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O que significa ter um cancro em estadio IV? Como se faz o estadiamento?

Quando uma pessoa é diagnosticada com cancro também é informada sobre se é um tumor em estadio I, II, III ou IV. Saiba o que significam esses números e como são definidos.

Certamente, já ouviu dizer que alguém foi diagnosticado com um cancro em estadio I, II, III ou IV. Mas o que significam esses números e como são definidos? E servem para todo o tipo de cancro?

Ana Bela Sarmento, professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), explica que o estadiamento de um cancro é feito para ter “uma ideia da extensão do tumor”: avaliar o tamanho do tumor primário, se se espalhou para outras partes do corpo e o números de gânglios linfáticos afetados, por exemplo. E nem sempre o estadiamento é feito da mesma forma: diferentes tipos de tumores têm diferentes sistemas de estadiamento.

Como se faz o estadiamento de um cancro?

“A extensão de um tumor é geralmente avaliada através de exames imagiológicos”, como tomografias computadorizadas (TAC) ou tomografias por emissão de positrões (PET), diz a docente da FMUC. O importante é que seja possível avaliar “o tumor inicial e todo o organismo”, já que é necessário determinar vários componentes do cancro do doente. Um erro no estadiamento pode levar a uma terapêutica menos adequada.

Tendo em conta o resultado, é possível ter uma noção mais precisa da “agressividade” e do prognóstico da doença, da forma como vai evoluir. É possível que perante dois doentes com o mesmo tipo de cancro, mas em estadios diferentes, o corpo clínico siga duas abordagens distintas

“Depois temos que avaliar o risco porque as estratégias terapêuticas vão depender não só do estadiamento, mas também da estratificação do risco”. Há alguns sistemas de estadiamento, principalmente no caso das leucemias, que se baseiam apenas na ideia da estratificação do risco, nota Ana Bela Sarmento. 

Que sistemas existem?

Os cancros não são todos iguais. No caso do estadiamento, as principais diferenças são entre cancros sólidos (aqueles que se desenvolvem a partir de células em órgãos sólidos e tecidos específicos) e hematológicos (os que afetam o sangue, medula e sistema linfático). Há vários sistemas que permitem fazer o estadiamento de cancros, mas a professora da FMUC, especialista em hematologia, destaca três.

TNM

O TNM é o sistema mais utilizado em tumores sólidos. Desmontando a sigla, o T diz respeito ao tamanho tumor primário, o N ao número de gânglios linfáticos (nodes, em inglês), e o M às metástases. Todos esses dados são obtidos através de exames imagiológicos.

“Dependendo do tamanho” e da disseminação pelos tecidos próximos, um tumor pode ser classificado como T1, T2, T3 ou T4 — quanto maior o número, maior o tumor ou mais profunda a disseminação. Da mesma forma, N1, N2, N3 e N4 indicam o número de gânglios afetados: também aqui, quanto maior o número a seguir ao N, maior a disseminação — N0 significa que não há linfonodos afetados. Quanto às metástases, MX significa que não foi possível avaliá-las, M0 indica que não existem e M1 quer dizer que o cancro já se espalhou para outras zonas. 

Um tumor primário sólido que seja pequeno, com alguma disseminação para os gânglios linfáticos (pelo menos dois) e que tenha metastizado pode assim ser classificado como T1N2M1. Esses códigos podem ser convertidos para os termos mais conhecidos, que designam o estadio global do cancro e vão de I a IV. Um cancro em estadio I (T1N0M0) pode ser removido cirurgicamente. Por outro lado, quando se fala em estadio IV, o cancro já terá metastizado, invadindo outras partes do corpo.

Ann Arbour

Para o estadiamento de linfomas, o mais comum é utilizar-se o sistema Ann Arbour. “É em numeração romana, do I ao IV, e ainda se podem adicionar letras”, explica a médica. 

Num linfoma em estadio I apenas um gânglio linfático ou grupo de gânglios adjacentes foram afetados. Quando se declara que o linfoma é estadio II significa que há duas ou mais regiões afetadas do mesmo lado do diafragma (músculo entre o peito e o abdómen). Um linfoma em estadio III é aquele que afeta regiões de gânglios linfáticos de ambos os lados diafragma

(acima e abaixo do diafragma), ou seja toráx e abdómen. Num linfoma de estadio IV, o cancro está espalhado por várias zonas, podendo atingir a medula óssea e órgãos, como o pulmão ou o fígado.

Quanto às letras, para um tumor ser caracterizado com a letra A é preciso que os doentes não registem grandes perdas de peso (mais de 10% em meio ano) nem suores noturnos intensos, nem febre de causa inexplicada.

Se o doente tem esses sintomas, surge a letra B a acompanhar a numeração romana. “Também se pode acrescentar a letra X, no caso de tumores com mais de 10 centímetros, ou seja, com mais carga tumoral, e a letra S indica o envolvimento do baço”.

Todas estas características “ajudam ao melhor estadiamento e isso tem depois repercussões também no prognóstico e, sobretudo, na abordagem terapêutica”, explica Ana Bela Sarmento. “Há doentes com determinado tipo de linfomas que estão num estadio I, sem sintomas B e que podem ser doentes que sejam só para vigiar na primeira fase”.

Rai e Binet

Em doentes com leucemia linfocítica crónica, utiliza-se muitas vezes o sistema de estadiamento Rai, que vai desde o estadio 0 até ao IV. 

Este tipo de cancro faz com que haja uma enorme proliferação de linfócitos, os doentes “têm uma linfocitose, só que são linfócitos malignos”. Se o doente “só tem linfocitose, trata-se de um estadio 0 no Rai”, explica Ana Bela Sarmento. “Se tem linfocitose e adenopatias [aumento dos gânglios linfáticos], já muda de estadio e passa a ser I”. “Uma anemia, uma trombocitopenia, um aumento do baço ou do fígado também altera o estadiamento”, as características são avaliadas e define-se se aquela leucemia está num estadio 0, I, II, III ou IV.

Outro dos sistemas mencionados pela hematologista é o Binet, que estadia as leucemias de A a C, avaliando o número de gânglios linfáticos afetados (mais ou menos e 3) e a ausência ou presença de anemia e ou trombocitopenia, independentemente do número de gânglios afetados.


Este artigo foi desenvolvido no âmbito do “Vital”, um projeto editorial do Viral Check e do Polígrafo que conta com o apoio da Fundação Champalimaud.

A Fundação Champalimaud não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores da iniciativa.

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