Do ponto de vista jornalístico, é um exercício delicado este de verificar uma entrevista de julho de 2021 com a informação disponível em janeiro de 2024 – além da informação, também o contexto muda, tendo o potencial de distorcer a análise. Mas a entrevista que Pedro Nuno Santos, então ministro das Infraestruturas e da Habitação, deu ao jornalista Miguel Sousa Tavares na TVI, há cerca de dois anos e meio, contém matéria factual com valor informativo e que resiste à mutação da passagem do tempo.
No presente contexto em que acaba de ser revelada a contestação da TAP ao pedido de indemnização da ex-presidente executiva Christine Ourmières-Widener, que exige uma indemnização de 5,9 milhões de euros por ter sido despedida em março de 2023, surgiu no X/Twitter um excerto dessa entrevista que está a gerar discussão.
Em vários tweets coloca-se o enfoque no momento em que Pedro Nuno Santos, com o objetivo de defender a escolha de Ourmières-Widener para o cargo de presidente executiva da TAP (em detrimento de Antonoaldo Neves, gestor brasileiro que, por sua vez, tinha sido afastado em setembro de 2020), disse que a gestora francesa “esteve na Air France” – o que é verdade, desempenhou vários cargos diretivos no grupo da Air France ao longo de mais de uma década.
Contudo, o então ministro falha noutros momentos da entrevista. Desde logo quando o jornalista recorda que Antonoaldo Neves tinha sido afastado há quase um ano e, apesar de parecer ter “mau feitio”, até “percebia do assunto, percebia de aviões”. Pedro Nuno Santos interrompeu prontamente: “Ai percebia?”
Por entre sucessivas trocas de comentários e argumentos, fica clara a intenção de Pedro Nuno Santos de colocar em dúvida a ideia de competência do gestor brasileiro. Chegou mesmo ao ponto de garantir que não tinha experiência no setor da aviação, ao afirmar que “ele não tinha é trabalhado em nenhuma companhia aérea antes da TAP.”
E acrescentou: “É importante perceber que Antonoaldo Neves vem de uma consultora gerir a TAP e a Christine é uma mulher que está no setor da aviação há décadas.”
Importa aqui sinalizar pelo menos um equívoco e duas falsidades.
Começando pelas falsidades, Antonoaldo Neves trabalhou na consultora McKinsey & Company entre 2000 e 2014, mas nos três anos seguintes presidiu a uma companhia aérea, a Azul – Linhas Aéreas Brasileiras, até ter transitado para a TAP em 2017. Ou seja, não é verdade que não tivesse trabalhado “em nenhuma companhia aérea”, nem que tivesse vindo diretamente de “uma consultora”.
Quanto ao equívoco, resulta de ter colocado em dúvida a competência de Antonoaldo Neves que, em outubro de 2022, viria a assumir o cargo de presidente executivo da Etihad Airways, dos Emirados Árabes Unidos. A qual, nos últimos anos, tem sido frequentemente distinguida como uma das melhores companhias aéreas do mundo.
Outro elemento a ter em conta é a defesa convicta da competência e experiência de Ourmières-Widener por parte do então ministro das Infraestruturas, em contraponto ao proscrito Antonoaldo Neves com quem teria “uma má relação” (imputação do jornalista que não foi desmentida pelo governante). A par de mais um equívoco, neste caso estamos também perante uma contradição, na medida em que a TAP alega entretanto que a ex-presidente executiva afinal não tem “um largo e preenchido currículo”.
Segundo noticiou o jornal “Eco”, no dia 16 de janeiro, “a contestação da TAP ao processo da ex-CEO, elaborada pela Uría Menéndez Proença de Carvalho, afirma que as alegações sobre a reputação profissional de Christine Ourmières-Widener ‘não correspondem à verdade‘. Considera que há uma ‘tentativa de iludir o Tribunal’, fazendo ‘parecer que goza de um largo e preenchido currículo'”.