridade Nacional de Proteção Civil) com os objetivos de redefinir a constituição e os critérios de designação da sua estrutura de comando e de criar uma carreira estável e organizada para a respetiva força operacional, fomentando a formação especializada e o desenvolvimento de competências operacionais”.

Ora, esta reestruturação foi efetivamente concluída e através do Decreto-Lei n.º 45/2019, de 1  de abril, foi aprovada a orgânica da atual Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). Mais tarde, também o despacho n.º 11198/2020, de 13 de novembro, veio estabelecer as condições de instalação e funcionamento dos comandos regionais de emergência e proteção civil.

Ainda assim, para o ex-membro da Comissão Técnica Independente e docente da UTAD no departamento de Ciências Florestais e Arquitetura, “a profissionalização do combate aos incêndios não evoluiu“. Segundo Paulo Fernandes, é na realidade “mais premente a maior especialização do combate a incêndios florestais (versus o modelo atual muito vocacionado para a proteção civil e assente nas corporações de bombeiros voluntários)”.

“O Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR) consagra, e bem, a separação entre essas duas vertentes mas não me parece que esteja a avançar no terreno. A Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) tem trabalhado com as entidades do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) nas questões da formação, não só dos bombeiros, mas de todos os operacionais/técnicos, mas não sei o quão avançado está o processo”, indica.

Ainda assim, e tal como prometeu o Governo, houve, desde 2016, uma clara aposta na profissionalização nos corpos de bombeiros, através, por exemplo, da criação de mais Equipas de Intervenção Permanente (EIP). Em março deste ano foi autorizada a criação de 100 novas EIP em corpos de bombeiros. Esta centena de equipas vai distribuir-se por 73 municípios de Portugal continental e, de acordo com o Governo, “todos os distritos do continente contarão com novas Equipas, destacando-se os distritos de Lisboa (16 novas EIP), Viseu (11), Leiria (9) e Coimbra, Setúbal e Viana do Castelo (8)”.

Assim, com a criação de mais 100 EIP, compostas por um total de 500 operacionais, o Executivo de Costa elevou o total de equipas autorizadas para 662, “quase quadruplicando o número de EIP criadas até 2016 (169)”.

Além disso, o Governo previa ainda “lançar procedimentos concursais para a admissão de militares para a GNR, de modo a reforçar o GIPS (Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro) e o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) em 2018, e de efetivos para o Corpo Nacional de Agentes Florestais e guardas florestais, bem como para a criação de novas equipas de sapadores florestais, perfazendo um total de 500 até 2019″.

Em agosto de 2018 foi anunciado um reforço das capacidades da GNR e do GIPS que se traduziu no aumento e criação de “novas áreas territoriais de responsabilidade e atribuir novos recursos e novos meios” e no alargamento da responsabilidade do GIPS para “38 centros de meios aéreos, ao invés dos atuais 22, sendo também alargada a sua intervenção em operações de ataque aos fogos rurais”. Para tal, “foi aumentado o efetivo do GIPS passando de 594 elementos para 1029”.

O veredito: Verdadeiro, mas… Costa aumentou os números e cumpriu as garantias dadas, mas para o membro da Comissão Técnica Independente não houve uma verdadeira evolução.

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A promessa: Reconstrução de primeiras e segundas habitações destruídas pelos incêndios

Ainda em outubro de 2017, António Costa afirmava que “para a revitalização de toda a economia e sociedade de muitos destes concelhos, as segundas habitações são também importantes”. Isto fazendo referência às casas afetadas pelos incêndios de 15 e 16 de outubro, mas também às habitações que ficaram destruídas depois da destruição em Pedrógão Grande. “Temos todos de fazer um esforço para procurar encontrar soluções“, sublinhou o primeiro-ministro já em dezembro do mesmo ano. A garantia de que iam ser encontradas respostas valeu, no entanto, de pouco.

O processo:

Apesar de ter sublinhado que as segundas habitações “não são simples casas de veraneio, pois muitos descendentes deslocam-se ao território onde cresceram ou nasceram semanalmente, e também nos momentos de festa, tendo um papel muito importante na dinâmica social dos territórios afetados e da sua economia”, o Governo de António Costa reconstruiu apenas 52 das 1.000 casas de segunda habitação destruídas pelas chamas.

