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Luís Paixão Martins: “Sócrates é um realizador incrível mas pouco tolerante, ou se está do lado dele ou se é inimigo”

Este artigo tem mais de um ano
Tem a varinha de condão que deu grandes reinados (ou grandes problemas) a José Sócrates, Cavaco Silva e a António Costa, com quem ainda partilha encontros. Um sentido de humor apurado, uma fórmula treinada e respostas quase sempre incisivas: Governo tem que se livrar da TAP, Jornada Mundial da Juventude foi uma benção para os problemas do Executivo e Pedro Nuno Santos não se soube colocar no lugar, o que não significa que não venha a ser um bom líder. Passos Coelho é um não-assunto, Rui Rio devia ter guardado o gato e o PSD tem que voltar a ser o partido central da direita. Ideias e conselhos de Luís Paixão Martins em entrevista ao Polígrafo, o "spin doctor" que não é amigo dos clientes.

Escreve no seu livro que a campanha de António Costa para as legislativas de 2022 “antes de o ser já o era”. Alguma vez pensou que o primeiro-ministro possa ter provocado deliberadamente as eleições quando aboliu as negociações com os partidos à esquerda, durante a discussão do Orçamento do Estado que acabou chumbado?

Não é um problema do meu pensamento. As eleições foram provocadas porque houve uma conjugação de votos na Assembleia da República entre os partidos à direita e à esquerda do Partido Socialista (PS) e porque o Presidente da República tinha dito antes que dissolvia a Assembleia da República caso esse resultado acontecesse. Não é uma situação obrigatória. Depois de um Orçamento ser chumbado pode-se continuar a governar – em Espanha o Governo esteve dois anos a governar com duodécimos.

O Presidente da República colocou essa condicionante, provavelmente até para pressionar os partidos, nomeadamente o PCP, a deixarem passar o Orçamento do Estado, e ficou capturado pelas suas palavras. António Costa não tinha nenhuma vontade de ir a eleições. No princípio de dezembro de 2021 estávamos ainda no meio de uma pandemia e, portanto, não era perceptível que a convocatória de eleições fosse benéfica para o PS. Ninguém pensava que das eleições ia resultar um modelo de Governo que favorecia o PS.

Sei que tendem a perguntar-lhe o porquê de ter feito uma pausa na reforma para integrar a equipa de campanha de António Costa…

Fui porque me convidaram.

Mas fê-lo porque acreditava no primeiro-ministro ou faria o mesmo por alguém em quem não votaria?

Ah, sim. Sou esquisito. Só trabalho quando quero e com quem quero, mas não é de agora. Em relação a este caso, e não é nenhum segredo, o Duarte Cordeiro, que foi o diretor de campanha do PS, telefonou-me a perguntar se eu, apesar de estar reformado, queria interromper a minha reforma para trabalhar na candidatura do dr. António Costa e eu disse-lhe imediatamente que sim, porque tinha ficado um bocado incomodado com o que se tinha passado em Lisboa. A campanha que o PS fez deixou-me um bocado desgostoso, portanto eu disse-lhe que sim e pus duas condições, uma delas foi-me dito logo que sim e a outra também era fácil de resolver.

Que condições?

São questões que têm que ver com o sistema de trabalho, não têm nenhum interesse público. Se era muita gente na direção, se era pouca…

Não queria muita gente a trabalhar consigo?

Sim, com certeza. No fundo era isso: questões que ajudavam a facilitar o funcionamento do nosso trabalho e que foram facilmente aceites.

© Micaela Neto

Quando se reuniu pela primeira vez com António Costa, qual foi o objetivo delineado pelos dois?

O primeiro objetivo foi fazer a diferença.

Com a maioria absoluta?

