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Todos comunistas, nem todos operários. O que une Paulo Raimundo aos últimos secretários-gerais do PCP

Este artigo tem mais de um ano
Surpresa para muitos, escolha óbvia para os "insiders": Paulo Raimundo será a renovada cara do Partido Comunista Português, um cargo ao qual nenhum comunista chama de liderança, mas que carrega o peso de ter sido ocupado por nomes como Álvaro Cunhal e Bento Gonçalves. Sobre Raimundo, sabe-se muito pouco: será o mais novo de sempre? O menos experiente? E o que fez exatamente antes de integrar o partido?

O anúncio do fim do mandato de Jerónimo de Sousa como Secretário-Geral do Partido Comunista Português chegou este sábado, 5 de novembro, a público. “No prosseguimento de uma avaliação própria, reflectindo sobre a sua situação de saúde e as exigências correspondentes às responsabilidades que assume, [Jerónimo de Sousa] colocou a questão da sua substituição nas funções que desempenha, mantendo-se como membro do Comité Central do PCP”, destaca o comunicado divulgado no mesmo dia pelos comunistas.

Nunca descartando o papel de Jerónimo de Sousa dentro do Partido, a sua “grande dedicação e empenho com que assumiu estas elevadas responsabilidades, por um longo período, exemplo de compromisso com o ideal e projecto do PCP, ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País, da paz, da amizade e solidariedade entre os povos, bem como a disposição de prosseguir a sua acção militante”, os olhos estão agora postos no futuro. E o futuro até já tem um nome:

“No seguimento da questão colocada, que se compreende face à situação concreta, e concluída a devida auscultação, o Comité Central do PCP terá uma reunião no próximo sábado, 12 de novembro, após o primeiro dia dos trabalhos da Conferência Nacional, em que será feita a proposta da eleição de Paulo Raimundo para Secretário-Geral do PCP.”

Ao contrário dos seus antecessores, Raimundo não foi apresentado a público antes de lhe ser destinado o cargo. No Parlamento, nas Eleições Presidenciais, nas Eleições Europeias, na substituição de Jerónimo de Sousa durante as legislativas, Raimundo esteve sempre longe dos holofotes, a preparar caminho nos corredores do partido. Mas o que se sabe sobre o operário nascido depois de Abril?

Paulo Raimundo é o mais jovem Secretário-Geral do PCP?

Sendo de uma geração mais jovem, Paulo Raimundo, com 46 anos, não é o mais novo a assumir o cargo no Partido Comunista Português. José Carlos Rates, o primeiro secretário-geral dos comunistas, tinha 44 anos quando foi eleito. Acabaria por desertar, depois de expulso do partido, e em 1931 aderiria à União Nacional salazarista.

Rates seria substituído, já em 1929, por Bento Gonçalves, de apenas 27 anos. A liderança, que culminou com a sua morte, aos 40 anos, no Tarrafal, não foi uma das mais longas mas deu início a um extenso período de pausa no PCP: entre 1942 e até 1960 o partido não teria nenhum secretário-geral.

Em 1961 começava uma nova era para o PCP, com a eleição do seu líder mais duradouro e carismático: Álvaro Cunhal. Secretário-geral do partido durante 31 anos, Cunhal tinha já 48 anos quando assumiu o cargo. Cargo esse que, perante a sua saída, estava reservado para Carlos Carvalhas, de 51 anos, que era já adjunto do comunista desde 1990. Aos 57 anos, foi a vez de Jerónimo de Sousa assumir o cargo de extrema-importância dentro do partido. Há 18 anos a representar os comunistas, cede agora o lugar a Paulo Raimundo que, não sendo o mais novo a assumi-lo, é efetivamente o mais jovem desde Bento Gonçalves.

Como são eleitos os líderes comunistas?

De acordo com os Estatutos do PCP, atualizados, é o Comité Central (CC) quem elege, de entre os seus membros, a Comissão Política e o Secretariado do próprio CC, bem como a Comissão Central de Controlo. Além disso, realça o artigo.º 53 do mesmo Estatuto, é também o Comité Central quem tem a faculdade de eleger, de entre os seus membros, um Secretário-Geral do Partido. Neste caso, será o CC a fazer passar ou não, já este mês de novembro e através de braços no ar, a eleição de Paulo Raimundo.

Todos os secretários-gerais foram operários?

Nem por isso. José Carlos Rates era marinheiro e operário conserveiro, em Setúbal, tendo sido ainda um destacado dirigente sindical. Em 1911 foi secretário da Associação dos Trabalhadores das Fábricas de Conservas de Setúbal. Também ligado ao sindicalismo, Bento Gonçalves começou a trabalhar como torneiro de madeira, em Lisboa, bem como aprendiz de torneiro mecânico e, mais tarde, torneiro mecânico no Arsenal da Marinha.

O ponto de viragem é protagonizado por Álvaro Cunhal que, filho de um advogado, chegou à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Não há registo de trabalho enquanto operário, assim como acontece com Carlos Carvalhas que, além de se ter licenciado em Economia pelo Instituto de Ciências Económicas e Financeiras da Universidade Técnica de Lisboa, trabalhou na Profabril, empresa do Grupo CUF, como director financeiro.

Com a chegada de Jerónimo de Sousa, os operários voltam a assumir cargos de importância: Jerónimo de Sousa, que começou aos 14 anos a trabalhar como afinador de máquinas na MEC – Fábrica de Aparelhagem Industrial, numa altura em que era essa a “idade legal” de admissão ao trabalho, confessa que foi “ali, na fábrica”, que ganhou “a chamada ‘consciência de classe‘”. Filho “dos homens que nunca foram meninos“, o comunista chegou a delegado sindical ainda operário, na MEC, tendo feito o seu percurso até à Direção do Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa já em 1973.

Quanto a Paulo Raimundo, diz a sua biografia que “o período em que estudou e trabalhou permitiu contacto com diferentes realidades laborais e sociais”, isto porque o comunista “trabalhou em carpintaria, foi padeiro e animador cultural na Associação Cristã da Mocidade (ACM) na Bela Vista. Realidades que lhe permitiram sentir as contradições do dia-a-dia, a realidade do trabalho mal pago, da exploração e da precariedade e, por outro lado, ter a vivência da camaradagem e da solidariedade entre os trabalhadores”.

Quem vai substituir Jerónimo de Sousa no Parlamento?

A saída de Jerónimo de Sousa por duas vias (como secretário-geral e como deputado), abre portas a um novo lugar na bancada parlamentar dos comunistas. “Não, não vou continuar como deputado. Naturalmente, há aqui uma alteração qualitativa das minhas capacidades. Tendo em conta a dimensão da nossa bancada… Não se compadece com ausências momentâneas”, confirmou aos jornalistas o líder comunista.

Na lista de sucessão está o antigo deputado Duarte Alves, de 31 anos, o nome que se seguiu a Jerónimo de Sousa como candidato à Assembleia da República pelo círculo eleitoral de Lisboa. Nas legislativas de janeiro de 2022, o jovem comunista não conseguiu ser eleito, mas esta pode ser uma oportunidade para o economista voltar aos trabalhos parlamentares. Para Jerónimo de Sousa, esta “é uma possibilidade real“.

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