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Roubos, mentiras e omissões: tudo o que (ainda) não bate certo na polémica Governo/SIS

Este artigo tem mais de um ano
O caso de um "roubo" que afinal não chegou a sê-lo via-se mal parado desde o primeiro dia. E bastou que começassem as audições aos membros das secretas portuguesas ou que fossem divulgados os relatórios policiais para se perceber que nem António Costa nem João Galamba acertaram o passo: as contradições começam no Governo, passam pela PSP e há-as até dentro dos Serviços de Informação.

Longe de estar completo, o puzzle da polémica no ministério das Infraestrutas obrigou a muitas trocas entre peças semelhantes. O primeiro-ministro está envolvido, João Galamba está envolvido e até dentro dos serviços de informações há contradições que ainda não foram explicadas.

1. “Roubo” e “furto” ou “nenhum indício de crime”?

O que disseram Costa e Galamba:

Na conferência de imprensa em que apresentou a sua versão dos acontecimentos, João Galamba afirmou claramente que o seu e-adjunto teria roubado um computador que continha documentos classificados – e teria sido essa a razão para que fossem notificados os serviços de informações. António Costa secundou o ministro das Infraestruturas no ataque a Frederico Pinheiro, classificando o que se passou como um “roubo” e elogiando a decisão de comunicar a ocorrência aos serviços de informações. Quanto à actuação do SIS, Costa sublinhou que “as autoridades agiram em conformidade no âmbito das suas competências legais.”

O que disseram o Conselho de Fiscalização do SIRP e o SIS:

Ouvidos na Assembleia da República em sede de comissão parlamentar, os membros do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), presidido pela ex-ministra da Administração Interna de Costa, Constança Urbano de Sousa, defenderam que o Serviço de Informações de Segurança (SIS) agiu de forma legal no caso da recuperação do computador de Frederico Pinheiro. Até aqui tudo bem – Costa e Galamba tinham afirmado o mesmo. O problema foi o argumento utilizado para justificar a “legalidade” da ação: o facto de, em seu entender, não ter estado em causa qualquer indício de crime por parte do suspeito. Se o houvesse, de resto, o SIS já não deveria intervir. A sua ida para o terreno terá, por isso acontecido numa lógica de prevenção de riscos, atendendo à alegada existência de uma ameaça de divulgação de informação considerada classificada. Esta visão foi partilhada por Adélio Neiva da Cruz, diretor do SIS que também foi ouvido na Comissão de Inquérito. Ora, esta visão colide frontalmente com o argumento central que Costa e Galamba esgrimiram para acionar o SIS – o alegado “roubo” do computador.

2. PSP fica mal na fotografia, acusa Galamba. Fica?

O que disse João Galamba:

O ministro socialista afimou, em conferência de imprensa, que a PSP, mesmo tendo estado no edifício do Ministério das Infraestruturas, “permitiu que quem agrediu e tinha roubado o computador saísse das instalações“. O ministro teceu ainda duras críticas à atuação da polícia, que segundo o mesmo foi chamada “perante uma agressão”.

A versão da PSP:

De acordo com o jornal Expresso, que menciona o relatório da PSP sobre a agora noite fatídica, “os agentes da PSP que entraram nas instalações do Ministério das Infraestruturas, em Lisboa só foram alertados por duas funcionárias daquele Ministério que Frederico Pinheiro — o ex-adjunto de João Galamba — tinha levado um computador portátil de trabalho já depois de este ter saído do edifício“. Ou seja, seria impossível manter Frederico Pinheiro dentro do edifício sem a informação de que este levava consigo material do Estado.

“Aqueles agentes chegaram ao ministério apenas com a informação de que havia agressões e uma pessoa impedida de sair do edifício, garantem as mesmas fontes (…). O ex-adjunto relatou-lhes que tinha recebido pouco tempo antes um telefonema do ministro, dizendo-lhe que estava despedido. Foi por essa razão, alegou, que se deslocou ao local de trabalho para ir buscar alguns bens, sem especificar quais. E que tinha sido impedido de sair do ministério pelo segurança. Com base nestas informações, os polícias desceram com o ex-adjunto até ao piso zero e limitaram-se a acompanhá-lo à saída, sem nunca se aperceberem que levava consigo o portátil que continha informações classificadas sobre a TAP”, conta o “Expresso”.

3. Informação tão classificada que nem o SIS sabia a sua natureza

O que disseram João Galamba e o Conselho de Fiscalização:

Na sua intervenção em conferência de imprensa, o ministro das Infraestruturas foi concludente sobre a natureza alegadamente classificada da informação armazenada no computador de Frederico Pinheiro. Durante a audição do CFSIRP, os seus três membros foram no mesmo sentido, tendo garantido que o SIS interveio porque existia uma ameaça de divulgação informação classificada, dando a entender que os serviços de informações tinham conhecimento da natureza da informação em causa.

O que disse o diretor do SIS:

Na última quinta-feira, Adélio Neiva da Cruz, diretor do SIS, que garantiu ter sido aquele organismo estatal a tomar a decisão de accionar os próprios meios e não Graça Mira Gomes, Secretária-Geral do SIRP, como chegou a ser noticiado, garantiu que autorizou a operação apesar de não saber que tipo de informação o computador continha ou até o seu grau de confidencialidade.

 

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