Os pensionistas vão perder dinheiro com o plano anunciado pelo Governo?
Sim, mas apenas a partir de 2024. O facto é que não há um corte no valor das pensões de reforma no ano de 2022, nem em 2023, pois o valor em falta (da atualização anual prevista na lei, em alinhamento com a taxa de inflação e o PIB) vai ser pago na forma de adiantamento já em outubro de 2022. Mas o efeito em 2024, com atualização a partir de um valor base inferior, aí sim, consistirá num corte.
Em declarações ao Polígrafo, o economista Filipe Grilo classificou a medida anunciada pelo Governo como um mero “exercício de aritmética“, na medida em que “a meia pensão a ser paga em outubro é divida pelas 14 prestações, o que dá cerca de 3,50%”. Ou seja, o que equivale à diferença entre os aumentos que vão ser propostos pelo Governo no Parlamento e os tais 7,10 % a 8% previstos. “Isto encaixa com a teoria de que isto foi uma mera compensação e de que não existe uma perda de valor, tal como defendido pelo primeiro-ministro”.
No entanto, Grilo não tem dúvidas de que “a base das pensões vai ficar mais baixa em 2024 e assim sucessivamente”, ou seja, “a longo prazo os pensionistas acabam por perder“.
Costa prometeu que cumpriria a fórmula de atualização das pensões e agora voltou atrás?
Sim, embora, voltamos a ressalvar, os pensionistas não deixarão de receber exatamente o mesmo valor (se a fórmula de cálculo tivesse sido cumprida tal como disposto na lei) até ao final de 2023. O efeito de incumprimento da fórmula de cálculo apenas resultará em valores mais baixos a partir de 2024.
“Não há a mínima dúvida de que iremos cumprir a fórmula [de cálculo da atualização das pensões] que existe desde a reforma de 2007. As leis existem para serem cumpridas“, garantiu António Costa, a 20 de junho de 2022, no âmbito de uma conferência da CNN Portugal que incluiu uma emissão especial do programa “O Princípio da Incerteza”.
De acordo com o primeiro-ministro, essa lei “significa que, para o ano, haverá um aumento histórico do valor das pensões“.
“Um aumento pela conjugação de se registar este ano um valor anormalmente alto do crescimento [do PIB] muito por efeito comparativo do ano passado e um aumento histórico também muito significativo da taxa de inflação. (…) Estes dois efeitos conjugados vão gerar um grande aumento das pensões de reforma no próximo ano. Isso são dados que nós sabemos”, concluiu.
A partir de quando é que o sistema de Segurança Social vai começar a entrar em défice?
No relatório sobre a sustentabilidade financeira da Segurança Social (pode consultar aqui), anexo ao Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), informa-se que “os primeiros saldos negativos do sistema previdencial são esperados no início da década de 2030, podendo atingir valores negativos até 1% do PIB em meados da década de 2040“.
Importa aqui salientar que no mesmo relatório anexo à proposta de OE2022 que foi chumbada em outubro de 2021, abrindo o caminho para eleições legislativas antecipadas (e resultando em maioria absoluta para o PS), também se apontava para o “início da década de 2030”, mas previam-se “valores negativos superiores a 1% do PIB em meados da década de 2040″ (e não “até 1% do PIB“, como está indicado na versão mais recente).
Outro elemento a ter em conta é o prazo de esgotamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) que, de acordo com o relatório anexo ao OE2022, estima-se para a “primeira metade da década de 2050“.
“Para a projeção do FEFSS, assumiu-se uma rentabilidade anual intrínseca de 1,9% ao longo do tempo”, indica o relatório. “Partindo-se do pressuposto de que este será alimentado pelos saldos do sistema previdencial, enquanto existam, e pelas transferências resultantes do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis, da parcela do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, estima-se que o FEFSS se esgote na primeira metade da década de 2050“.