Sim. Um tipo chega a uma reunião com quatro ou cinco pessoas, algumas conhece mais ou menos, e a primeira coisa que um consultor externo tem que fazer é a diferença. Chegar lá e marcar a sua posição para que as pessoas digam: ainda bem que chamámos o Luís Paixão Martins para trabalhar connosco. Na minha cabeça eu esgotei as alternativas que podiam determinar a campanha…

Uma coligação à esquerda, um bloco central…

E uma nova geringonça. Fui esgotando todas essas possibilidades. E não foi por razões políticas mas sim eleitorais: naquele pragmatismo do momento pré-eleitoral, todas essas possíveis soluções que o PS podia apresentar eram soluções que afastavam eleitores e que não os atraíam. A única solução que atraía eleitores era tornar o programa do PS central à campanha. Para que isso acontecesse, nós tínhamos que falar em maioria absoluta. A primeira coisa que eu disse na reunião quando cheguei, numa sala muito grande, com máscaras e acrílicos, nem nos cumprimentámos, foi: “Vamos lá então trabalhar para a maioria absoluta.” Depois descasquei para explicar que não estava a falar em maioria absoluta, mas sim na centralidade da campanha na proposta do Governo.

Sente que essa maioria absoluta dependeu muito da campanha ou mais de António Costa, enquanto pessoa individual?

É um somatório.

Mas o PS poderia ter ganho sem António Costa?

De maneira nenhuma. Nem vale a pena falar nisso. O PS tem, à partida, um milhão/ um milhão e duzentos mil eleitores. Se fizer uma campanha centrada no seu eleitorado tradicional poderá ter mais, como foi o caso do dr. Ferro Rodrigues, que teve quase dois milhões eleitores. Mas António Costa há de ter, além daqueles que votam PS, 300 ou 400 mil eleitores. Ou seja, pessoas que quando põem a cruzinha não estão a votar no PS, mas sim em António Costa. A diferença entre o PS e o PSD era, apesar de tudo, mais próxima do que a diferença entre o dr. António Costa e o dr. Rui Rio.

Para termos uma ideia, nós temos nas legislativas em Portugal cerca de 20 partidos que concorrem. Desses, dois terços aproveitam a campanha, porque sabem que os media estão concentrados, para ganhar notoriedade. Da outra meia dúzia de partidos que concorrem, quatro ou cinco concorrem para terem deputados eleitos e há dois partidos que concorrem para eleger primeiros-ministros. Quem vota no PS e no PSD põe simultaneamente uma cruzinha para deputado e para primeiro-ministro.

© Micaela Neto

Já que introduziu o tema… acha que Pedro Nuno Santos dava um bom primeiro-ministro? Gostava de vir a trabalhar com ele?

Eu não tenho idade para vir a trabalhar com Pedro Nuno Santos e, portanto, essa questão não se coloca. Vou-lhe dar uma resposta substantiva e que eu acho que é interessante: durante a campanha eleitoral só houve um discurso ideológico, que foi o de Pedro Nuno Santos em Aveiro, pessoa que eu não conheço pessoalmente sequer. Achei curioso esse discurso dele…

Bastante intenso…

É um discurso fora da campanha e um bocadinho egocêntrico, se quisermos, porque contribuiu pouco para apoiar António Costa.

Mas muito para criar uma boa imagem de Pedro Nuno Santos.

E uma expectativa em relação a ele, realmente. Numa campanha, não se esperaria um discurso tão egocêntrico como o que ele fez. Mas gostei muito do discurso e interessei-me pelo tema, porque ele abordou algumas ideologias que têm sido transportadas pelas correntes liberais e às quais o PS não tem sabido responder. Depois disso até me interessei e estive a ler livros de autores que teorizavam sobre esse tema, exatamente porque achei que havia ali uma linha de comunicação interessante para um futuro do PS…

Para um futuro primeiro-ministro…

Eu nunca penso nas pessoas como primeiro-ministro, penso como candidatos.

Voltemos agora à maioria absoluta, não sei se sabe exatamente como é que chegou lá.

