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Um Governo de sucessivos avanços e recuos, dos passes gratuitos ao tabaco e vistos “gold”

Este artigo tem mais de um ano
O primeiro-ministro anunciou que "os passes sub-23 serão gratuitos para todas as crianças e jovens até aos 23 anos" mas, oito dias depois, o ministro do Ambiente e da Ação Climática esclareceu que, afinal, essa medida destina-se apenas aos estudantes. Não tem sido algo incomum no Governo liderado por António Costa, os sucessivos anúncios e contra-avisos, ou avanços e recuos. O Polígrafo colige alguns dos exemplos mais recentes.

Passes gratuitos para todos os jovens até aos 23 anos! Afinal só os estudantes…

“Vamos fundir o passe 8-14 com o passe sub-23 e dar um passo muito importante. Até agora, só quem tinha ação social escolar é que tem um desconto de 65%, todos os outros têm um desconto de 25%, e a partir de janeiro, os passes sub-23 serão gratuitos para todas as crianças e jovens até aos 23 anos“, anunciou o primeiro-ministro António Costa, no dia 6 de setembro.

Estava a discursar no âmbito do evento “Academia Socialista”, em Évora, perante uma plateia preenchida sobretudo por jovens. E a declaração do primeiro-ministro foi clara na referência a “todas as crianças e jovens até aos 23 anos”. Aliás, a generalidade dos órgãos de comunicação social destacou isso mesmo nos respetivos títulos, como a SIC Notícias, por exemplo: “Jovens até aos 23 anos vão ter passes gratuitos a partir de janeiro.”

Contudo, na edição de hoje (15 de setembro) do jornal “Expresso”, surge a informação de que “ao contrário do que o primeiro-ministro deu a entender, a gratuitidade dos passes irá abranger apenas os estudantes – e não todos os jovens até essa idade -, deixando de fora os que acabem o curso antes dos 23 ou os que não sigam para a universidade depois de terminarem a escolaridade obrigatória, tal como já acontecia agora com os descontos que estão em vigor”.

“O que está previsto é a fusão dos atuais passes 8-14 e sub-23 e a sua gratuitidade a todos os estudantes até aos 23 anos“, esclareceu o gabinete do ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, em resposta ao “Expresso”.

Proibido vender tabaco em bombas de gasolina! Afinal pode continuar…

Através de um comunicado emitido no dia 10 de maio, o Governo anunciou que “avança com Proposta de Lei que transpõe diretiva europeia e reforça a proteção das pessoas em relação à exposição ao fumo do tabaco”.

Entre as medidas anunciadas, sob o pressuposto de “contribuir para uma geração livre de tabaco até 2040”, destaque para a proibição da venda de tabaco direta ou através de máquinas de venda automática em locais como restaurantes, bares, salas e recintos de espectáculo, casinos, bingos, salas de jogos, feiras, exposições e bombas de gasolina.

Logo no mesmo dia, a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (ANAREC) protestou contra uma medida que considerou ser “desigual e discriminatória, favorecendo e incrementando as receitas e as vendas de um escasso grupo de comercializadores, em detrimento e prejuízo de outros, como o caso dos postos de abastecimento de combustíveis”.

Mas cerca de duas semanas depois, a 26 de maio, o jornal “Público” revelou que “as bombas de gasolina vão, afinal, continuar a poder vender tabaco, ao contrário do que tinha sido anunciado pelo Governo. Prevista na versão inicial da proposta de lei do tabaco, esta interdição de venda nas estações de serviço dos postos de abastecimento de combustíveis acabou por ser retirada da versão final do documento que (…) foi enviado para a Assembleia da República”.

Fim da concessão de novos “vistos gold“! Afinal resistem…

No dia 16 de fevereiro, em conferência de imprensa do Conselho de Ministros para anunciar a aprovação do pacote “Mais Habitação”, o Governo revelou uma série de medidas integradas nesse programa, nomeadamente “o fim da concessão de novosvistos gold‘, ‘sendo renovados os existentes, se se tratar de investimentos imobiliários, apenas para habitação própria e permanente ou se for colocado duradouramente no mercado de arrendamento'”.

Mais recentemente, porém, têm surgido notícias que dão conta de um aparente recuo do Governo quanto a essa medida em específico, com epicentro no Parlamento.

“As propostas de alteração ao programa ‘Mais Habitação’ apresentadas pelos grupos parlamentares socialistas e social democrata mantêm parcialmente o regime de autorização de residência para investimento (ARI), o nome técnico dos chamados vistos gold. Uma proposta de alteração do PS, que o PSD também acompanha, mantém a possibilidade de continuar a obter vistos gold através da criação de fundos de investimento“, noticiou o jornal “Expresso” a 21 de junho.

