
“Comité alemão acusa OMS de crimes contra a humanidade”. Este é o título de um texto colocado a circular na Internet e que dissemina as alegações do advogado Reiner Fuellmich de que foram cometidos vários crimes graves na gestão da crise de saúde pública provocada pelo SARS-CoV-2 em todo o mundo, um caso a que o causídico alemão chama “Escândalo Corona”.

A publicação conta ainda que Fuellmich representa o “German Corona Investigation Comitee, um grupo de médicos e advogados independentes que questiona a existência de uma pandemia de coronavírus”. Tudo porque acreditam que os exames de despistagem feitos atualmente não são capazes de detetar uma infeção provocada pelo SARS-CoV-2. Assim, alegam que o mundo estará perante uma "pandemia de testes PCR".
Quem é Reiner Fuellmich?
Admitido na Ordem dos Advogados da Alemanha em 1992, segundo a plataforma de verificação de factos “AFP Checamos”, Fuellmich tem um escritório de advocacia na cidade de Göttingen. Em 20210, por exemplo, representou 4500 clientes do banco HypoVereinsbank numa ação contra a esta instituição financeira. Também processou o maior banco alemão, o Deutsche Bank, numa ação que intentou juntamente com o colega Michael Bondorf.
Estes processos são referidos por Fuellmich num vídeo de 49 minutos publicado no Youtube a 3 de outubro - e que foi removido, após aproximadamente um milhão de visualizações, por violar as normas da plataforma de divulgação de vídeos.
Na mensagem aos seguidores, o advogado anuncia que pretende iniciar uma nova ação coletiva juntamente com uma rede de advogados que nega a Covid-19. No site “Corona-Schadensersatzklage” (Queixa por Danos Corona, em tradução livre), conta-se que o processo seria movido contra Christian Drosten, diretor do Instituto de Virologia do Charité Hospital de Berlim e assessor do governo germânico para os temas da Covid-19, acusado de “enganar” as pessoas ao afirmar que os testes PCR são capazes de detetar a infeção provocada pelo novo coronavírus. Quem quiser participar no processo pagará uma taxa de 800 euros, sendo que tem direito a 10% do eventual valor ganho com uma indemnização.
Fuellmich é ainda co-fundador do “Comité Corona”, cujo objetivo é esclarecer se as medidas de combate à pandemia de Covid-19 eram necessárias e processar o governo alemão pela gestão da crise de saúde pública.
As informações enganadoras e falsas
- "Testes PCR não são capazes de detetar a infeção provocada pelo SARS-CoV-2"
Este é o principal argumento de Fuellmich para garantir que a pandemia provocada pelo novo coronavírus é uma “fraude”. O advogado assegura que este exame realizado em todo o mundo para determinar se um doente é ou não portador do vírus “é incapaz de diagnosticar qualquer doença”. Esta teoria e outras muito semelhantes, defendidas pelos movimentos negacionistas da Covid-19, já foram desmentidas várias vezes.
Como explicou o Polígrafo, o teste PCR, commumente conhecido por "teste da zaragatoa", deteta o RNA (ácido ribonucleico) do vírus. Cada vírus tem um RNA diferente e uma sequência genética diferente. Segundo Pedro Simas, virologista do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa, "a técnica PCR é completamente específica e distingue qualquer vírus".
Segundo Pedro Simas, virologista do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa, "a técnica PCR é completamente específica e distingue qualquer vírus".
Também Ricardo Mexia, epidemiologista e presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), garante que os testes PCR são “tendencialmente muito específicos" e não existe, por exemplo, a possibilidade de se estar "a diagnosticar Covid-19 que afinal era gripe”.
À “AFP”, Cédric Carbonneil, da Alta Autoridade da Saúde francesa, disse que se “estima que a especificidade dos PCR seja da ordem dos 99%”, o que torna muito raro os resultados “falsos positivos”.
- "A OMS mudou a definição de pandemia antes da crise de 2009"
No vídeo retirado de circulação, revela a “AFP Checamos”, Fuellmich alega que a OMS mudou a definição de pandemia há 12 anos, antes da crise de saúde pública provocada pelo vírus H1N1 da influenza (gripe A ou gripe suína). “Devido à alteração, a OMS, que tem laços estreitos com a indústria farmacêutica mundial, pôde declarar a pandemia de gripe suína em 2009”, diz no vídeo.
