“Bem-vindos ao espetáculo: O que diz e o que faz o PS”, começa por dizer um vídeo publicado pelo Partido Comunista Português (PCP), a 4 de dezembro, na página oficial de X. No post, o partido comunista elenca o que considera ser uma série de situações em que as posições manifestadas pelo PS – nomeadamente pela líder parlamentar, Alexandra Leitão – não foram concordantes com a forma como votou algumas propostas do PCP no dia anterior.
O vídeo voltou a ser partilhado agora que a líder parlamentar socialista anunciou a candidatura à Câmara de Lisboa, mas será que estamos mesmo perante três contradições?
Alexandra Leitão: “Na Saúde, o orçamento ignora por completo os profissionais de saúde, nada fazendo para os manter no SNS” / PS votou contra a proposta do PCP para a “criação do regime de dedicação exclusiva no SNS”
É, efetivamente, verdade que o PS votou contra a proposta de alteração ao OE2025 132C do PCP, tal como o PSD e o CDS. O BE, o Livre e o PAN votaram a favor, ao lado do PCP, enquanto que a IL e o Chega se abstiveram.
Apesar de ter votado contra a proposta dos comunistas, não se pode dizer que a frase proferida no dia seguinte mostre incoerência por parte do PS. Aliás, o partido também apresentou também uma proposta que defendia a criação de um “regime de exclusividade de adesão voluntária no Serviço Nacional de Saúde e medidas de fixação dos profissionais de saúde”. A proposta socialista também acabou chumbada.
No vídeo completo do discurso de Alexandra Leitão no plenário em que se votou o OE2025, publicado na página de YouTube do partido socialista, Alexandra Leitão fala, efetivamente, da medida do PS, imediatamente a seguir ao momento onde termina o vídeo colocado na compilação do PCP.
As duas propostas, ainda que sobre o mesmo assunto, têm diferenças. A proposta do PCP, por exemplo, pressupõe uma “majoração de 50% da remuneração base mensal e o acréscimo na contabilização dos pontos para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório”, algo que não consta na proposta do PS.
Em resposta escrita enviada ao Polígrafo, o Grupo Parlamentar do PS explicou que uma das razões para terem votado contra a proposta do PCP foi por considerarem que esta “prescinde da negociação, fixando normas e critérios”. Apontaram também uma outra diferença entre ambas as propostas, em matéria de regime de exclusividade: “A proposta do PCP é relativa a médicos e enfermeiros, a do PS apenas a médicos”.
O PS criticou o facto de o Orçamento “nada” fazer para manter profissionais no SNS e, efetivamente, apresentou uma proposta com o objectivo de fixar profissionais nesta área. Mas uma diferente da do PCP, em relação à qual votou contra.
Avaliação do Polígrafo: Descontextualizado
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“Soubemos hoje, pasmem-se, que estes centros de saúde [USF-C] podem recusar a inscrição dos utentes do SNS”. PS absteve-se na proposta do PCP para eliminar estas unidades.
A segunda instância em que o PCP critica o PS por, alegadamente, ter manifestado uma posição distinta no púlpito e na votação do dia anterior foi acerca das Unidades de Saúde Familiar de Tipo C. Acerca destas unidades, Alexandra Leitão criticou a possibilidade de poderem “recusar a inscrição dos utentes do SNS”.
No vídeo que se segue às declarações da líder parlamentar do PS, é anunciado que o PS se absteve na votação da proposta do PCP para a eliminação destas unidades de saúde familiar. Mais uma vez, confirma-se.
Apesar de ter apontado críticas ao funcionamento das USF de Tipo C, tal não significa, obrigatoriamente, que o PS defenda a extinção destas unidades. Até porque, como verificou o Polígrafo em setembro de 2024, estas unidades foram regulamentadas em 2006, época em que governavam os socialistas (primeiro Governo de José Sócrates, era ministro da Saúde António Correia de Campos), ainda que não tivessem sido implementadas.
Em 2022, o então ministro da Saúde socialista, Manuel Pizarro, chegou a equacionar a implementação de USF-C, mas acabou por abandonar a ideia. Em declarações ao “Público” justificou não se reunirem condições para tal: “Todo o diálogo que conduzimos, nomeadamente com o sector social, fez-nos perceber que não há profissionais disponíveis. Se nós avançarmos hoje com as USF modelo C, elas poderão acontecer, num ou noutro local, à custa de profissionais que saem do SNS para ir para as USF modelo C”, disse ao jornal diário.
Em resposta ao Polígrafo, o grupo parlamentar socialista explicou que se absteve na votação “por entender que estas poderão ser utilizadas em casos específicos, ou seja, na linha de complementariedade às USF Modelo B”.
Não houve, portanto, contradição. O PS discorda da possibilidade de estas unidades poderem “recusar a inscrição dos utentes do SNS”, mas não defende a eliminação das unidades tipo C por completo.
Avaliação do Polígrafo: Descontextualizado
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“Reduz o orçamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) ao seu valor mais baixo desde 2018”. PS absteve-se na votação de uma proposta do PCP para repor o montante cortado no financiamento à FCT.
Por último, o vídeo publicado pelo PCP indica que o PS criticou o facto de o orçamento atribuído à FCT em 2025 ser o mais baixo desde 2018 mas, no dia anterior, se absteve na proposta do PCP para reforçar as verbas para a fundação.
E é verdade. O PS absteve-se na votação, tal como o Chega e a iniciativa Liberal. A proposta, que defendia a reposição do montante cortado no financiamento à FCT no OE2025 recebeu votos contra do PSD e do CDS, e votos a favor do PCP, Livre, BE e PAN.
Na linha do que afirmou Alexandra Leitão, já Isabel Ferreira, vice-presidente da bancada parlamentar do PS tinha afirmado a 5 de novembro, numa audição ao ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, que “o orçamento da FCT deve ser reforçado independentemente da disponibilidade de fundos europeus”.
A proposta do PCP para o reforço do financiamento da FCT não foi a única que mereceu a abstenção do PS. Também aconteceu com uma proposta do Livre, que defendia a transferência de 70 milhões de euros para compensar o corte no financiamento da FCT.
Teoricamente, a abstenção do PS viabilizaria ambas as propostas, quer do Livre, quer do PCP. Porém, tendo em conta que a redução no orçamento para a FCT foi proposta pelo Governo e era, naturalmente, expectável um voto contra por parte do PSD a ambas as propostas, o PS podia prever o chumbo das medidas.
“Dada a abstenção do PS na votação na generalidade desta proposta de Orçamento, o PS assumiu que não aprovaria propostas que onerassem o Orçamento do Estado”, justificou ao Polígrafo o grupo parlamentar do PS. “Ultrapassada esta fase, conscientes do subfinanciamento e falta de clareza nas políticas de ciência, iremos tomar as devidas diligências que passarão por iniciativas subsequentes ao orçamento do estado, de forma a garantir a reposição e o reforço de uma instituição tão importante para o sistema científico tecnológico português”.
Apesar da justificação dada pelos socialistas, a posição do PS, que criticou a redução do orçamento para a FCT – defendendo até, numa ocasião que este devia ser “reforçado independentemente da disponibilidade de fundos europeus” – e a ausência de voto favorável em medidas que defendiam a reposição do valor cortado são, de certa forma discordantes. A justificação do PS explica a posição do partido no momento do voto, mas não elimina o facto de o partido ter assumido duas posições que não são concordantes.
Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro
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