Quase 50 mil alunos foram colocados, esta semana, na primeira fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior, o segundo maior número desde 1989. Em altas esteve também a percentagem (84%) destes estudantes que acabou colocada numa das suas três primeiras opções de candidaturas, além daqueles que foram colocados em instituições de ensino localizadas em regiões do Interior do país, o que vem confirmar a "importância que os estímulos atribuídos à fixação naquelas regiões está a surtir".

Estimuladas ou não, a verdade é que grande parte dos estudantes continua a dar preferência aos centros urbanos para ingressar no Ensino Superior: seja pelo maior número de opções, seja pela reputação das próprias universidades, que continuam a ganhar prestígio face aos institutos que acabam situados em regiões periféricas. Este é o ponto-zero do problema que muitos alunos vão enfrentar nas próximas semanas: há cada vez menos quartos e casas disponíveis para arrendamento. A pandemia afastou o carácter presencial das aulas e os senhorios encontraram outras soluções: agora, não querem ver-se livres delas.

Redução da oferta, aumento dos preços

De acordo com o mais recente relatório do Observatório do Alojamento Estudantil, por quem é responsável a portuguesa Alfredo Real Estate Analytics, a um mês do início das aulas no ensino superior há 1973 quartos disponíveis para arrendamento. Pela mesma altura, em 2021, havia 9884 quartos prontos a arrendar. A queda é de 80% e começou a fazer-se sentir em fevereiro deste ano.

Ao Polígrafo, Gonçalo Abreu, responsável da Alfredo, destaca que, em termos de oferta privada, em Lisboa e no Porto "existe uma redução na oferta face a setembro de 2021 de 58% e 55%, respetivamente". Em outras zonas, como Coimbra, "a redução da oferta privada é menor, cerca de 27%". Na capital, ter despesas incluídas pode custar mais 77 euros, um quarto mobilado mais 68 euros, cozinha equipada 69 euros e um serviço de limpeza mais 60 euros.

Com mais de 50 mil alunos colocados e com uma boa fatia prestes a abandonar temporariamente a casa dos pais, o que podem esperar os jovens portugueses?

Fui colocado/a em Lisboa, Porto ou Braga. E agora?

A capital continua a ser uma das paragens mais caras para os estudantes deslocados. Apesar de não ter tido um dos crescimentos mais elevados dos últimos meses no que respeita ao preço do arrendamento (8,9%), o valor médio de um quarto em Lisboa é, de acordo com o estudo do Observatório, de 381 euros. Se lhe juntar casa de banho privada e alguns metros quadrados a mais, o valor pode chegar aos 595 euros.

O Polígrafo simulou a procura de um quarto num dos portais mais conhecidos entre os estudantes, o Uniplaces. Em Lisboa, para entrada no mês de outubro, restam a 13 de setembro apenas 18 opções (entre quartos privados e quartos partilhados), sendo que os preços variam entre os 350 euros, em Olivais, para uma cama em quarto partilhado, e os 2.200 euros para um quarto numa casa com jardim e piscina em Paço de Arcos.

Uma mudança para a cidade Invicta não assustava os estudantes há uma década. Agora, a situação alterou-se. Boom turístico e novos senhorios fizeram com que o preço das casas e dos quartos se aproximasse dos já praticados em Lisboa, com um aumento de 17% nos últimos meses para os quartos privados. Atualmente, o preço máximo de um quarto no Porto, de acordo com o estudo já citado, é superior ao da capital (609 euros).

Mais uma vez, o Polígrafo foi à procura de soluções para estudantes que ingressam em outubro numa universidade portuense. Também a 13 de setembro, sobravam apenas oito quartos privados e partilhados na zona, com preços praticados entre os 400 euros (quarto para uma pessoa na Foz do Douro) e os 2.000 euros (quarto para uma pessoa, com casa de banho privada e varanda em Massarelos).

Mesmos critérios, nova localização: em Braga, diz o Observatório do Alojamento Estudantil, o preço dos quartos aumentou 18,5% nos últimos meses, tendo o preço médio atingido os 250 euros este mês de setembro. As opções encontradas pelo Polígrafo, porém, resumem-se a dois quartos privados inseridos num apartamento de três, situado perto da Universidade do Minho, a 320 euros por mês, com contas incluídas.

Sem poder de compra, senhorios dão preferência a trabalhadores

O perfil dos jovens portugueses foi traçado, em 2021, num estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), "Os Jovens em Portugal, Hoje". De acordo com o documento, metade dos jovens entre os 15 e os 34 anos tem trabalho pago e a outra metade não tem. Ainda assim, os trabalhadores-estudantes representam apenas 11% dos 2,2 milhões de jovens visados no estudo.