É facílimo. Eu estive com o professor Cavaco Silva no outro dia e ele explicou-me como é que tinha chegado ali – penso que ele me perdoará esta confidência – porque o professor Cavaco Silva teve maioria absoluta com 44% dos eleitores e António Costa teve com 41%. Antes das eleições, qualquer pessoa que tenha feito as contas percebeu que, nas eleições de 2022, era possível ter maioria absoluta com 41% dos votos. Porquê? Porque havia muito mais partidos que não elegiam deputados. Enquanto que nas maiorias de Cavaco Silva só havia, na prática, quatro ou cinco partidos, nas eleições atuais tínhamos uns vinte. Isso significa que cerca de meio milhão de eleitores não elegeram ninguém o que significa, por sua vez, que para ter maioria absoluta não era preciso uma percentagem tão elevada. A dois meses das eleições era possível ter-se dito que “é difícil ter maioria absoluta, mas é mais fácil hoje do que foi no passado”.

Portanto Cavaco Silva disse-lhe que foi mais difícil para ele?

Sim, disse-me. Ele fez as contas e chegou a essa conclusão. Depois eram precisos dois fatores: um resulta do trabalho da candidatura de António Costa, que é a percentagem de votos que ele teve, e o outro resulta do trabalho do concorrente principal, Rui Rio e PSD, que ficaram abaixo das expectativas.

Acha que ficaram abaixo das expectativas também pelo discurso dúbio relativamente ao Chega?

Terá ajudado. Há ali várias questões. Eu sou uma parte interessada no assunto e nem sequer disfarço com sinal de independência e, portanto, gosto mais de valorizar o nosso trabalho do que de valorizar o trabalho dos adversários. Ou seja, gosto mais de ver que foi por alguma coisa bem feita que nós fizemos do que por alguma coisa mal feita que fez o adversário.

Mas os erros dos outros ajudam.

Pois, mas eu não estou a dizer que sou independente relativamente a esta questão. O que penso é que o factor que levou os eleitores, nos últimos três dias, a decidir foi a ideia de Governo. É preciso ver uma coisa que não é tão evidente para quem não estuda estes assuntos com a profundidade que eu gosto de estudar, que é: no tempo do professor Cavaco Silva, ele ganhou duas maiorias absolutas porque as pessoas olharam para o PSD e pensaram: “é o único partido que pode formar Governo.” O PS não podia, iria ter sempre uma minoria e teria que formar Governo minoritário, com o apoio do Partido Comunista… Agora a situação inverteu-se.

Nas eleições que tivemos em janeiro só um partido é que dizia: “eu vou formar Governo.” As pessoas gozaram e criaram até bastantes memes com aquela história de António Costa andar com o Orçamento na mão. O que é verdade é que as pessoas votaram nisso, porque é uma coisa concreta. O que o PSD oferecia era uma coisa que não se sabia o que ia ser, uma eventual negociação de Rui Rio com o CDS, com o Iniciativa Liberal e com o Chega. Isso é o grande fator que leva os eleitores de última hora, aqueles que não são ideológicos, a votar no PS.

Há um momento em que há pessoas que decidiram não votar no PSD por causa do Chega…

E esse momento é crucial para a maioria absoluta.

Esse momento é anterior. O momento crucial é quando a maioria passa de robusta a absoluta e quando as pessoas decidem que querem um Governo.

Foi nesses três dias anteriores às eleições que souberam que iam ganhar?

Não, nós nunca soubemos que íamos ter maioria absoluta. Não é verdade. Eu despedi-me de António Costa e do resto dos meus companheiros de missão às 7 da tarde do dia das eleições porque eles foram para o Altis [hotel que recebeu o PS na noite eleitoral] fazer a festa e eu fui para casa. Na altura sabíamos que aquilo estava resolvido, mas não sabíamos que íamos ter maioria absoluta. Tínhamos feito o possível e avaliado os sete círculos eleitorais onde tínhamos que incidir para ter maioria absoluta: fizemos um estudo em dezembro para perceber como é que partíamos da maioria de António Costa para a maioria de José Sócrates.

Para repetir o feito…

Não quer dizer que tivéssemos lá chegado. Mas o nosso caminho foi esse e estou à vontade para dizer que, às sete da tarde, quando mesmo com máscaras finalmente nos abraçámos, sentimos que o problema estava resolvido.

© Micaela Neto

Qual é que foi a primeira coisa que António Costa lhe disse?

