A palavra cancro continua a ter um grande peso. O diagnóstico é um momento difícil para o paciente, que poderá ter de enfrentar tratamentos agressivos para controlar o tumor e, em alguns casos, poderá não sobreviver à doença.
Embora os tratamentos estejam cada vez mais avançados e o cancro nem sempre seja uma sentença de morte, existem alguns cancros mais mortais do que outros, tal como se pode verificar ao consultar os dados do GLOBOCAN 2022 – um relatório desenvolvido pela Agência Internacional para a Investigação do Cancro e pelo Observatório Global para o Cancro. Eis os 7 cancros mais mortais.
1 – Cancro do pulmão
O cancro do pulmão é o tipo de tumor com maior taxa de mortalidade, tanto mundialmente como em Portugal. Em 2022, o cancro do pulmão causou a morte a mais de 1,8 milhões de pessoas, o que corresponde a uma taxa de mortalidade de 18,7%. Em Portugal, a taxa de mortalidade é ligeiramente inferior, ficando nos 15%.
Margarida Dias, secretária da Comissão de Pneumologia Oncológica da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e membro da Comissão Científica do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão, explica que o cancro do pulmão é “muito frequente” e “agressivo”.
Além disso, os sintomas deste tipo de tumor são “inespecíficos” e só começam a surgir “em fases muito avançadas” da doença oncológica. O cancro do pulmão pode provocar “tosse, falta de ar, perda de peso” ou estar associado ao aparecimento de “infeções respiratórias de repetição”.
“Quando o tumor está disseminado, a probabilidade de sucesso do tratamento é muito menor”, acrescenta a especialista, sublinhando que os “tratamentos adormecem a doença oncológica, mas não são curativos”.
Também Fernando Kellen, oncologista no IPO Lisboa, sublinha que este tipo de tumor é “agressivo” e, geralmente, “diagnosticado numa fase avançada”. Além disso, a “localização intratorácica e as complicações associadas, como infeções e outros distúrbios pulmonares, contribuem bastante para a elevada mortalidade”, acrescenta.
Paulo Santos, especialista em Medicina Geral e Familiar e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), refere que a mortalidade por cancro do pulmão é justificada por uma “conjugação de fatores”: por um lado, trata-se de um cancro “mais severo” que pode causar “modificação do desenvolvimento celular” e, por outro, é um tumor que “não dá sintomas até uma fase muito avançada”.
A maioria dos sintomas do cancro do pulmão podem ser confundidos com sintomas associados ao tabagismo – o principal fator de risco para este tipo de tumor. Tal como revela Margarida Dias, “80% a 85% dos casos de cancro do pulmão ocorrem em pessoas que fumam ou fumaram”.
Os três especialistas referem que não existe, atualmente, um programa de rastreios implementado em Portugal que permita detetar precocemente este tipo de tumor. Um grupo de peritos de várias organizações portuguesas recomendou, em 2024, a criação de um programa de rastreio do cancro do pulmão.
“Um diagnóstico precoce é um fator fundamental pois, quando diagnosticado precocemente, o cancro do pulmão tem maior hipótese de cura, podendo a taxa de sobrevivência aos cinco anos superar os 90%”, pode ler-se no texto publicado no site da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
2 – Cancro colorretal
O cancro colorretal (também identificado como cancro do colón e do reto) tem uma “alta incidência” e o diagnóstico é, “muitas vezes, tardio”, explica Fernando Kellen. Estes dois fatores fazem com seja o segundo tipo de cancro mais mortal, tanto em Portugal como no mundo.
Em 2022, segundo dados do GLOBOCAN, foram registadas mais de 904 mil mortes devido a este tipo de tumor, o que representa uma taxa de mortalidade de 9,3%. Em Portugal, a taxa de mortalidade por cancro colorretal é superior, situando-se nos 14,2%.
Paulo Santos lembra que o cancro colorretal é “o mais comum na população portuguesa”. De facto, em 2022 foram diagnosticados 10,5 mil novos casos, o que corresponde a uma taxa de incidência de 15,2% – a mais alta no país.
Quando diagnosticado numa fase precoce, é possível “alterar o prognóstico” e “sobreviver ao cancro colorretal”, acrescenta o médico. Em Portugal, existe um programa de rastreio de base populacional, contudo, a “adesão da população é baixa, o que contribui para o diagnóstico tardio”, lamenta Fernando Kellen.
O rastreio é gratuito para os indivíduos entre os 50 e os 74 e traduz-se numa “pesquisa de sangue oculto nas fezes”. Deve ser realizado a cada dois anos e, se forem encontrados sinais de potencial doença oncológica, o paciente é indicado para fazer uma colonoscopia.
3 – Cancro do estômago
Em Portugal, o cancro do estômago tem uma taxa de mortalidade superior à registada nos dados gerais. Surge em terceiro lugar no relatório da GLOBOCAN referente à população portuguesa (com taxa de mortalidade de 7,6%), mas é o quinto mundialmente (com 6,8%).
Paulo Santos explica que a diferença de mortalidade entre Portugal e os restantes países poderá estar associada a “fatores culturais”, nomeadamente “fatores alimentares e exposição ambiental”, aos quais se juntam “hábitos alcoólicos e tabágicos” da população.
O médico lembra que não existe um programa de rastreio para este tipo de doença oncológica em Portugal e que o diagnóstico tardio afeta o prognóstico do paciente.
No mesmo sentido, Fernando Kellen afirma que o “diagnóstico tardio” é uma das razões para a “elevada taxa de mortalidade” deste tipo de cancro, mas ressalva que a “incidência tem vindo a descer ao longo dos anos”.