Mesmo no que respeita a primeira habitação, cinco das mais de 200 casas de primeira habitação afetadas pelo incêndio de Pedrógão Grande ainda estão por reconstruir. Três encontram-se “em fase de conclusão”, diz a Segurança Social à Agência Lusa.

O Polígrafo consultou o mais recente relatório do Fundo Revita, de março deste ano, que confirma que este fundo “tem diretamente a seu cargo a reabilitação de 99 casas, com um perfil de intervenção mais exigente já que se tratam, na sua maioria, de reconstruções integrais”. O que se sabe é que, no final de março de 2022, 89 destas casas estavam concluídas, cinco estavam suspensas e cinco estavam ainda em execução. Destas, duas em Pedrógão Grande, duas em Castanheira de Pêra e uma em Figueiró dos Vinhos.

O veredito: Falso. Embora seja mais evidente no caso das segundas habitações, o Governo ainda não conseguiu reconstruir todas as casas destruídas pelos incêndios.

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A promessa: Rapidez no processo de indemnizações às famílias

Do Conselho de Ministros de 21 de outubro de 2017 resultou a criação de um procedimento extrajudicial, célere e simples, para a determinação das indemnizações por perdas e danos pelas vítimas mortais dos incêndios ocorridos nos dias 17 a 24 de junho e 14 a 16 de outubro. Costa prometeu que o processo não se arrastaria, mas a verdade é que a última indemnização só chegou em 2020, três anos depois.

O processo:

Para os familiares das vítimas mortais, a indemnização não demorou: durante uma audição na comissão eventual de inquérito parlamentar à atuação do Estado na atribuição de apoios na sequência dos incêndios de 2017 na zona do Pinhal Interior, na Assembleia da República, a provedora da Justiça, Maria Lúcia Amaral, começou por esclarecer que os dois instrumentos de indemnização se trataram de “procedimentos extrajudiciais, de adesão voluntária”, sendo que foi apresentada uma proposta de requerimento que os interessados poderiam dirigir à Provedoria de Justiça.

Com início em dezembro de 2017 e conclusão a junho de 2018, o processo de indemnização dos familiares das vítimas mortais resultou num total de 309 requerimentos, nove dos quais recusados: “Os 300 que admiti diziam respeito a 115 vítimas mortais. No total, as propostas de indemnização que fiz foram aceites pelos destinatários e pagas pelo Estado, corresponderam a 31 milhões de euros.”

Para os feridos graves, no entanto, a situação foi diferente: de um total de 11 milhões de euros destinados a estas vítimas, o Estado conseguiu indemnizar apenas 75 pessoas (de 195 requerimentos recebidos). A classificação de gravidade dos ferimentos era da responsabilidade do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF): “No total, o Estado gastou neste procedimento 11 milhões de euros, na realidade 10 milhões e 726 mil euros.”

Este processo foi iniciado em março de 2018, mas só foi concluído no final de 2020, informou ainda Maria Lúcia Amaral na mesma ocasião. A demora adveio da “particular complexidade do ressarcimento dos danos na situação dos feridos graves”.

O veredito: Falso. Passaram mais de três anos até que o processo de indemnização às vítimas dos incêndios estivesse concluído.

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A promessa: Aquisição de meios aéreos próprios até 2023

A garantia já tinha sido avançada em 2017, quando António Costa afirmou ser necessário “reforçar o papel das Forças Armadas”, sendo “confiada à Força Aérea a gestão e operação dos meios aéreos de combate aos incêndios florestais, quer com meios próprios de que venha a dispor, quer com a gestão dos meios próprios do Estado, quer com a gestão de contratos destes meios”.

Já em novembro 2019, porém, o então ministro da Administração Interna revelava que o Governo iria “considerar a candidatura portuguesa à dotação de meios próprios, designadamente aviões Canadair, que poderão contar com o financiamento do mecanismo europeu em 90% do valor de aquisição”. A meta, ditou Cabrita, seria até 2023 e objetivo era “dotar Portugal com uma capacidade de resposta com meios próprios”. Na altura, ainda não se falava sobre quantos aviões seriam adquiridos pelo Governo, mas já se sabia de quem era a responsabilidade de definir esse número: da Proteção Civil e da Força Aérea.

O processo:

A 4 de março de 2021, no Conselho de Ministros sobre a Floresta, Eduardo Cabrita dava a saber ao país que Portugal ia adquirir 14 meios aéreos próprios de combate aos incêndios rurais, mas a meta tinha-se prolongado até 2026. À data, até já se sabia o que ia ser adquirido: seis helicópteros ligeiros, seis helicópteros bombardeiros médios e dois aviões bombardeiros anfíbios pesados, num investimento que totalizava os 156 milhões de euros.