Ele telefonou-me à uma da manhã e até fui eu que lhe disse que não lhe gabava o resultado e que achava que ele ia ter imensos problemas. A maioria absoluta tem um problema de reputação ao nível da opinião pública e tem um problema de expectativas. São duas coisas ao mesmo tempo.

A dada altura, um mês antes das eleições, a jornalista Anabela Neves perguntava a António Costa se a palavra “absoluta” o queimava. O primeiro-ministro disse: “Não é uma questão de queimar. A maioria é maioria. O que é maioria? É metade mais um.” Esta contenção quanto às palavras serviu para quê e foi recomendada por quem? 

Ele foi evoluindo, essa foi a primeira vez que lhe perguntaram. No dia seguinte já disse outro eufemismo, foi acrescentando, eufemismo atrás de eufemismo, até que um dia, num repique, já não conseguiu aguentar e disse maioria absoluta. Disse, aliás, duas ou três vezes num fim-de-semana, antes da campanha propriamente dita. Não é uma questão de evolução e a ideia é sempre a mesma, mas nós usamos eufemismos como em tudo na vida, todos nós. E nos eufemismos que usamos, uns funcionam bem e outros mal.

Na campanha os conteúdos gastam-se muito depressa, para o bom e para o mau. Um problema que temos à uma da tarde, às seis da tarde já ninguém se lembra dele, se trabalharmos para isso. Em contrapartida, um soundbite das três da tarde às cinco da tarde já está gasto. Temos que inventar outro. O dr. António Costa depois até acabou por dizer: “Não sou eu que não quero, os eleitores é que não suportam a ideia de maioria absoluta.”

Foi mal recebido?

A isso não consigo responder. Naquela “célebre” reunião de Évora havia três problemas sobre a mesa: a questão da maioria absoluta, do ativo tóxico TAP e do tipo de campanha que andávamos a fazer. Pessoalmente, dei mais importância ao último. Nessa reunião, achei que a culpa era da campanha. O dr. António Costa tinha sido o Chefe do Estado-Maior do combate à pandemia, tinha aparecido nas televisões com máscara ou a dizer às pessoas para colocarem a máscaras, lavarem as mãos e tomarem a vacina e, de repente, íamos para a rua fazer uma campanha. Não fazia sentido. É uma coisa destruidora da reputação de António Costa.

O que decidimos foi ficar à espera de ver o que é que os outros faziam. O que é que aconteceu? O PS fez umas sessões à porta fechada, com pessoas sentadas, com máscaras, a dois metros umas das outras, uma coisa fraquíssima, e o dr. Rui Rio andava no meio da rua, nas arruadas e tal. Isso, do ponto de vista da televisão, é terrível.

Fizeram uma má gestão da crise.

Não acho que foi uma má gestão, acho que foi uma boa gestão da nossa parte. Não vejo isso como um erro, mas como uma condicionante que nós tínhamos.

Dessas três questões sobre as quais falava, conseguiram resolver todas, nomeadamente a questão da TAP?

A questão da TAP ficou resolvida porque o assunto ficou tão tratado – mal tratado para o nosso lado -, no debate de todos contra António Costa, que se esgotou. Tivemos sorte porque o assunto da TAP em vez de vir a três dias do fim da campanha veio três semanas antes. Quando chegou a altura das eleições já ninguém se lembrava da TAP. Caso contrário teria tido um efeito adverso em relação aos nossos eleitores.

E houve alguém a avisar António Costa de que não poderia dizer mais “maioria absoluta”?

Não, ele não precisa que a gente lhe diga nada. Conversámos uns com os outros e ele não precisa que lhe digam: “fale assim ou fale assado.” Tem muito mais experiência de campanha do que eu tenho.

Porque é que António Costa nunca mostrou os seus cães durante a campanha? Alguém chegou a sugerir isso?

Não. Nem nunca ninguém me perguntou isso. E os cães fazem parte da vida do dr. António Costa, sou testemunha…

Eles estiveram presentes no dia das eleições, enquanto a mulher do primeiro-ministro foi votar.