Ao contrário dos jovens com trabalho pago, os trabalhadores-estudantes têm uma relação difícil com o emprego, mostra o estudo da FFMS.

O Polígrafo falou com Diana Ralha, da Associação Lisbonense de Proprietários, que lembra, antes de mais, que "cabe ao Estado, através da Ação Social das Universidades e das autarquias onde os grandes pólos universitários se localizam, garantir soluções de alojamento para os estudantes deslocados", deixando uma nota sobre o estudo do Observatório do Alojamento Estudantil, onde ficam de parte os anúncios em redes sociais e que podem alterar significativamente as conclusões finais.

O que é certo é que, de acordo com a presidente da ALP, "não cabe aos privados a função de garantir casa aos universitários", sendo que também nos restantes segmentos de habitação e arrendamento "têm sido os privados a garantir esse direito - com o Estado sem oferecer soluções aos portugueses e às novas gerações".

A verdade é que o Estado diz ter já avançado com as "operações de construção, aquisição, adequação e renovação de residências para estudantes de ensino superior, já aprovadas para financiamento de 375 milhões de euros pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), naquele que é o maior investimento de sempre em alojamento estudantil". A cerimónia de assinatura dos contratos de financiamento do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES) está agendada para amanhã, dia 15 de setembro.

Alertando para uma série de promessas falhadas do Governo, Diana Ralha destaca ainda que "o arrendamento é uma atividade económica sujeita a regras básicas, como a da oferta e da procura, e também muito suscetível a contração por falta de confiança. A confiança dos proprietários no Estado de Direito está arrasada. Tem sido a regra". A responsável enfatiza pelo menos dois sinais que o Estado terá dado este ano aos proprietários privados, como a prorrogação, em janeiro deste ano, do congelamento das rendas (contratos anteriores a 1990), que vigora há mais de um século em Portugal.

"A ALP estima um valor de 200.000 alojamentos (20% do mercado, portanto) que têm rendas muito baixas, uma acção social que é suportada durante décadas pelos donos dos imóveis (pois o Estado não atribui o subsídio previsto na lei aos arrendatários com carência económica)", pormenoriza, alertando para o facto de o congelamento de rendas perpetuar "rendas muito baixas a uma franja da população e hipoteca o futuro das gerações mais novas que precisam de uma solução de habitação que não encontram. É o caso dos estudantes universitários. É o caso dos jovens à entrada do mercado de trabalho".

Os proprietários "têm medo de dispor dos seus imóveis, que são fruto do seu trabalho e da sua poupança, e terem constantemente um alvo apontado e saqueados os seus direitos unilateralmente sem defesa ou reversão possível", sublinha Diana Ralha, presidente da ALP.

Além disso, o desagrado dos proprietários foi geral quando, na semana anterior ao anúncio dos resultados da 1ª fase do Concurso Nacional ao Ensino Superior, "um período em que tradicionalmente há um pico enorme de procura de arrendamento, o Governo lançou uma 'bomba atómica' no mercado do arrendamento".

Na opinião de Diana Ralha, este não poderia ter sido um "pior timing para anunciar que vai fixar administrativamente um aumento máximo da renda de 2% em 2023, contrariando o que está fixado na lei, e obrigando uma vez mais os senhorios a empobrecer para garantir liquidez aos seus inquilinos (de forma cega - inquilinos com rendimentos superiores aos dos seus senhorios têm essa mesma proteção, por exemplo)".

Por esse motivo, também os proprietários "têm medo de dispor dos seus imóveis, que são fruto do seu trabalho e da sua poupança, e terem constantemente um alvo apontado e saqueados os seus direitos unilateralmente sem defesa ou reversão possível", defende Ralha.

Questionada sobre se o perfil do arrendatário está mesmo a alterar-se, Ralha coloca o enfoque no perfil do senhorio ("idoso, com mais de 65 anos, tem até três imóveis arrendados, e aufere até 2100 euros brutos"), mas não descarta que seja mais seguro o arrendamento a trabalhadores: "De facto, emergiu o conceito de 'nómada digital' no pós-pandemia. Os nómadas digitais, tal como o alojamento local, o alojamento a estudantes, o co-living ou as residências séniores, são nichos do mercado de arrendamento em crescimento, mas que absorvem ainda uma fatia residual do mercado de arrendamento."

