A notícia da escolha do presidente do conselho de administração do Hospital de São João para CEO do SNS foi avançada ontem, dia 13 de setembro, pela “SIC Notícias“. Até agora, Fernando Araújo não terá respondido oficialmente, alegadamente porque aguarda a promulgação do novo estatuto do SNS pelo Presidente da República.
Na terça-feira de manhã, o jornal “Expresso” noticiou que o médico se tinha despedido da coluna de opinião semanal que assinava desde maio no “Jornal de Notícias”. “Foram 20 semanas de crónicas reais, escritas com alma, sobre os problemas de milhares dos portugueses”, escreveu Fernando Araújo na derradeira crónica. António Costa tinha, na noite anterior, em entrevista à TVI e CNN Portugal, afirmado que “Lisboa tem muitíssimo a aprender com o Porto em muitas coisas, em matéria de saúde, muitíssimo”, deixando a pista para aquela que acabou por ser a escolha para o estreante a cargo da direção-executiva do SNS.
As críticas ao “financiamento, gestão e investimento” do SNS
No dia 3 de maio, Fernando Araújo estreava-se na secção de opinião do “Jornal de Notícias” para abordar a discussão sobre a abolição das taxas moderadoras no Orçamento do Estado para 2022. Na altura, criticava o foco mediático que era atribuído ao tema, uma vez que considerava já existir, na prática, “um regime de isenção total de taxas moderadoras“. Isto porque mesmo os utentes não isentos conseguiam escapar ao pagamento, já que não existia nenhum mecanismo automático de cobrança de dívida, nem contraordenações dirigidas os faltosos.
O presidente do conselho de administração do Hospital de São João escreveu, então, que existia “um conjunto enorme de problemas sérios e graves no SNS – financiamento, gestão, investimento, recursos humanos e, acima de tudo, o acesso”. Assim, considerava que eram necessárias “verdadeiras medidas para os problemas reais dos cidadãos”.
A 26 de julho, Araújo retomava a crítica a propósito da aprovação de um diploma que valorizava as horas extraordinárias realizadas pelos médicos nos serviços de urgência. “O problema dos decisores políticos é por vezes cometerem a imprudência de, em sistemas complexos, optarem por soluções populistas”, alertava, garantindo que “colocar mais dinheiro, sem uma estratégia clara e um planeamento adequado, não resolve os constrangimentos, como ainda pode criar novos problemas”.
A defesa da descentralização e promoção de soluções “alternativas” nas unidades de saúde
Fernando Araújo utilizou várias crónicas para destacar a necessidade de fomentar a independência e otimização dos recursos humanos e técnicos nas unidades do SNS. A 28 de junho, contava a história de um utente que realizou uma Ressonância Magnética (RM) no âmbito de um programa de leasing do aparelho necessário à realização do exame, num horário alternativo, entre as 20 horas e a meia noite.
“A gestão não é melhor por ser pública ou privada. Depende da competência, da organização e do planeamento. Não é preciso constituir uma comissão, elaborar um plano de contingência, aguardar por diplomas legislativos, ou criar novos patamares de burocracia. Simplesmente promover a autonomia e qualificar a despesa”, escreveu o médico.
Neste caso, o chefe do Conselho de Administração do hospital central do Porto defendia que “a atividade para além das horas normais de funcionamento, aumenta a produtividade e promove melhores remunerações para os profissionais”. Na sua última crónica, publicada a 13 de setembro, volta a apresentar um exemplo concreto de uma utente, a “Sra. Maria”, que em conjunto com mais sete utentes será operada num centro no Centro de Responsabilidade Integrado (CRI) da Obesidade, unidade do Hospital de São João, a um domingo.
“Esta decisão implica um esforço ímpar destes profissionais do SNS, focados no interesse dos doentes. Significa responsabilidade e compromisso. Este elevado grau de dedicação e profissionalismo explica os seus excelentes resultados, comparáveis aos melhores centros internacionais”, destacou, referindo mais um caso atípico, mas funcional de organização hospitalar.
O destaque aos “doentes abandonados” e à desmotivação dos profissionais de saúde
“Os profissionais da saúde sentem-se sozinhos. Os doentes abandonados, especialmente os mais carenciados, agravando o fosso da iniquidade no acesso e desviando-se de uma política de inclusão”, lê-se na crónica de 24 de maio. Fernando Araújo salientou de forma frequente nos textos de opinião o desânimo, cansaço e desmotivação dos profissionais do SNS.
“Temos assistido recentemente a uma vaga sem precedentes de pedidos de redução de horário e de desvinculação. A paixão pelo SNS está a desaparecer, o orgulho de pertencer a esta equipa dissipa-se diariamente”, alertou. A justificação para tal é facilmente encontrada pelo ex-Secretário de Estado da Saúde: “Salários baixos, progressão lenta ou inexistente, exigência enorme, trabalho insano, sem um fio condutor. O sistema está burocrático, administrativista, nada focado na excelência da gestão, nos trabalhadores e nas instituições, desprestigiando os doentes. As folhas de excel e os números são o paradigma dos processos.”
Para Fernando Araújo, as causas para o descontentamento generalizado “estão bem visíveis”, destacando a ausência de “ações e medidas” que incentivem e prendam os profissionais de saúde ao serviço público.
As dificuldades no acesso ao SNS e o adiar de consultas e cirurgias que “tem um preço”
A 31 de maio, o presidente da Administração do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário São João escreveu uma crónica em que abordava as dificuldades crescentes em aceder a certos cuidados de saúde no SNS. “O meu querido pai faleceu, tinha 85 anos, mas era o meu pai. Aguardava uma cirurgia no seu hospital e morreu à espera”, citava Araújo, a partir do “testemunho de uma filha que se sentia triste e acreditava que, se o pai tivesse sido operado, ainda estaria vivo”.
“Noutras áreas públicas temos opções, como vimos recentemente na pandemia. Podemos estender o prazo de validade do cartão de cidadão, protelar a audiência no tribunal, suspender o exame na escola”, exemplificou, garantindo que “na saúde, adiar tem um preço”.
No entender do ex-Secretário de Estado, “não deixar ninguém para trás, mais do que retórica, implica um trabalho especializado, num sistema complexo, que requer os mais competentes”. E garantiu: “Na saúde, mais do que voluntarismo, precisamos de profissionalismo”.
O papel do SNS na redução das desigualdades sociais
Foram muitas as referências de Fernando Araújo à responsabilidade do Estado na redução de desigualdades económicas e sociais. No final de agosto, dedicou um texto exclusivamente ao tema da saúde oral e à forma como esta ficou “esquecida” no SNS, bem como à reduzida franja de população portuguesa que consegue aceder com regularidade a este cuidado de saúde primário.
“Se pensarmos que um em cada três portugueses nunca visitam o médico-dentista ou apenas o fazem em situações de urgência, nomeadamente por limitações financeiras, tal determina a ausência de uma resposta fundamental em saúde pública e que se agravou com a pandemia. Mais uma vez, são os pobres os mais afetados“, garantiu.
Para o médico, “o Estado tem a responsabilidade de implementar políticas que promovam a coesão e reduzam as desigualdades“. Destacando que a saúde oral “não é um luxo”, mas sim uma necessidade básica que deve ser suprida pelos serviços públicos.