Sim, mas nem é só isso. Ele para ficar três ou quatro dias no Porto teve que deixar os cães num Hotel de cães em Leiria, ou porque encontrou um cão meio perdido na Fortaleza de Elvas… É um animal bastante presente na vida do Dr. António Costa, quer os dele quer, pelos vistos, os das outras pessoas. Mas não se pensou nisso. Aparecer o gato do dr. Rui Rio foi também uma surpresa, ninguém estava à espera.

Bom, mas isso já tinha acontecido antes com André Ventura e, depois dele, vários líderes políticos partilharam os seus animais de estimação. Aliás, António Costa até chegou a responder a Rui Rio sobre o gato, o Zé Albino…

Não me lembro. Sinceramente, não me lembro. Mas o problema do dr. Rui Rio não foi ter mostrado o gato, foi querer tirar partido de um acontecimento faits divers, que tinha tido propagação, e transformá-lo num ato político. O gato apareceu para humanizar o dr. Rui Rio, que tem uma imagem, não sei correta ou incorreta, mas é contabilista, tem muitas preocupações com o dinheiro. Aliás, na noite eleitoral, quando ele reconheceu que tinha perdido as eleições, uma das primeiras frases que disse foi que a campanha não tinha causado prejuízos financeiros ao PSD. Isto dito, é natural que, ao aparecer o gato, bem bonito por sinal, isso o humanize.

Em momento algum tiveram medo desse ato?

Não, nenhum. O problema não foi aí e nem foi nosso, foi dele. Nós nunca temos medo dos erros dos nossos adversários.

Mas acha que foi um erro?

Claro, absoluto. É que depois ele transformou o gato não num faits divers de campanha, mas num ato político. Como aquilo teve uma grande propagação e correu muito bem, as pessoas acharam graça, ele depois disse: “Estão a ver o meu gato? O meu gato é que é um grande político porque, ao contrário de António Costa, o meu gato está calado.” Foi assim. E foi na transformação do animal num animal político que o dr. Rui Rio se espalhou e depois, de algum modo, se virou contra ele. Mas este não foi um tema valorizado por António Costa.

© Micaela Neto

Que segredos de bastidores é que nos pode revelar, agora para fechar esta questão da campanha?

Se são segredos.. [risos]

Terá tido certamente algum momento caricato. Ou o pior momento da campanha…

Bom, o pior momento para mim foi quando eu tive a ideia do PAN. Ou seja, por causa do problema da maioria absoluta, do eufemismo, perceber como é que mantínhamos o tabu da maioria absoluta, sem nos comprometermos, eu aconselhei: “Porque é que a gente não fala do PAN?” Porque o PAN tinha duas vantagens: a primeira, não votou contra o Orçamento do Estado e portanto não é responsável pela queda do Governo; a segunda, era previsível que tivesse um grupo parlamentar muito pequeno. Quando nós falamos do PAN, queria dizer que o PS estava muito próximo da maioria absoluta, porque precisava de um ou de dois deputados… Mas correu muito mal isso. Foi péssimo. Houve uma reação muito grande do eleitorado do PS.

O Manuel Alegre escreveu um artigo no jornal “Público” a desancar-me. Aliás, a mim não, à ideia de associação com o PAN. O PAN pelos vistos tem uma grande animosidade de grande parte do eleitorado de PS, de pessoas que têm explorações agrícolas, que vão à caça e à pesca. Acho que o PAN é feito para as pessoas da cidade, para os urbanos se divertirem com os cães e com os gatos. Nunca vi aquilo como um perigo para o povo rural, mas pelos vistos o povo rural vê aquilo como um perigo. A CAP, aliás, na sequência disso fez uma campanha contra o PS.

Vamos recuar agora até 2005, à campanha eleitoral de José Sócrates, que já disse ter sido a mais “fácil” de ganhar. Qual é que foi o elemento-chave? Sócrates era fácil de lidar com?

Eu tive pouca relação com José Sócrates nessa altura porque não fazia parte da direção de campanha mas não de candidatura. Quem dirigia a campanha era o Jorge Coelho e, portanto, a minha articulação era mais a nível prática de comunicação e de conceitos.

