Ihor Homeniuk morreu a 12 de março no Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa. Tinha desembarcado há dois dias, vindo da Turquia com um visto de turista. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) terá impedido a entrada do cidadão ucraniano em território português e decidido que teria de regressar ao país de origem no voo seguinte.
As autoridades terão tentado por duas vezes que o homem de 40 anos embarcasse no avião e, perante a sua recusa, o cidadão ucraniano terá sido encaminhado para uma sala de assistência médica nas instalações do Aeroporto Humberto Delgado. Foi nesse espaço que terá sido amarrado e agredido violentamente por três inspetores do SEF, acabando por morrer.
O julgamento do caso teve início no dia 2 de fevereiro de 2021. A acusação defende que os inspetores Bruno Valadares Sousa, Duarte Laja e Luís Filipe Silva trataram Ihor Homeniuk de forma desumana, provocando-lhe graves lesões corporais e psicológicas até à morte. Os três arguidos encontram-se em prisão domiciliária desde o final de março de 2020.
Apesar de terem chegado a julgamento acusados pelo crime de homicídio qualificado, os inspetores do SEF poderão agora ser condenados pelo crime de ofensas corporais graves, agravado pelo resultado morte. A conversão da acusação para o crime menos grave já tinha sido admitida pelo coletivo de juízes, mas foi na última sessão em tribunal, no dia 12 de abril, que a procuradora do Ministério Público (MP), Leonor Machado, admitiu a insuficiência de provas relativas à intenção de matar dos três arguidos. Ainda assim, foi pedida uma pena “nunca inferior a 13 anos de prisão” para dois dos agentes e de 8 anos para o terceiro.
Ao Polígrafo, Paula Ribeiro de Faria, professora de Direito Penal na Universidade Católica do Porto e investigadora na área do Direito Criminal, começa por destacar a gravidade do crime de homicídio qualificado, que consta da acusação inicial deste processo. “Trata-se de um crime intencional, em que a morte é causada em circunstâncias objetivamente muito graves, por exemplo, porque o homicida tinha uma relação particular com a vítima, e que é extremamente censurável”.
No Código Penal (CP), este crime encontra-se previsto no artigo 132º que admite uma pena de prisão entre os 12 e os 25 anos, ou seja, contempla a possibilidade de condenação na pena máxima de prisão em Portugal.
Nas alíneas d) e m) do artigo do artigo supracitado estão descritas circunstâncias que, no caso da morte de Homeniuk, se enquadram no âmbito da “censurabilidade ou perversidade” exigidas no caso da condenação por homicídio qualificado.
“Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima”, lê-se na alínea d). De facto, o Ministério Público considerou que Ihor Homeniuk sofreu tortura até à morte cuja causa foi definida por asfixia lenta provocada por várias fraturas nas costelas. No ponto m) está definido que “ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade” é também uma das circunstâncias de especial gravidade associadas à imputação do crime.
Já em relação ao crime de ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado, que foi agora estabelecido pelo tribunal e MP como alternativa ao homicídio qualificado na acusação dos três arguidos, Paula Ribeiro de Faria entende que este é também “um crime totalmente doloso”, estando previsto nos artigos 145º e 147º do CP.