Diana Ralha assegura, no entanto, que o segmento "nómadas digitais" é "ainda marginal em peso e o senhorio tradicional (idoso) não está vocacionado para ele". Apesar disso, admite que seja de facto "mais seguro e mais rentável arrendar a trabalhadores deslocados: têm mais poder de compra, podem ser feitos contratos de duração mais pequena e não está enraizada a prática de incumprimento do pagamento de renda".

O Polígrafo quis ainda saber se o preço praticado pelos senhorios tem em conta os rendimentos do arrendatário, se estudante, mas Diana Ralha foca na fatia que é levada pelo Estado: "Quando [os estudantes] pagam mensalmente 350 euros por um quarto, com despesas incluídas (eletricidade, gás, água e internet - que aumentaram brutalmente), 100 euros são entregues de imediato aos cofres das Finanças. Ou seja, na verdade, estão a pagar 250 euros ao proprietário (que ainda tem que pagar IMI e AIMI - outros impostos sobre a propriedade imobiliária, condomínio e outras despesas de manutenção)."

Lei não protege arrendamento estudantil

Regina Santos Pereira, sócia e especialista na área imobiliária da sociedade SRS Advogados, explica ao Polígrafo que, apesar de haver vários regimes de arrendamento na lei, nenhum deles é específico para os estudantes: "A única coisa que existiu que, não sendo exclusiva ao estudante, servia ao estudante deslocado a mais de 50 quilómetros que podia pedir apoio ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), foi durante a pandemia, em 2020, quando o IHRU pôde participar no pagamento e ajudar a pagar as rendas às pessoas que tinham tido uma quebra nos rendimentos."

Para os senhorios que optaram, em 2022, por alterar o perfil do seu arrendatário, a lei não fixa imposições. Segundo Regina Santos Pereira estes podem, inclusive, escolher a renda, escolher arrendar um quarto ou a casa toda, sem que o que tenham praticado nos anos anteriores influencie essas escolhas. Estas alterações só deixam de ser livres a partir do momento em que há um contrato vigente, refere a especialista:

"Imagine-se que o estudante combinou com o senhorio que voltava para casa durante a pandemia e que depois regressava. Se, por acaso, houve um acordo - juridicamente uma suspensão do contrato - em que a renda não seria paga nesse espaço de tempo, mas que depois havia um retomar, aí o senhorio não pode recusar."

Se houve, porém, rescisão de contrato, o senhorio volta ao ponto-zero, ou seja, pode manter ou retirar a casa/quarto de mercado, pode estabelecer novos preços e também novas condições: o estudante que esteve um determinado período de tempo a arrendar um espaço não terá, após fim do contrato, prioridade algum sobre outro pretendente, no caso de pretender voltar a arrendar.

"É mau para o senhorio porque, se houver algum problema com o inquilino e for necessário recorrer aos tribunais, não ter contrato escrito faz com que este tenha que recorrer a um processo judicial, que é muito mais longo e mais caro", afirma Regina Santos Pereira, especialista da SRS Advogados.

Em termos práticos, o Polígrafo quis ainda saber a que devem os estudantes estar atentos no seu primeiro contrato de arrendamento. Isto, claro, nos casos em que há um contrato. Santos Pereira defende que escapar ao documento escrito não é benéfico nem para o senhorio nem para o inquilino, embora para este último haja escapatória:

"É mau para o senhorio porque, se houver algum problema com o inquilino e for necessário recorrer aos tribunais, não ter contrato escrito faz com que este tenha que recorrer a um processo judicial, que é muito mais longo e mais caro. Para o lado do inquilino não é tão mau, já que desde 2019 que a lei tem uma alteração que diz que, se o inquilino provar que pagou a renda durante mais de seis meses, considera-se que tem um contrato de arrendamento. Não há discussão."

Esta alteração à lei de 2019 permite, inclusive, que o inquilino "faça a prova do pagamento da renda por testemunhas", protegendo o arrendatário. Há no entanto situações em que a ausência de contrato também pode desproteger o estudante, nomeadamente aquando da cessação de um período de arrendamento: "Vamos supor que o estudante vai fazer um curso de três anos e que, no final do primeiro ano, decide sair daquela Faculdade e mudar de curso, deixando de precisar daquela casa. Se ele não tiver contrato escrito, não vai saber qual é a antecedência com que tem que avisar o senhorio."

Habitações a menos, um problema do Estado?

Os grupos parlamentares dos partidos da oposição, assim como proprietários ou arrendatários, não parecem satisfeitos com as medidas tomadas pelo Estado em relação à habitação nos últimos anos. Por isso, o Polígrafo questionou sociais-democratas, comunistas e bloquistas sobre as dificuldades no acesso ao alojamento por parte dos estudantes do Ensino Superior. Afinal, que papel tem um Executivo na proteção destes alunos? Que medidas podem e devem ser apresentadas no sentido de aliviar os estudantes relativamente às despesas com que agora se deparam? Que janelas pode a lei abrir para proteger arrendatário e senhorio?