Mas conhece-lhe o temperamento. 

Sim, muito. Almocei com ele na Ericeira, há quinze dias, à beira mar. Não tenho nenhuma questão em relação a isso, mas não tive nenhuma demonstração de qualquer tipo de temperamento. Sempre achei José Sócrates uma pessoa muito persuasiva e há pessoas que não conseguem compreender isso. Ou seja, José Sócrates é uma pessoa com quem a gente ou está do lado dele ou é inimigo dele. É pouco tolerante mas é um realizador incrível. O que decide fazer, faz. E depois é fácil de convencer: no momento em que se convence de uma ideia que não é dele, passa a ser o campeão dessa ideia.

No caso de Cavaco Silva foi tudo mais complicado, com as grandes figuras de Mário Soares e Manuel Alegre a fazer frente na corrida à Presidência da República. Tinha uma carta na manga ou aqueles quase três milhões de votos já estavam decididos? Cavaco Silva é uma figura por si só…

Não, não tinha carta nenhuma na manga. Tinha a consciência de que nós tínhamos umas intenções de voto que não se iam concretizar. Quando começámos a trabalhar, as pessoas que iam votar no professor Cavaco Silva já se tinham decidido e as outras nem sequer sabiam bem quem eram os candidatos. Havia a ilusão de que ia ser uma vitória fácil, mas não era. À medida que a campanha ia decorrendo é que as pessoas iam decidindo em quem votar. Primeiro no Mário Soares, depois no Manuel Alegre… E o Manuel Alegre introduziu um fator muito interessante, o da ideia de que pode vencer e que perturbou a nossa campanha.

Assustou?

Assustar não. Eu tenho muita dificuldade em assustar-me. Mas a nossa campanha estava preparada para ter um opositor que era o Mário Soares e era o chamado opositor perfeito e, a dada altura, passou a ser o Manuel Alegre, que era um opositor mais difícil, que veio tornar mais difícil a nossa comunicação também.

Foi difícil transitar de um socialista (José Sócrates em 2005) para um social-democrata (Cavaco Silva) logo no ano seguinte? 

Nada mesmo. Para já, devo-lhe dizer que fui empresário, a minha empresa foi criada em 1986, portanto no princípio do cavaquismo, e adorei esse período, do ponto de vista profissional e pessoal. Não tenho nada contra aqueles anos de governação do professor Cavaco Silva, até lhe tenho alguma dívida de gratidão.

Depois, eu fui convidado pelo Alexandre Relvas para trabalhar com o professor Cavaco Silva, na campanha, e eu sabia o que é que era preciso fazer para obter o resultado. Depois de ter estado a trabalhar com José Sócrates, na campanha dele, fiquei completamente disponível porque muito rapidamente encontrei a fórmula que faria com que o professor Cavaco Silva tivesse os votos que teve. Foi uma coisa até bastante fácil no pensamento, embora seja uma campanha muito enganadora porque, a dois meses das eleições, havia ainda indecisos. As sondagens iriam sempre correr contra nós e é muito difícil fazer uma campanha em que as sondagens são contra nós e vão sempre caíndo.

Mantém uma relação boa com os dois? Ou com os três… Dizia há pouco que até foi almoçar com José Sócrates.

Eu almocei com José Sócrates, estive com Cavaco Silva e jantei com António Costa em dias seguidos. Não somos amigos, não tenho uma relação pessoal, não é isso que está em causa. Somos cúmplices de momentos…

Mas quando se juntam pedem-lhe conselhos, ou não?

Não, pedem agora conselhos. Dão-me conselhos. Tivemos momentos de cumplicidade e são coisas que ficam nas nossas vidas. Mais nas deles do que na minha. E é interessante falar desses momentos.

E além de lhe dar, António Costa já lhe pediu algum conselho depois de ter sido eleito?

Não, formalmente não… Eu costumo dizer que o dr. António Costa nunca me convidou para nada. Eu já tinha trabalhado em duas campanhas dele antes desta, mas nunca foi ele que me convidou, foram sempre os diretores de campanha, a não ser para almoçar ou jantar. Aí sim, de facto.