De resto, há que ter em atenção a volatilidade destas projeções. No relatório sobre a sustentabilidade financeira da Segurança Social patente no Orçamento do Estado para 2021 (pode consultar aqui), previa-se então que “os primeiros saldos negativos do sistema previdencial” fossem “esperados no fim da década de 2020, podendo atingir valores negativos superiores a 1% do PIB durante a década de 2040″.
Ou seja, a estimativa variou entre o “início da década de 2030” e o “fim da década de 2020” em apenas 12 meses. Ora, mesmo tendo em conta os efeitos extraordinários da pandemia de Covid-19 nessa estimativa inscrita no OE2021, não podemos deixar de ressalvar a volatilidade ou instabilidade destas projeções, sobretudo numa altura em que a pandemia ainda não está totalmente superada. Ao que acrescem os efeitos mais recentes da guerra na Ucrânia, sanções económicas aplicadas à Rússia, crise energética, inflação galopante, entre outros acontecimentos ulteriores à concepção do relatório do OE2022.
Aliás, em declarações ao Polígrafo sobre esta matéria, Jorge Bravo, professor de Economia e Finanças da Universidade Nova de Lisboa, adverte que tem “bastantes reservas e desconfiança em relação às projeções do Governo. Dizem que o sistema é sustentável tal como está, utilizando um Fundo de Estabilização Financeira até 2050 – até à primeira metade da década de 2050 -, é o que está escrito no anexo do OE2022. A partir desse momento, o Governo não divulga os estudos, não divulga sobretudo os dados de base para que se possa fazer uma validação”.
“Não tenho confiança nenhuma naquelas projeções, digo há décadas que elas são manipuladas para fins políticos“, acusa. “Estou confortável em dizer que não acredito naqueles números, até porque fizemos um estudo independente em 2015 para o Ministério em que constatamos que este sistema não era sustentável“.
“A conclusão é que o sistema não é sustentável, ou seja, que tenha hoje com as condições atuais e futuras da economia, da demografia e do mercado de trabalho condições de cumprir com aquilo que está a prometer às gerações atuais e futuras de pensionistas. Não acredito que o sistema seja sustentável, ele já está em défice, já não se auto-financia, precisa de transferências do Orçamento do Estado para financiar o sistema previdencial e a Caixa Geral de Aposentações. No conceito mais corrente de auto-financiamento ele já não é sustentável hoje, precisa de transferências todos os anos de cerca de 6 mil milhões de euros para cobrir o défice”, considera Bravo.
Por sua vez, João Duque, professor de Economia no ISEG, diz ao Polígrafo que o sistema de Segurança Social “tem uma folga consubstanciada no saldo que está a ser gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e que aguentaria o sistema durante bastante tempo“. O economista considera que “é um problema que não se coloca de imediato”, ou seja, não crê que “exista a possibilidade de ruptura imediata deste sistema”.
Terá que se aumentar a idade da reforma para garantir a sustentabilidade da Segurança Social?
O aumento da idade da reforma é apenas um dos vários instrumentos que podem ser utilizados para garantir a sustentabilidade do sistema de Segurança Social. Também podem ser alteradas rubricas como a fonte de receita, a despesa ou até a fórmula de cálculo.
A opção pela mexida no fator idade é a solução que mais tem sido utilizada. Aliás, neste momento já temos em vigor um mecanismo de atualização automática. Em declarações ao Polígrafo, Maria Teresa Garcia, professora de economia do ISEG, sublinha que a idade da reforma está “indexada à esperança média de vida“.
“Anualmente sabe-se a esperança média de vida e isso entra no cálculo da idade da reforma, é feito um ajuste“, explica.
Tendo em conta que todas as projeções indicam que que a esperança média de vida continuará a aumentar nas próximas décadas (de 5,8 anos nas mulheres e 7,3 nos homens, segundo um estudo divulgado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos) será inevitável que, a menos que se altere a fórmula de cálculo atual, a idade da reforma também suba.