4 – Cancro da mama
O cancro da mama é o principal cancro diagnosticado nas mulheres e o segundo quando se considera ambos os géneros. Por ser tão frequente, existe um elevado número de mortes associadas a este tipo de tumor. No entanto, a proporção de pacientes a sobreviver mais cinco anos é a mais elevada – tanto em Portugal como no mundo.
Dados do GLOBOCAN avançam que, em 2022, o cancro da mama foi diagnosticado a perto de 8,9 mil portugueses e causou a morte a 2,2 mil pacientes. É, por isso, o quarto no ranking da mortalidade, com uma taxa de 6,8% a nível mundial e de 6,5% em Portugal.
Apesar da “alta incidência”, o cancro da mama é um tumor “com boas taxas de cura na doença localizada ou localmente avançada”, afirma Fernando Kellen. Em 2022, mais de 36 mil pacientes continuavam vivos cinco ou mais anos após o diagnóstico. Paulo Santos acrescenta que este é “um dos cancros mais diagnosticados” em Portugal.
Ambos os especialistas destacam a importância do programa de rastreio no diagnóstico precoce do cancro da mama. “O rastreio salva vidas. Não porque diminuímos o número de cancros, mas porque conseguimos diagnosticá-los numa altura em que a probabilidade de oferecer uma cura é muito maior”, afirma Paulo Santos
Iniciado em 1990 pela Liga Portuguesa Contra o Cancro, o programa de rastreio leva unidades móveis de mamografia, de forma itinerante, de norte a sul do país. O rastreio é, atualmente, direcionado às mulheres entre os 45 e os 74 anos, aconselhando-se a repetição do exame de dois em dois anos.
Entre 1990 e 2024, foram realizados “mais de 6,1 milhões de mamografias e cerca de 36.000 mulheres foram encaminhadas para diagnóstico e tratamento hospitalar”.
5 – Cancro do pâncreas
Por ser um tumor “silencioso até ao surgimento de sintomas”, o cancro do pâncreas é diagnosticado tardiamente e, por isso, tem uma “elevada mortalidade”, esclarece Fernando Keppler. Segundo o GLOBOCAN, ocupa o quinto lugar ao nível do número de mortes em Portugal, mas é o sexto quando se analisam os dados de todos os países.
Além do diagnóstico tardio, também a localização do tumor e o potencial “envolvimento de estruturas nobres” pode dificultar a realização de uma intervenção cirúrgica, acrescenta o oncologista.
Paulo Santos acrescenta que o cancro do pâncreas é, para muitos, uma declaração de morte. “Não temos tratamentos realmente eficazes para este tipo de tumor. Conseguimos prolongar a vida do paciente, com um impacto que não é saudável, mas não conseguimos mudar a história”, afirma.
Também o Serviço Nacional de Saúde (SNS) refere que, embora possam ser indicadas terapêuticas como radioterapia, quimioterapia ou terapêuticas combinadas, “o único tratamento que pode curar efetivamente o cancro é a cirurgia radical, em que é retirado o pâncreas afetado e os gânglios regionais”. No entanto, esta cirurgia é “complexa”.
O tabagismo é o principal fator de risco para o aparecimento de cancro do pâncreas. Também casos de obesidade, diabetes mellitus, pancreatite crónica são conhecidos fatores de risco para o desenvolvimento deste tipo de tumores. Se houver familiares diretos – pais, irmãos ou filhos – com cancro do pâncreas, poderá haver uma maior predisposição para esta doença oncológica.
6 – Cancro da próstata
À semelhança do cancro da mama, também o cancro na próstata tem “uma incidência bastante elevada”, diz Fernando Kellen, ressalvando que, “felizmente, na maioria dos casos, [o tumor] tem um comportamento indolente”.
Contudo, em algumas situações, o cancro da próstata pode assumir “formas agressivas”, o que confere um “grande desafio para a comunidade oncológica médica e de urologia”, refere ainda o oncologista do IPO Lisboa.
No mesmo sentido, Paulo Santos sublinha que “a maior parte dos cancros da próstata não têm impacto na sobrevida do paciente”.
Dados do GLOBOCAN colocam este tipo de tumor no segundo lugar do top de sobrevida a cinco anos, com valores muito próximos dos registados no cancro da mama (que ocupa o primeiro lugar da lista).
Apesar da elevada incidência, não está implementado um rastreio de base populacional em Portugal para o cancro da próstata. Existe um “rastreio oportunista”, que é “realizado caso a caso, após uma discussão partilhada entre o médico – habitualmente médico de família ou urologista – e o utente”, explica Fernando Kellen. Há indicação para uma maior vigilância em populações com alterações genéticas específicas.
7 – Cancro do fígado
O cancro do fígado é o sétimo cancro mais mortal em Portugal, mas surge em terceiro lugar na tabela mundial, segundo dados da GLOBOCAN. A taxa de mortalidade global (7,8%) é quase o dobro da registada em Portugal (4,8%).
Apesar de não ser dos tumores mais comuns em Portugal, o cancro do fígado “pode ser acompanhado, em muitas circunstâncias, por cirrose hepática (dano irreversível do fígado)”, o que justifica a elevada taxa de mortalidade, esclarece Fernando Keppler.
Também Paulo Santos, sublinha que este cancro “tem um prognóstico muito reservado e evolui muito rapidamente para a morte”.
Os principais fatores para o aparecimento de tumor neste órgão são infeções pelos vírus da Hepatite B e C, alcoolismo, cirrose, aflatoxina ou esteatose hepática (conhecida como gordura no fígado). Também o uso de esteroides anabolizantes pode aumentar o risco de cancro do fígado.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do “Vital”, um projeto editorial do Viral Check e do Polígrafo que conta com o apoio da Fundação Champalimaud.
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