Mas nesses almoços e jantares ele pede-lhe certamente alguma coisa…

Sim, falamos de qualquer coisa, sim. Não necessariamente de nada que o mace. Não são feitos para o maçar.

Imagine que saímos daqui agora e António Costa lhe liga a pedir um conselho para lidar com a TAP, da qual falávamos há bocadinho.

Esse número não é possível, ele não me ia telefonar a pedir um conselho. Mas eu já disse publicamente e, portanto, se ele se interessa pela minha opinião já o ouviu, que o Governo tem que vender a TAP este ano. Isto se quiser aparecer nas próximas eleições limpo daquela mochila enorme que carrega ao ombro que é uma das instituições mais odiadas pelos portugueses.

A TAP tem uma componente eleitoral muito relevante, porque nas eleições nem tudo conta. As sondagens que se publicam hoje em dia não têm interesse nenhum: perguntar às pessoas o que é que acham do Governo é como perguntar a um taxista o que é que acha do Governo, porque as pessoas têm um sentido crítico e quando chegam às eleições o que conta não é o que pensam de um valor, mas sim a comparação entre vários valores.

Suponha-se que um sindicato contesta esta Governo, que é um Governo de esquerda. Quando chega às eleições, é difícil contestar um Governo de esquerda quando a hipótese é um Governo de direita. Ou seja, há muitos temas, que são temas do dia a dia e que nas campanhas são vistos de maneira diferente. A TAP não. Eu não consigo perceber, antever e refletir como é que se conseguiria resolver aquele problema. Depois tenho outra questão, de comunicação, que é: a TAP só faz comunicação executiva e a institucional é feita pelo Governo. O Pedro Nuno Santos era uma espécie de chairman da TAP que, tendo qualquer problema, ia-se perguntar ao ministro. Ninguém pergunta pela Caixa Geral de Depósitos, nem pela RTP e elas também são do Estado. Há um problema de promiscuidade a nível de perceção entre a TAP e o Governo e, qualquer coisa que aconteça na TAP, as pessoas acham que a culpa é do ministro. Não é possível governar com uma mochila tão pesada às costas.

Além desse dossier, que parece que vai ficar resolvido já este ano – Costa até admite já a alienação total…

A alienação total é um sinal de fé no negócio.

… temos outros pequeninos que parece que são juntando e que são os ministros e os secretários de Estado. Neste caso Costa não os pode mandar a todos embora e resolver o problema com tanta facilidade.

Acho que esse é um assunto que está ultrapassado e resolvido de várias maneiras. A primeira é: há casos e casinhos. O problema é que há para aí dois casos de evidente responsabilidade e depois há outros que são estranhos: lá porque o marido de uma senhora tem uma conta congelada a senhora não pode ser secretária de Estado? A mim faz-me um bocado de impressão alguns temas que só são temas porque houve um conjunto de conteúdos simultâneos, sucessivos e eventualmente até programados para tentar criar instabilidade no Governo e pressionar o Presidente da República a deitar abaixo o Governo.

António Costa também alterou ali a linha vermelha.

Pois, António Costa mudou de posição. A dada altura ele achou que o facto de não dar importância ajudava a que os problemas fossem ultrapassados e, quando percebeu que isso não era assim, passou a dar importância. O questionário, eu nunca o vi. Não tenho interesse, não espero ir para o Governo. Mas ele vale pela simbologia, ou seja, é uma medida que o Governo toma, da mesma maneira como houve dois casos que foram resolvidos instantaneamente. Depois veio a história dos palcos e do engenheiro Moedas e tal e podemos pensar que há quinze dias ou três semanas que o Governo vive…

Tranquilo.

Pois.

Mais ou menos tranquilo… E à custa de polémicas na Câmara Municipal de Lisboa.

Sim.

O que não será de todo bom…

Para o Governo? Não é um problema do Governo. Enquanto as agendas mediática estiverem concentradas sem ser no Governo, isso é bom para o Governo.

