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Cinco polémicas que envolveram a ministra Marta Temido

Este artigo tem mais de um ano
Atravessou mais de dois anos de pandemia – período em que ganhou mais popularidade – e vai no terceiro Governo. Protagonizou vários episódios controversos nestes quase quatro anos como ministra da Saúde: dos enfermeiros à resiliência dos médicos. Eis alguns deles.

1. Outubro de 2018: “Criminoso”, a figura retórica que obrigou a um pedido de desculpas aos enfermeiros

Dois meses e um dia após ter tomado posse como ministra da Saúde, Marta Temido protagonizou a primeira grande polémica. Em tempo de greve dos enfermeiros e de negociações com três sindicatos e rutura com outros dois, a sucessora de Adalberto Campos Fernandes entendeu fazer uma distinção entre os dois grupos.

Assim, em entrevista à TSF e “Diário de Notícias”, no dia 16 de dezembro de 2018, declarou: “Nem sequer isso [negociar com os sindicatos em greve] seria correto para com as estruturas que decidiram dar-nos o benefício de continuar à mesa e a negociar connosco, portanto isso estaria a privilegiar, digo eu, o criminoso, o infrator.”

As declarações da ministra foram tomadas à letra e nas manchetes surgiu “ministra chama criminosos aos enfermeiros”. O incómodo da situação levou mesmo a ministra a telefonar no dia seguinte à bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, pedindo desculpas e sublinhando nunca ter querido chamar criminosos àqueles profissionais. O telefonema foi divulgado pela Ordem, em comunicado.

 

2. Dezembro de 2018: A PPP no Hospital de Braga: a indisponibilidade para continuar que afinal não o era

Novas declarações de Marta Temido estiveram na origem de um tumulto na saúde, mas desta vez foram apenas a evidência do desentendimento entre parceiros.

Na comissão parlamentar de saúde, a 12 de dezembro, a ministra da saúde adiantou que a Parceria Público-Privada (PPP) no Hospital de Braga iria terminar por “indisponibilidade definitiva do parceiro privado para continuar a operar” (Grupo Mello), para prosseguir a concessão, designadamente quanto ao prolongamento excecional do contrato então vigente (até agosto de 2019), visto que o concurso público para a exploração daquele hospital (que ainda não tinha sido lançado) já não conseguiria ser concluído a tempo de um novo contrato suceder, sem hiatos temporais, ao que terminaria.

Seguiu-se, de imediato, o desmentido da José de Mello Saúde, garantindo ter estado “desde o primeiro momento, disponível para o prolongamento do contrato de gestão da parceria público-privada do Hospital de Braga, dentro do atual modelo contratual, desde que esclarecidas as condições de execução do contrato e da sustentabilidade financeira da parceria”.

Nas semanas posteriores, Governo e Grupo Mello acabaram por mostrar divergências insanáveis quanto às condições de um eventual novo contrato (e mesmo à interpretação do que ainda estava em vigor) e a PPP não foi mesmo renovada.

 

3. Março/abril de 2019: Sindicância à Ordem dos Enfermeiros

Tão raro como uma Ordem profissional impulsionar uma greve será um Governo determinar uma sindicância a uma Ordem.

A suspeita de que a Ordem dos Enfermeiros teve uma participação ativa na organização das duas temporadas da chamada “greve cirúrgica” (novembro/dezembro de 2018 e a que se iniciou a 31 de janeiro de 2019) levou o Executivo a pedir uma investigação àquela ordem.

António Costa deu o primeiro sinal de que tal poderia acontecer numa entrevista à SIC, mas foi Marta Temido, em março/abril de 2019, a concretizar formalmente esse(s) pedido(s): exposição à Procuradoria-Geral da República e, especificamente, a sindicância da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde.

 

4. Novembro de 2021: Médicos mais resilientes e… novo pedido de desculpas

Depois de 2020 e 2021 tão difíceis – devido à pandemia – em que Marta Temido emergiu como um dos governantes com maior popularidade, uma frase sua, a 25 de novembro de 2021, na comissão parlamentar de saúde, acendeu, novamente, o rastilho da controvérsia: [em resposta à pergunta do deputado do CDS, Miguel Arrobas, por que razão os médicos não se fixam no Serviço Nacional de Saúde] “E também é bom que todos nós, como sociedade, e isto envolve várias áreas, pensemos nas expectativas e na seleção destes profissionais. Porque, porventura, outros aspetos como a resiliência são aspetos tão importantes como a sua competência técnica. Estas são profissões, de facto, que exigem uma grande capacidade de resistência, de enfrentar a pressão e o desgaste e temos que investir nisso.”

O referente (médicos) e o respetivo atributo reclamado (resiliência) dessa declaração da ministra da saúde foram justamente os pontos mais apreciados pelos portugueses durante as fases críticas da Covid-19 e as palavras de Marta Temido originaram contestação imediata: desde a Ordem dos Médicos (frontal, através de comunicado) ao Presidente da República (que, sem diretamente referir-se ao que a ministra tinha dito, considerou que os médicos eram resistentes).

Marta Temido acabou por se ver forçada a pedir desculpa novamente. Em declarações aos jornalistas, confrontada com a celeuma provocada pelo que tinha afirmado no Parlamento, disse: “Não disse aquilo que se refere que disse. Não disse em momento nenhum que é necessário recrutar profissionais mais resilientes. Disse que é necessário que todos façamos um investimento em mais resiliência, sobretudo quem trabalha em áreas tão exigentes como as da saúde. Se causei uma má interpretação, peço desculpa por isso. Genuinamente, do fundo do coração.”

 

5. Maio de 2022: Aborto como critério que interfere na remuneração dos médicos de família

A última polémica com Marta Temido não a teve como principal protagonista mas acabou por implicá-la como a destinatária dos protestos e também de perguntas sob a forma crítica, inclusivamente do próprio partido do Governo.

No passado mês de maio, no dia 10, o “Público” noticiava que grupo de trabalho criado para rever o modelo de organização e funcionamento das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B tinha pronta uma proposta que, na prática, penalizava financeiramente os médicos de família desse tipo de unidades que realizassem interrupções voluntárias da gravidez.

A alteração previa que este ato médico passasse a ser tido em conta no índice de planeamento familiar nas mulheres em idade fértil (o que seria sempre em sentido negativo), sendo que esse índice é utilizado para calcular a componente remuneratória variável das equipas das USF-B. No mesmo dia, no Parlamento, a ministra da Saúde não deu qualquer sinal de não querer aceitar a recomendação do grupo técnico, aliás à semelhança da Direção-Geral da Saúde e da própria Administração Central do Sistema de Saúde (seguindo a opinião dos seus especialistas).

No entanto, nessas 24 horas as críticas multiplicaram-se, levando inclusive a que, no dia seguinte, também no Parlamento, um grupo de cinco deputados socialistas (encabeçados por Isabel Moreira e Alexandra Leitão) utilizasse a figura regimental da pergunta ao Governo para se dirigir à ministra da Saúde, questionando-a, num tom geral de advertência transversal ao documento, se considerava aceitável a adoção daquele critério anunciado e se estava disponível para revertê-lo/não aceitá-lo. O texto dos deputados cita ainda a própria ministra, numa declaração proferida no Parlamento, sobre o direito das mulheres de recorrerem à interrupção voluntária da gravidez.

Em resposta, por escrito, no dia 12, a ministra informou os deputados de que o grupo de trabalho decidira deixar cair aquele critério, recuando na pretensão de o consagrar.

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