No final de 2022, quando surgiu a notícia de que Alexandra Reis (recém-nomeada para o cargo de secretária de Estado do Tesouro) tinha recebido uma indemnização de cerca de 500 mil euros para sair da Comissão Executiva da TAP, a primeira reação do Governo foi garantir que ninguém sabia de nada. Os ministros das Infraestruturas e das Finanças, aliás, emitiram prontamente um despacho a solicitar esclarecimentos à TAP sobre o processo da indemnização.
Poucos dias depois, Pedro Nuno Santos demitiu-se do cargo de ministro das Infraestruturas e assumiu a sua “responsabilidade política” na gestão do processo. Mas apontou o dedo ao secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, que “não viu incompatibilidades entre o mandato inicial dado ao Conselho de Administração da TAP e a solução encontrada”. No dia 20 de janeiro de 2023, porém, Pedro Nuno Santos acabou por reconhecer que não apenas sabia do valor da indemnização, como até deu “anuência política escrita” através de mensagem na aplicação WhatsApp.
Este caso deu origem a uma Comissão Parlamentar de Inquérito que possibilitou sinalizar mais falsidades, omissões e versões contraditórias (em que uma das partes está a mentir, ou ambas). E não se cingiu ao poder político: há cerca de um mês, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) decidiu multar a TAP em 50 mil euros porque “a informação divulgada” pela empresa “no comunicado de 4 de fevereiro de 2022 não era verdadeira, (…) uma vez que não referiu o acordo celebrado entre a TAP e Alexandra Reis e a vontade de ambas em terminar as relações contratuais existentes, na sequência de um processo negocial iniciado pela TAP”.
O folhetim da TAP prosseguiu – e de forma revigorada – através de um novo protagonista: João Galamba, sucessor de Pedro Nuno Santos na liderança do Ministério das Infraestruturas. No período de Galamba acumularam-se as falsidades, omissões e versões contraditórias (dezenas de artigos que estão disponíveis no arquivo do Polígrafo) sobre o caso. Desde logo na polémica em torno da reunião “secreta” entre a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, e deputados do PS, no dia 17 de janeiro de 2023, véspera de uma audição no Parlamento. Galamba começou por dizer que tinha sido uma iniciativa da TAP, mas depois viria a admitir que foi ele quem disse à CEO da TAP que tinha “um pedido do Grupo Parlamentar do PS para uma reunião preparatória” e que “se quiser participar, pode participar”.
Quanto aos acontecimentos da noite de 26 de abril no Ministério das Infraestruturas, incluindo denúncias de agressões, ameaças e intervenções do Sistema de Informações de Segurança (SIS) e da Polícia Judiciária (PJ), até hoje não se sabe exatamente de que lado está a verdade: a narrativa de Galamba e restantes membros do gabinete colide frontalmente com a do ex-adjunto Frederico Pinheiro.
Em janeiro de 2017, grande parte do mundo estremeceu quando Kellyanne Conway, então conselheira do recém-empossado Presidente dos EUA, Donald Trump, fundou o conceito de “factos alternativos” para justificar uma mentira grosseira do secretário de Imprensa da Casa Branca. No atribulado (e único) ano do Governo de António Costa em versão de “maioria absoluta”, apesar da torrente de casos e polémicas que redundaram na sua queda, não se atravessou de todo esse limiar de adesão à “política da pós-verdade”. Mas no folhetim da TAP houve demasiadas situações em que membros do Governo mentiram (ou omitiram) descaradamente. Ao promoverem a banalização da desinformação no espaço público, quer Pedro Nuno Santos, quer João Galamba, contribuíram ativamente para o desprestígio das instituições democráticas.