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Reações adversas às vacinas da Covid-19. Porque é que afetam desproporcionalmente as mulheres?

Este artigo tem mais de um ano
No último relatório do Infarmed sobre as reações adversas às vacinas da Covid-19 em Portugal verifica-se uma significativa disparidade entre homens e mulheres na distribuição dos casos reportados. De um total de 5.665 notificações de efeitos secundários das vacinas, 1.100 tiveram origem em homens e 3.991 tiveram origem em mulheres. Como é que se explica esta desproporção entre sexos?

O Portal de Notificação de Reações Adversas (RAM) é um sistema de notificações ao nível nacional que possibilita que os profissionais de saúde e utentes possam comunicar à Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) casos de efeitos secundários de um determinado medicamento. Esta ferramenta assegura uma constante monitorização da segurança e da avaliação do risco/benefício de fármacos. No entanto, uma vez que os efeitos adversos podem ser comunicados por qualquer pessoa, não há uma comprovada relação de causa/efeito, importa começar por ressalvar.

De acordo com o último “Relatório vacinas contra a Covid-19 – Reações Adversas (RAM) em Portugal”, do Infarmed, emitido no dia 14 de maio de 2021, foram registadas 5.665 notificações até ao dia 13 de maio, sendo que cerca de 73% dos efeitos adversos relatados correspondiam à administração da vacina da Pfizer/BioNTech, 22% à vacina da Astrazeneca e 5% à vacina da Moderna.

Tendo em atenção que 64% do total de doses administradas em Portugal foram da vacina da Pfizer/BioNTech, até ao dia 13 de maio, não surpreende que a maior parte dos casos de efeitos secundários estejam relacionados com essa vacina em específico.

Os efeitos secundários mais reportados foram os seguintes: dores musculares/articulares (2.620); cefaleias (1.717); febre (1.566); astenia, fraqueza ou fadiga (965); náuseas (672); tremores (587); linfadenopatia (512); eritema, eczema ou rash (406); e parestesias (400).

Na distribuição dos casos por sexos é evidente uma significativa disparidade entre homens e mulheres. No total contabilizam-se 3.991 efeitos adversos reportados por mulheres (2.215 efeitos não graves e 1.776 a efeitos graves) que contrastam com apenas 1.100 efeitos adversos reportados por homens (676 efeitos não graves e 434 efeitos graves). De sexo desconhecido foram comunicados ainda 564 efeitos secundários, dos quais 321 correspondem a efeitos não graves e 243 a efeitos graves.

Como é que se explica esta desproporção entre sexos?

Questionado pelo Polígrafo, João Gonçalves, diretor do Instituto de Investigação do Medicamento (iMed) e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, indica que “ocorre porque o sistema imunitário das mulheres, devido ao estrogénio, responde muito mais às infeções e é muito mais forte a produzir anti-corpos do que o dos homens. As mulheres em idade reprodutiva têm uma maior predisposição a ter efeitos secundários precisamente porque o sistema imunitário responde mais depressa. As doenças auto-imunes também são mais comuns em mulheres e tem a ver exatamente com essa resposta mais exacerbada do sistema imunitário”.

“Ocorre porque o sistema imunitário das mulheres, devido ao estrogénio, responde muito mais às infeções e é muito mais forte a produzir anti-corpos do que o dos homens. As mulheres em idade reprodutiva têm uma maior predisposição a ter efeitos secundários precisamente porque o sistema imunitário responde mais depressa”, esclarece João Gonçalves.

Por outro lado, Gonçalves aponta também a quantidade de vacina administrada. “A quantidade de vacina a administrar determina-se através do peso corporal do homem. E as mulheres podem levar uma quantidade de vacina um bocadinho mais elevada para o peso que têm. Mas isto também acontece na vacina da gripe e do HPV”.

Fatores sociais ou culturais, nomeadamente a menor predisposição dos homens para reportarem efeitos adversos, também podem influir nesta desproporção de casos entre sexos. “Devem sentir alguma coisa, provavelmente acabam é por não comunicar esses efeitos adversos“, conclui Gonçalves.

Portugal já administrou mais de 4 milhões de vacinas contra a Covid-19, tendo atingido a meta de 30% da população vacinada com pelo menos uma dose no dia 11 de maio. Por vacinar estão ainda alguns grupos etários, nomeadamente as crianças e jovens com menos de 17 anos, mas fará sentido falar de um processo de vacinação para os 100%? E, se sim, por que vias?

Também contactada pelo Polígrafo, Helena Soares, imunologista e investigadora principal do Laboratório de Imunobiologia e Patogénese do Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Universidade Nova de Lisboa, aponta no mesmo sentido: “As mulheres têm um sistema imunitário mais reativo que faz com que as vacinas dêem origem a uma melhor resposta. O lado menos positivo é que têm mais efeitos secundários, mas significa precisamente que o sistema imunitário está a funcionar“.

Soares indica que essa maior reação está ligada a “fatores genéticos e hormonais” e destaca que há mesmo um debate em curso precisamente sobre “a correção da dose das vacinas nas mulheres“.

O facto de os homens terem pior prognóstico em relação à Covid-19 também deriva da resposta imunitária mais forte das mulheres, embora não se verifique apenas na doença provocada pelo novo coronavírus. “É transversal a todas as doenças infeciosas“, explica a imunologista.

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