Mais de 33 mil empresas já aderiram ao regime de layoff simplificado, na sequência da pandemia de coronavírus que paralisou a economia portuguesa. O regime de layoff possibilita que as empresas reduzam temporariamente os períodos normais de trabalho, ou suspendam os contratos de trabalho durante um determinado período de tempo, caso a medida seja crucial para o garante da viabilidade económica da empresa e a manutenção dos postos de trabalho.

Neste período, os trabalhadores passam a receber 2/3 do salário, sendo 30% desse valor assegurado pelo empregador e 70% pela Segurança Social. Até à data já são mais de 500 mil os trabalhadores em layoff e o Governo estima que este regime poderá custar à Segurança Social cerca de mil milhões de euros por mês.

Ainda que a medida se destine apenas ao setor privado, há quem defenda que a Função Pública também deveria ser abrangida. O Polígrafo detetou várias publicações nas redes sociais que apontam para a injustiça ou desigualdade de direitos entre os setores privado e público, no que respeita à aplicação do regime de layoff.

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Na medida em que não se trata de uma questão de verdadeiro/falso, o Polígrafo responde às solicitações de leitores no sentido de esclarecer sobre porque é que a Função Pública, no geral, não pode ser abrangida pelo regime de layoff.

Questionada pelo Polígrafo, Rita Garcia Pereira, especialista em Direito do Trabalho, explica porque é que não é possível: "Na lei da Função Pública está estipulado que os funcionários públicos não podem ser abrangidos. Poderia fazer sentido, nesta altura de pandemia, a suspensão dos vínculos e a diminuição da contribuição. Mas não faz sentido o sistema de layoff, porque seria o Estado a pagar a ele próprio".

"O espírito do layoff é o Estado evitar despedimentos e ajudar empresas privadas, comparticipando com parte da compensação retributiva. Daí que não faça sentido aplicar-se aos trabalhadores do Estado", salienta a advogada.

Há apenas uma situação em que este regime poderia eventualmente aplicar-se à Função Pública, na perspetiva de Rita Garcia Pereira: "O Estado tem dois tipos de vínculo. Os contratos individuais da Função Pública e os contratos individuais de trabalho. A estes últimos aplica-se o Código de Trabalho. A esses eventualmente poder-se-ia aplicar o layoff, mas o Governo não o contemplou no layoff simplificado e subsequentes alterações".

"O Estado tem dois tipos de vínculo. Os contratos individuais da Função Pública e os contratos individuais de trabalho. A estes últimos aplica-se o Código de Trabalho. A esses eventualmente poder-se-ia aplicar o layoff, mas o Governo não o contemplou no layoff simplificado e subsequentes alterações", salienta Rita Garcia Pereira.

Por sua vez, João Santos, também especialista em Direito do Trabalho, considera que "há uma clara opção política - que, em parte, se traduz numa opção legislativa - por detrás da não aplicação do layoff na Função Pública".

"A chamada Função Pública é composta por uma diversidade enorme de situações profissionais que abarcam a administração direta e indireta do Estado. Hoje em dia, grande parte das relações profissionais laborais estabelecidas entre o Estado, em sentido lato, e aqueles que trabalham para si, já é regulada pelas normas do Código do Trabalho, no qual a figura do layoff já está prevista há muitos anos. As demais relações laborais públicas são reguladas, na sua maioria, pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, mais conhecida como a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, a qual, de facto, não prevê a figura do layoff", esclarece.

E prossegue: "O Decreto-Lei 10-G [decreto que estabelece as medidas excecionais e temporárias de proteção dos postos de trabalho no âmbito da Covid-19], de 26 de março, define o âmbito do layoff simplificado no sentido de ser aplicado apenas aos empregadores de natureza privada, incluindo as entidades empregadoras do setor social e trabalhadores ao seu serviço, afastando, portanto, os empregadores públicos. No entanto, também esclarece que este novo regime não prejudica o regime de layoff contemplado no Código do Trabalho, o tal layoff 'normal'".

"Por esta via, do meu ponto de vista, é possível, pelo menos em tese, aplicar o layoff aos trabalhadores públicos cujo contrato seja regido pelas normas do Código do Trabalho, conquanto se cumpram, naturalmente, os requisitos legais de aplicação desse regime, que é excepcional", argumenta João Santos.

"Admito que em parte relevante da Função Pública não faça sentido aplicar o layoff - simplificado ou não - mas afastar em absoluto a sua aplicação não se me afigura correto", defende. "Isto dito, e num momento em que tanta legislação excepcional está a ser produzida nas mais diversas áreas de atividade, pondo muitas vezes em causa, ainda que temporariamente, direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, a ideia de, em igual situação, conferir tratamento distinto a trabalhadores privados e funcionários públicos não faz sentido. Traduz mais uma opção política do que uma limitação jurídica", conclui.

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