Primeiro, o título alarmista…
“PEDIDO DE AJUDA URGENTE!”
Logo a seguir, o apelo lancinante…
“Este homem deu entrada hoje no Hospital Beatriz Ângelo em Guimarães sem qualquer tipo de identificação e com aparente perda de memória.
Partilhem para que possamos encontrar a família!”
E depois a reação esperada: entre sábado, 9 de fevereiro, e as 19h de hoje, 11, a foto de um homem deitado uma marquesa, aparentemente inanimado, foi partilhada 33 mil vezes no Facebook (até às 19h45 de hoje) e gerou perto de dois mil comentários, tornando-se num fenómeno de viralidade.
[facebook url=”https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2960791450613691&set=a.171510076208523&type=3&theater”/]
Tudo isto seria normal, não fosse dar-se o caso de se tratar de uma publicação falsa. Um olhar mais atento ao post permite tirar duas conclusões razoavelmente simples:
- O homem em causa é ator da conhecida série televisiva “Walking Dead” e a imagem retrata uma passagem de um dos seus episódios.
- O hospital mencionado no texto – o Beatriz Ângelo – situa-se em Loures; não em Guimarães.
Por outro lado, uma visita rápida à página em que o post foi publicado permite perceber que se trata de um espaço em que Nuno Folgado, o seu autor, partilha frequentemente conteúdos humorísticos.
Esta não é a primeira vez que Nuno Folgado – que tem uma comunidade de seguidores muito restrita (o que faz com que a viralidade das suas publicações seja ainda mais impressionante) – perde o controlo de um post. Em novembro de 2018, a imagem de um alegado jovem “génio” português, oriundo de Torre de Moncorvo, que ficara em segundo lugar nas Olimpíadas de Física Quântica, gerou uma onda de euforia e consternação no Facebook que resultou em mais de 90 mil partilhas, acompanhadas de comentários marcados por muita comoção e alguma revolta pelo facto de um talento tão grande ser desprezado “no país dos Ronaldos e dos Mourinhos” – um país incapaz de valorizar os talentos que produz em áreas que não a do futebol. Na verdade, Tiago, o rapaz-prodígio, era Jordi, um ator pornográfico espanhol sem feitos conhecidos no domínio das ciências exatas.
“Partilham os conteúdos sem os ler e isso é muito perigoso. No meu caso, são coisas inocentes, mas há outras nada inocentes, com teor político extremista, a serem igualmente partilhadas sem critério”, diz Nuno Folgado ao Polígrafo.
Nessa ocasião, o Polígrafo entrevistou Nuno Folgado. Entre outras coisas, o autor, de 44 anos, segurança de profissão, afirmou que faz o que faz apenas para se divertir, sem pensar demasiado nas consequências. Agora, o homem que gosta de se designar como “Tony Carreira do Facebook” repete o argumento: “Apeteceu-me fazer isto, achei que tinha graça. Nunca pensei que me viesse a valer tantos insultos.”
[facebook url=”https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2466517096707798&set=a.709229885769870&type=3&theater”/]
De facto, entre os quase dois mil comentários que a publicação já gerou contam-se centenas em que Folgado é insultado. As pessoas – as que não partilharam ou as que partilharam ao engano – não se inibiram de expressar a sua revolta. Nada que tire o sono a Nuno: “Trata-se de uma publicação inocente que não prejudica ninguém, tal como já tinha acontecido com a do ‘Tiago’. Inicialmente tinha a correta localização do hospital, mas até mudei para que as pessoas percebessem que era invenção. Nem assim resultou…”
“Foi assim, à custa da ignorância e da irresponsabilidade de quem partilha sem ler, que fenómenos como Trump ou Bolsonaro emergiram. Em Portugal está a acontecer o mesmo”, afirma o autor.
Mais a sério, Nuno Folgado reflete sobre a relação que as pessoas têm com o Facebook e com a internet de uma forma geral: “Partilham os conteúdos sem os ler e isso é muito perigoso. No meu caso, são coisas inocentes, mas há outras nada inocentes, com teor político extremista, a serem igualmente partilhadas sem critério. Foi assim, à custa da ignorância e da irresponsabilidade de quem partilha sem ler, que fenómenos como Trump ou Bolsonaro emergiram. Em Portugal está a acontecer o mesmo”, afirma, para concluir: “Hoje, tal qual o mundo está e tendo em conta a capacidade de disseminação de mensagens que caracteriza as redes sociais, as pessoas deviam ter uma habilitação qualquer para navegarem na internet, um equivalente à carta de condução para automóvel.”
Nota: Este artigo sofreu uma alteração às 21h26, com a inclusão da cidade de Loures – e não a de Lisboa – como localização do Hospital Beatriz Ângelo.