A Região Europeia da Organização Mundial de Saúde apresenta a maior prevalência de tabagismo entre adultos, com uma taxa de 28%. Em Portugal, a taxa era de 20% em 2018. Dois milhões de portugueses consumiam tabaco nesse ano, contando-se 1,2 milhões de homens e 779 mil mulheres. Apesar de o número ter vindo a descer, são mais de 8 milhões de pessoas que morrem anualmente por doenças associadas ao tabaco, 1,2 milhões das quais por exposição ao fumo ambiental (fumadores passivos).

Numa altura em que o mundo se depara com um vírus que ataca precisamente as vias respiratórias, falámos com o pneumologista José Pedro Boléo-Tomé, especialista em tabagismo.

Afinal o tabaco é ou não um fator de risco quando falamos do novo coronarírus?

"Há dois grandes estudos que mostram duas coisas: um deles indica que há 55% mais homens que mulheres afetados pela doença", destaca o pneumologista. "Importa sublinhar que na China há muito mais fumadores homens. O sexo masculino tem uma taxa de tabagismo altíssima, muito diferente da das mulheres. Nesse estudo, mostrou-se também que quanto maior a idade, maior o risco de doença grave nos homens. Os homens de 60 anos tinham um risco três vezes superior ao das mulheres", afirma.

E esclarece: "Isto pode ter duas explicações. Em primeiro lugar, o hábito tabágico. Em segundo, e isto acontece em geral nas infeções virais, que é a vantagem imunológica e resistência que as mulheres parecem ter em relação a este tipo de infeções."

"Sabemos que os tabagismo reduz muitíssimo a capacidade que temos de nos defender das agressões diárias, nomeadamente das infeções. Todos os dias inalamos potenciais patogénios, vírus, bactérias e fungos. Temos defesas para isso. As defesas estruturais, ou seja, a própria forma como está construída a nossa árvore brônquica, e as nossas células que as revestem. Essas células ficam muito danificadas nos fumadores. E quanto mais um indivíduo fuma, mais danificadas ficam", explica.

"Os fumadores são muito mais susceptíveis a infecções, porque sabemos que a capacidade de produção de anticorpos, quer o próprio funcionamento do sistema imunitário, é muito mais deficiente. Os fumadores têm muito mais pneumonias bacterianas e infeções virais em geral. Seria muito estranho se não ocorresse com o novo coronavírus"

"E temos defesas no próprio sistema imunitário", prossegue. "Possuímos células imunológicas nos pulmões, nos alvéolos pulmonares e nos nossos bronquíolos que são a segunda barreira contra estas agressões. Os fumadores são muito mais susceptíveis a infecções, porque sabemos que a capacidade de produção de anticorpos, quer o próprio funcionamento do sistema imunitário, é muito mais deficiente. Os fumadores têm muito mais pneumonias bacterianas e infeções virais em geral. Seria muito estranho se não ocorresse com o novo coronavírus", conclui.

Se as defesas estão fragilizadas, não é de estranhar que a doença seja também mais rápida a desenvolver-se. "Noutro grande estudo tentaram perceber os grandes factores de risco para maior gravidade da doença e pior prognóstico. Havia um que se destacava e que proporcionava um risco de doença grave 14 vezes superior. Eram precisamente os hábitos tabágicos", sublinha o especialista. "Pode não ser só por uma via directa, porque os grandes fumadores também são aqueles que têm mais doenças. A doença cardiovascular, doença coronária, hipertensão,etc. E a doença pulmonar obstrutiva crónica, que é muito prevalente na china e a que está associada a pior prognóstico."

Em relação aos fumadores passivos, e segundo dados recolhidos pela Direção-Geral da Saúde em 2010, 36,7% crianças e adultos jovens com menos de 18 anos estavam expostas a fumo ambiental do tabaco, com pelo menos um fumador em casa. Noutro estudo, 12,8% de pessoas com idades entre os 25 e os 74 anos declararam também estar expostas ao fumo ambiental do tabaco, durante pelo menos uma hora por dia. Boléo-Tomé, afirma que o tabagismo passivo também aumenta o risco de várias doenças ao longo do tempo.

"Se estabelecermos aqui um paralelo com um convivente diário de um fumador, será talvez o equivalente a fumar um ou dois cigarros por dia. Essas pessoas têm um risco aumentado de uma série de doenças. É muito mais difícil de medir, porque são doenças que demoram muito tempo a aparecer", declara. "Para este tipo de doenças agudas, não é fácil identificar esta relação. Por aquilo que já se sabe de outras infeções, fará algum sentido que haja um maior risco, pode não ser tão grande assim, mas existe."

"Se estabelecermos aqui um paralelo com um convivente diário de um fumador, será talvez o equivalente a fumar um ou dois cigarros por dia. Essas pessoas têm um risco aumentado de uma série de doenças. É muito mais difícil de medir, porque são doenças que demoram muito tempo a aparecer", afirma. "Para este tipo de doenças agudas, não é fácil identificar esta relação. Por aquilo que já se sabe de outras infeções, fará algum sentido que haja um maior risco, pode não ser tão grande assim, mas existe."

Mas, e se uma pessoa decidir parar de fumar agora? Será que se reflete na resistência à Covid-19? "Não sabemos especificamente", admite o médico. "Mas de um modo geral independentemente da lesão que a pessoa já tenha, há sempre ganhos. E os ganhos começam logo a partir do momento que a pessoa deixa de fumar. Há uma série de funções que começam a recuperar. E isto independentemente da idade. Está provado que pessoas que vão ser submetidas a uma cirurgia se deixarem de fumar duas semanas antes têm um melhor prognóstico, quer na parte anestésica, cicatrização, complicações, infeções, etc. Num período curto, há melhorias numa série de parâmetros", sublinha.

As melhorias são conhecidas. Entre duas a 12 semanas, a circulação melhora significativamente e caminhar já não é tão cansativo. Após cinco anos, o risco de cancro da boca e do esófago reduz-se para metade. Depois de 10 anos, tem 50% menos risco de ter um cancro do pulmão do que um fumador. Após 15 anos, o risco de doença cardiovascular é semelhante ao de uma pessoa não fumadora.

Os dispositivos eletrónicos de nicotina têm tido uma grande popularidade para quem quer deixar de fumar, ou mesmo para quem quer reduzir os malefícios do tabaco no organismo. Porém, a OMS destaca que, tanto o tabaco aquecido como os cigarros eletrónicos, contêm substâncias que podem causar cancro, doenças pulmonares e cardiovasculares.

Mas, e se uma pessoa decidir parar de fumar agora? As melhorias são conhecidas. Entre duas a 12 semanas, a circulação melhora significativamente e caminhar já não é tão cansativo. Após cinco anos, o risco de cancro da boca e do esófago reduz-se para metade. Depois de 10 anos, tem 50% menos risco de ter um cancro do pulmão do que um fumador. Após 15 anos, o risco de doença cardiovascular é semelhante ao de uma pessoa não fumadora.

Em relação à COVID-19, o especialista afirma que ainda não há estudos suficientes sobre o tema. "Porém, pelo que já se sabe tudo indica que também será um factor de risco. Há danos nas células da mucosa respiratória que são muito parecidos, quer no fumo do cigarro ou nestes dispositivos", ressalva. E alerta para outro equipamento que está a crescer em popularidade: "Os cachimbos de água são muito populares na juventude e há esta ideia de que são inócuos. Mas há uma série de estudos que indicam que o cachimbo de água é um ótimo reservatório para agentes microbiológicos. Através deles, é possível a infecção com o vírus da hepatite C, fungos e algumas bactérias", conclui.

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