Alexandre Poço, vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD, diz que Governo ignorou problema durante três anos e que, depois disso, "lançou em 2018 o Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior, com o objetivo de duplicar a oferta de camas em residências públicas, face às 15 mil existentes em 2018".

"Ora, à data de hoje, e segundo a informação oficial disponível no website do PNAES, existiam no final do ano passado 15.073 camas em residências públicas. Hoje, ao fim de quatro anos, o mesmo Governo que tem como objetivo chegar a 2026 com 30 mil camas na rede pública de residências, ainda não conseguiu aumentar a oferta, continuando o país com a mesma oferta de 15 mil camas públicas que tinha em 2018", especifica o PSD, para quem estes resultados "representam um falhanço total da política do Governo em matéria de alojamento estudantil".

"Ao fim de quatro anos, o mesmo Governo que tem como objetivo chegar a 2026 com 30 mil camas na rede pública de residências, ainda não conseguiu aumentar a oferta, continuando o país com a mesma oferta de 15 mil camas públicas que tinha em 2018", critica Alexandre Poço, deputado do PSD.

Este "gigantesco plano de promessas por cumprir e com os resultados que se conhecem" leva o PSD a defender que o Governo substitua "os planos e anúncios pela construção de mais residências e requalificação das residências existentes. Deve, igualmente, contratualizar com o setor social, autarquias, Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e setor privado a disponibilização de mais camas, que permitam obter um melhor preço por cama através de protocolos entre o Estado central e estes parceiros". O PSD põe de parte travão nos preços junto dos senhorios, mas diz ser importante "ponderar a necessidade de haver mais tempo entre o resultado das colocações dos estudantes no Ensino Superior e o início do ano letivo".

Mais à esquerda, o Grupo Parlamentar do PCP lamenta a falta de resposta ao nível das residências no ensino superior, que, associada "aos elevadíssimos custos com o alojamento, constitui um obstáculo e impede mesmo que muitos estudantes prossigam os seus estudos". Para os comunistas, "é da responsabilidade do Governo garantir a todos os jovens o direito a aceder aos mais elevados graus de ensino, em que se insere a garantia de alojamento para os estudantes do ensino superior".

"Os investimentos anunciados pelo Governo nos últimos anos para aumentar o número de camas, além de se revelarem insuficientes face às necessidades existentes, não têm sido concretizados, mesmo que aprovados na Assembleia da República e com verbas do Orçamento do Estado. É prioritário o investimento público no aumento de número de camas para estudantes do ensino superior, seja por requalificação ou construção de novas residências e o reforço do complemento de alojamento no âmbito da ação social escolar, quer nos montantes, quer no alargamento do seu acesso", argumentam.

"Porque o Governo deixou os estudantes à mercê do mercado de arrendamento inflacionado e especulado. Porque viu esse problema a agravar-se nos últimos anos e pouco ou nada fez. Porque não criou serviço público", acusa a bloquista Joana Mortágua.

Da mesma opinião é Joana Mortágua, deputada bloquista que interveio esta tarde no parlamento, em reunião plenária, precisamente sobre este tema: "Pelas estatísticas, 21 mil dos 50 mil alunos colocados no Ensino Superior estão deslocados da sua área de residência e não conseguem ultrapassar o primeiro obstáculo de entrada na faculdade, que é conseguir alojamento no sítio onde foram colocados."

A deputada focou-se na quebra de alojamento disponível e dirigiu uma crítica à Associação Lisbonense de Proprietários, "mas não sem antes deixar claro que o absurdo dos proprietários não iliba as responsabilidades do Governo na falta de apoio aos estudantes universitários e na crise de alojamento que já se fazia sentir nos últimos anos:

"Por isso, quando a ALP anuncia a decisão concertada dos proprietários de não colocarem as suas casas no mercado de arrendamento, nós somos obrigados a perguntar: 'Porquê?' E a única resposta que interessa é: 'Porque pode'. Porque o Governo deixou os estudantes à mercê do mercado de arrendamento inflacionado e especulado. Porque viu esse problema a agravar-se nos últimos anos e pouco ou nada fez. Porque não criou serviço público. Porque numa coisa os liberais têm razão: o mercado é assim, não reconhece direitos nem ajuda ninguém, esse é o papel do Estado e é por isso que o Estado tem de ser forte."

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