Esta acusação tornou-se viral na época e foi desmentida pela própria OMS. Num comunicado publicado em julho de 2011, o organismo explicou que “não mudou a sua definição de pandemia de influenza pela simples razão de que nunca tinha sido formalmente definido o que é uma pandemia de influenza”.
Num comunicado publicado em julho de 2011, o organismo explicou que “não mudou a sua definição de pandemia de influenza pela simples razão de que nunca tinha sido formalmente definido o que é uma pandemia de influenza”.
Já durante a crise de Covid-19, fontes da OMS reiteraram que a organização não tem uma definição oficial para pandemia, baseando-se no documento “Guia da OMS para fundamentar e harmonizar as medidas nacionais e internacionais de preparação e resposta perante uma pandemia” para formar o conceito.
Este guia de 2017 é uma atualização de dois documentos anteriores, 2005 e 2009, que incluem a caracterização de várias fases para orientar as autoridades em caso de pandemia. No seu site, a OMS explicou que foram as descrições das fases pandémicas foram “revistas para serem mais fáceis de entender, mais precisas e basearem-se em fenómenos observáveis”.

- “O novo coronavírus não provocou aumento de mortalidade em nenhum país do mundo”
Na mensagem aos seus apoiantes, Reiner Fuellmich assegura que “o alegadamente ‘novo’ e ‘altamente perigoso’ coronavírus não provocou qualquer aumento da mortalidade em nenhum país do mundo e muito menos na Alemanha”.
Como explica a “AFP Checamos”, ainda que seja verdade que os números não mostram um aumento significativo da mortalidade na Alemanha durante este ano, é falso afirmar que o mesmo não aconteceu noutros países.
Um estudo realizado em Itália, recorrendo aos métodos utilizados para apurar a mortalidade provocada pela gripe sazonal, mostrou que o número de mortes no país aumentou 100% em março de 2020 comparativamente aos anos anteriores.
Um estudo realizado em Itália, recorrendo aos métodos utilizados para apurar a mortalidade provocada pela gripe sazonal, mostrou que o número de mortes no país aumentou 100% em março de 2020 comparativamente aos anos anteriores.
Na Bélgica, um estudo semelhante concluiu que a mortalidade registada em abril deste ano aproximou-se pela primeira vez dos números registados no país durante a Segunda Guerra Mundial.
O Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos francês, por seu turno, explicou que, “nos últimos 20 anos, na França Metropolitana, dois eventos provocaram um forte aumento do número de mortes: a onda de calor do verão de 2003 e a Covid-19 na primavera de 2020”.
No portal Euromomo, que agrega e compara os dados oficiais de mortalidade de 26 países europeus, também é possível verificar os picos nos países mais afetados pela crise do novo coronavírus: os resultados indicam números 1,5 e 4 vezes superiores à mortalidade registada durante os períodos de gripe sazonal.
- "Há médicos a serem pagos para declarar mortes por Covid-19 ocultando o verdadeiro motivo do óbito"
Sem fornecer fontes ou provas, Fuellmich cita “inúmeros relatos credíveis” para assegurar que “médicos que trabalham em hospitais de todo o mundo receberam dinheiro para declarar mortes por Covid-19 em vez de registarem a verdadeira causa de morte na certidão de óbito”.
Rumores semelhantes foram propagados em pelo menos três países europeus e desmentidos pelas autoridades de saúde, hospitais e profissionais de saúde. Em maio, garantia-se que os médicos britânicos recebiam 120 libras (133 euros) para declarar uma morte por Covid-19. Outra causa de morte era paga apenas com 75 libras (83 euros). Como explicou à equipa de verificação de factos da "Reuters" a Associação Britânica de Medicina, os médicos não recebem qualquer tipo de pagamento para preencherem uma certidão de óbito.
Em maio, garantia-se que os médicos britânicos recebiam 120 libras (133 euros) para declarar uma morte por Covid-19.
Na Bélgica, foram várias as publicações que alegavam existir um “subsídio de 5 mil euros pago por cada morte provocada pelo novo coronavírus”. Uma acusação negada pelos hospitais belgas e as autoridades federais.
Em França, os rumores garantiam que eram pagos “incentivos financeiros” entre os 55 euros e os 5 mil sempre que a “caixa covid” fosse assinalada nas certidões de óbito. "Uma fantasia", garantiu à "AFP" François Simon, representante da Ordem de Médicos do país.