Vou voltar a José Sócrates e a Cavaco Silva para fazer aqui algumas previsões. Escreve que “muitos dos eleitores de ocasião que deram a maioria absoluta a Sócrates em 2005 foram os mesmos que vieram a garantir a vitória na primeira volta a Aníbal Cavaco Silva”. Diz ainda que a “culpa deste movimento é da maioria absoluta e da reputação que lhe foi dada pelo PS”. Está aqui a ditar um cenário sombrio para os socialistas nas próximas eleições, que no caso são as europeias?

Europeias?

Por exemplo.

Não, nem pensei nas eleições europeias. Eu, para já, até devo dizer que o nosso Presidente da República avisou que ia tirar conclusões executivas do resultado das eleições europeias. E a reação que eu vi foi de um dirigente do PSD que dá uma entrevista a dizer que, se o PSD perder as europeias, isso não significa uma mudança de líder. Ou seja, o Presidente da República também tem que ter a noção de que, quando diz que as eleições europeias são uma sondagem com repercussões a nível legislativo, que isso que ele diz não é apenas para o Governo mas também para a oposição. Não há histórico em Portugal de as eleições europeias contribuirem sistematicamente para a mudança ou para tirar conclusões a nível do Executivo. À distância, não estou a ver porque é que o resultado das Europeias há de ser negativo para o PS…

Podemos pensar nas Presidenciais…

O nosso histórico diz que as Presidenciais serão sobretudo ligadas a pessoas.

Pessoas ligadas a partidos.

É verdade. Mas eles são ligados a partidos mas fazem um grande esforço, nos anos antes das eleições, de dizer que não são.

Mas é provável que alguém ligado ao PSD arranque os votos que António Costa tem perdido agora com esta maioria absoluta, não?

Eu acho que é mais fácil alguém não ligado ao PSD. Sobre isso devo dizer uma coisa: acho que o PSD não pode perder oportunidade de se reafirmar como o partido central de direita. Para o fazer, não pode mimetizar o Chega e tem que ser talvez mais centrista do que está a ser. Isso é uma tarefa que exige uma grande concentração e eu não vejo como é que uma candidatura presidencial pode ajudar o PSD desse ponto de vista.

Acho que uma candidatura presidencial de uma pessoa que consiga federar a direita tem interesse para essa pessoa, mas não ajuda o PSD. Não é uma candidatura que sirva os interesses do PSD, mas que serve os interesses da direita.

Neste momento o crescimento do PS parece estar a travar e o PSD pode estar a ganhar espaço e tempo também para pensar numa solução governativa. A chegada de Montenegro também parece ter funcionado como um íman para Pedro Passos Coelho, que é agora um forte candidato às próximas presidenciais. Está à espera de uma chamada de Passos Coelho ou já decidiu que não se levanta para mais ninguém?

Comigo? Impossível. Nunca passaria pela cabeça dele convidar-me, portanto não vale a pena falarmos nesse tema. No livro eu digo que Pedro Passos Coelho é um ativo tóxico para o PSD, ou seja, há um ano, nos estudos que fizeram e que eu li, consultei e analisei, Pedro Passos Coelho era um fator negativo para o eleitorado com mais de 65 anos, com pensões e reformas.

Têm más recordações…

Sim, têm um handicap em relação ao PSD por causa das medidas que foram tomadas, até digo no tempo da troika para não dizer no tempo de Passos Coelho. Mas isto não significa que Passos Coelho não seja um bom candidato. Significa que é um bom candidato para federar a direita, mas não para retomar o eleitorado que fugiu da direita para a esquerda por causa da gestão. Seria preciso um controlo da narrativa, que o PSD perdeu, em relação a este tema.

O que é que fez à gravata verde que António Costa lhe ofereceu? Traz-lhe memórias…

Guardei-a. Não me traz nada de especial, nem olho para ela. Acho uma coisa engraçada ter ficado com ela, mas não a escolhi nem tive papel na escolha. Mas como entretanto aquilo se transformou numa espécie de talismã da campanha, mais do que outra coisa… Nós procuramos teorizar aspetos que às vezes não são nada.

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