O desígnio de Costa, já com Cabrita fora do Governo, foi confirmado: esta quinta-feira, 14 de julho, foi conhecida a compra de dois Canadair (que deverão chegar em 2024 e 2026), uma decisão que não é apoiada nem pelos bombeiros, nem pela Força Aérea. Quantos aos 12 meios que continuam por comprar, o Governo não avançou com quaisquer explicações. Tem até 2026 para os adquirir, sendo que, até lá, terá que continuar a optar pelo aluguer de aeronaves, inclusive a Espanha.

Estão inscritos no PRR 89 milhões de euros para aquisição de meios aéreos, mas Governo autorizou gastos na ordem dos 155 milhões de euros pela Força Aérea para o mesmo propósito.

O veredito: Impreciso. Embora Portugal esteja agora a avançar para a compra de meios aéreos, as datas limite foram sendo alteradas e a meta para 2023 não será cumprida.

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A promessa: Desmatamento das regiões

Depois dos incêndios de 2017, já em março do ano seguinte, António Costa participou de uma ação de limpeza de matas, afirmando que o objetivo era “incentivar o país a prosseguir esta ação de prevenção e combate aos incêndios florestais”: “Quanto mais limparmos agora mais eliminamos o risco.” Costa destacou ainda que o trabalho de prevenção devia continuar e que, quanto mais se fizesse naquele momento, “menor será o risco que haverá amanhã”.

O processo:

Em março de 2021, António Costa foi até ao município da Lousã, no distrito de Coimbra, anunciar que “as organizações de produtores florestais e as comunidades intermunicipais vão dispor de uma bolsa de maquinaria para a gestão dos espaços florestais, desde logo com a distribuição de 63 máquinas pesadas, num investimento que ronda os cerca de 12 milhões de euros”. Este montante, financiado pelo Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos, pelo Fundo Florestal Permanente e pelo Programa de Estabilização Económica e Social, faz parte do que Costa havia prometido investir na Floresta.

De acordo com o especialista Paulo Fernandes, nesta matéria “houve um grande foco (e pressão sobre a população) na gestão de combustíveis em torno de habitações, a única (juntamente com as orlas de estradas e rede eléctrica) que é obrigatória”. Já a gestão de combustíveis que conta para efeitos de controlo da propagação de grandes incêndios, “ou seja com escala na paisagem e na forma de mosaicos, continua ausente, a não ser em localizações muito específicas nos baldios do norte e centro”.

O docente admite ainda que houve “alguma expansão da prática do fogo controlado”, mas esta é uma prática que “continua muito aquém do desejável“. Houve ainda por parte do Governo um “reforço significativo da execução da rede primária (Faixas de Gestão de Combustível), beneficiando (creio) do esforço do ICNF de aquisição de maquinaria”.

O veredito: Verdadeiro, mas… Mais uma vez, Costa investiu montantes avultados nesta iniciativa, mas especialista não acredita que Governo tenha optado pela melhor via.

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O que deveria ter sido feito?

“No curto prazo, e sabendo que as intervenções no território e na floresta são obra para décadas”, Paulo Fernandes considera que “faltou uma componente de fomento da economia florestal, a base para que haja proteção florestal”. No entender do docente, “a iniciativa mais óbvia e de certa forma mais fácil seria uma reorganização/fusão das entidades que integram o SGIFR, o que aproximaria os padrões das atividades da gestão do fogo (especialmente a pré-supressão e supressão) dos benchmarks internacionais”.

“Os operacionais e agentes da gestão de fogos rurais estão distribuídos por diversas organizações, até com doutrinas próprias e potencialmente contraditórias. Isto não garante coesão, diminui a massa crítica, exige mais planeamento (ou impede mesmo o planeamento adequado), cria problemas orçamentais e diminui bastante o retorno do investimento. Num país com um problema de incêndios tão grave desafia toda a lógica que esta possibilidade não seja equacionada e implementada”, acrescenta.

Para Paulo Fernandes, propostas como a reforma estrutural da Floresta e a integração do Estado nos terrenos sem dono conhecido não passam de um “chavão generalista” que o docente associa “essencialmente à torrencial produção legislativa sem repercussões reais no território”.

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