“Acho espantoso, e de uma total auto-classificação de ‘orelhas de burro’, existir um Governo há sete anos e só agora se perceber que existe de facto um problema demográfico”, comenta o economista João Duque. E projeta: “O problema da Segurança Social só se coloca num período de cerca de 30 anos, porque a geração dos anos 60 vai começar a aposentar-se. Trata-se de uma geração muito numerosa e coloca uma pressão grande no sistema.”
O estudo da FFMS reforça que, “de entre os cenários de reforma considerados, o aumento da idade de reforma é aquele que parece oferecer um maior potencial para melhorar a sustentabilidade financeira do sistema de pensões (…) Aumentar em três anos a idade de acesso às Pensões de Velhice (e pensões antecipadas) da Segurança Social e da CGA permitiria adiar o aparecimento de défices crónicos no Regime Previdencial da Segurança Social para além de 2070”.
Questionado pelo Polígrafo, Jorge Bravo, professor de Economia e Finanças da Universidade Nova de Lisboa, sublinha que “já temos em vigor um mecanismo de atualização automática. Através deste mecanismo, a idade da reforma já vai aumentar. Se esse valor é ou não suficiente teria de ter mais informação estatística e dados correntes para dar uma resposta concreta”.
“A idade da reforma é apenas um dos vários parâmetros que se podem alterar para fazer reformas”, prossegue Bravo. “Pode alterar-se a receita, a despesa, a fórmula de cálculo, há várias formas de reformar o sistema. Diria que o aumento da idade da reforma é dos mecanismos que mais tem sido utilizado, a idade já está a aumentar continuadamente há vários anos. A idade da reforma aumentará normalmente se a lei não for alterada, mas com o Governo não há previsibilidade no contrato. Como se vê, o Governo diz no relatório que o sistema é sustentável até 2050 e depois diz o seu contrário, que não pode aplicar a lei em vigor que determina a sustentabilidade do sistema”.
“Deveria ser feita uma reflexão global sobre o sistema, o modelo de financiamento e de organização. Projeta-se que a esperança média de vida continue a aumentar e por essa via prevê-se que a idade da reforma também aumente, até 2050, até aos 68 a 69 anos“, conclui.
Em resumo, para que o sistema seja sustentável será inevitável a tomada de decisões em alguma rubrica com efeito no cálculo do valor. E nessa matéria, o factor idade é o mais imediato e o mais unânime entre os especialistas no assunto.
Costa vai poupar mais com pensões do que o valor do corte anunciado em 2015 por Pedro Passos Coelho?
A resposta é positiva.
O pagamento adiantado (e único) já em outubro de 2022 de cerca de metade do aumento previsto (e determinado por lei) das pensões para 2023 corresponde a um valor global de 1.000 milhões de euros. Será esse o valor retirado do sistema, isto é, não estará integrado no valor base que servirá para o cálculo da atualização das pensões em 2024.
Quanto a Pedro Passos Coelho há que recuar até 2015 e à Proposta de Programa de Estabilidade 2015-2019, tornada pública pela coligação entre PSD e CDS-PP em abril desse ano, para encontrar inscritas as medidas sobre o que seria necessário fazer relativamente à Segurança Social: “Não se apresenta de momento o detalhe da medida a aplicar, definindo-se apenas uma obrigação de resultado de obter um impacto positivo na ordem de 600 milhões de euros no sistema de pensões, independentemente da combinação entre medidas de redução de despesa ou de acréscimo de receita que venha a ser definida.”
Daqui se extrai, desde logo, que foi, em momento algum, assumida pelo Governo de Passos Coelho a necessidade exclusiva de cortar o valor das pensões, ao contrário do que muitos líderes socialistas afirmaram nos últimos anos. Idealmente, tratar-se-ia de uma “combinação”. Aliás, foi o próprio Pedro Passos Coelho que o garantiu no Parlamento, respondendo às acusações da oposição de que estaria a preparar-se para cortar centenas de milhões de euros aos pensionistas. A proposta não chegou a concretizar-se porque o PS viria a assumir o poder precisamente no ano de 2015 .