“A concessão de autorização de residência por investimento (ARI), ligada estritamente à habitação acaba com o programa ‘Mais Habitação’. Como no caso da aquisição de bens imóveis de valor superior a 500 mil euros ou a aquisição de imóveis para reabilitação urbana. Porém, deverá manter-se a possibilidade de obter vistos gold através da criação de fundos de investimento, como tem sido o caso da participação em fundos ligados a empreendimentos turísticos. Uma ‘janela’ que permitiu contornar a proibição de atribuição de vistos gold nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como em certas regiões do Algarve”, detalhou.

Segundo a mesma fonte, “quer a proposta de alteração do PS quer a do PSD entregues no final da semana passada, excluem da revogação dos vistos gold prevista no programa ‘Mais Habitação’. Na prática, isto significa que se mantêm a possibilidade de aceder a um visto gold mediante a transferência de capitais no montante igual ou superior a 500 mil euros destinados à aquisição de unidades de participação em fundos de investimento. O mesmo acontece com os fundos de capitais de risco vocacionados para a capitalização de empresas”.

Ou seja, ainda não está confirmado o término do programa de “vistos gold” e, de acordo com as informações mais recentes, deverá ser mantida a possibilidade de continuar a obter vistos gold através da criação de fundos de investimento“.

Extinção dos sacos de plástico ultraleves! Afinal sobrevivem mediante cobrança…

Estava previsto que a disponibilização de sacos de plástico ultraleves para embalamento primário ou transporte de pão, frutas e legumes, iria ser proibida a partir de 1 de junho de 2023. Não sem contestação, desde logo pelas empresas de distribuição.

“A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) disse à Agência Lusa que enviou ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática, no final de dezembro de 2022, uma proposta para a revogação desta proibição, ‘face à ausência de alternativa no mercado para dar resposta aos requisitos, à inexistência de obrigações de Portugal perante a União Europeia e à necessidade de garantir harmonização de imposições legais e a livre concorrência no espaço comunitário'”, noticiou-se a 19 de janeiro.

Mas o desenlace só foi conhecido na véspera da suposta entrada em vigor da proibição dos sacos de plástico ultraleves. Precisamente no dia 31 de maio, o “Jornal de Notícias” informou que “os sacos de plástico ultraleves (transparentes) para pão, fruta e legumes vão passar a ser pagos em supermercados, frutarias e outros comércios. Eram para ser proibidos a partir de amanhã, mas o Governo recuou na intenção e, em vez disso, avança para a cobrança”.

Apoio às rendas baseia-se no rendimento da liquidação do IRS! Afinal não é bem assim…

Através do Decreto-Lei n.º 20-B/2023, de 22 de março, o Governo formalizou a “criação de apoios extraordinários e temporários de apoio às famílias para pagamento da renda de contrato de arrendamento ou subarrendamento de primeira habitação”.

Ora, para aceder esses apoios foi determinado na lei, entre outras condições ou requisitos, que os agregados familiares “tenham um rendimento anual igual ou inferior ao limite máximo do sexto escalão da tabela prevista no (…) Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), na sua redação atual, em vigor à data da atribuição do apoio; tenham uma taxa de esforço igual ou superior a 35% do seu rendimento anual com os encargos anuais de pagamento das rendas ou das prestações creditícias abrangidas pelo presente decreto-lei”.

Em que consiste exatamente o “rendimento anual”? A lei define: “Considera-se ‘rendimento anual’ o total do rendimento para determinação da taxa apurado pela AT na liquidação do IRS do beneficiário referente ao último período de tributação disponível”.

Mas entretanto o Governo decidiu alterar as regras. “Um despacho interno, assinado a 1 de junho pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, (…) instruiu os serviços da Autoridade Tributária (AT) a cortar na fórmula de cálculo do apoio às rendas destinado a inquilinos com rendimentos anuais até 38.632 euros, referentes a 2021, e com uma taxa de esforço igual ou superior a 35%, alterando os critérios previstos na lei. Assim, as prestações reduzem-se substancialmente e haverá quem fique impedido de aceder ao subsídio”, desvendou o “Dinheiro Vivo” em artigo de 21 de junho.

“O Governo terá feito mal as contas sobre o impacto do apoio e quando se apercebeu de que iria custar muito mais do que o previsto decidiu mudar as regras do jogo”, informou o referido jornal. “A resolução do Ministério das Finanças, tutelado por Fernando Medina, que não é pública, pede ao Fisco que tenha em conta os rendimentos brutos e aqueles que estão sujeitos a taxas especiais, como a pensão de alimentos ou os relativos a rendas, para apurar o valor do subsídio, contrariando o Decreto-Lei n.º 20-B/2023, que cria a medida – e que dita que deve ser considerado ‘o total do rendimento para determinação da taxa apurado pela AT na liquidação do IRS’. Segundo Luís Leon [fiscalista], esta designação respeita ‘à matéria coletável, já depois das deduções específicas’, normalmente de 4.104 euros”.

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