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Luís Montenegro vs. André Ventura: Quem faltou mais à verdade no frente-a-frente?

Os líderes do Chega e da AD, que podiam - mas não querem - garantir a formação de um Executivo estável logo depois das eleições de maio, partilharam o estúdio ontem à noite, na SIC, e recordaram os tempos áureos da militância no PSD. Ventura diz que era admirado, Montenegro recusa ter sido admirador. Dos quase 40 minutos de debate fica um recorde de imprecisões, descontextualizações e mentiras.

Luís Montenegro: “Chega esteve contra tudo o que nós fizemos”

“No último ano fizemos coisas como regular a imigração, reforçar as políticas de segurança, de policiamento de proximidade, baixar os impostos sobre os rendimentos do trabalho e sobre as empresas, ajudar os jovens na compra da primeira habitação… e o Chega esteve sempre contra tudo. Está sempre contra tudo”. Luís Montenegro optou por uma simplificação excessiva da posição do Chega… que não corresponde à realidade. O partido de André Ventura votou várias vezes ao lado do PSD. Em matéria de impostos e habitação, o Chega apoiou várias propostas do PSD durante a discussão do Orçamento do Estado para 2024, incluindo por exemplo a redução das taxas de IRS, IRS Jovem e IRC, a isenção de IMT e imposto de selo na aquisição da primeira habitação para jovens até aos 35 anos e o programa de apoio à aquisição da primeira habitação com garantia pública sobre empréstimos bancários.

É verdade que o Chega votou contra o OE25 e que a negociação este ano foi bem mais complicada, mas juntamente com os socialistas a abstenção do Chega em várias matérias pode classificar-se como um apoio às medidas do Executivo de Montenegro. O Chega absteve-se, por exemplo, nas alterações ao IRS Jovem e na descida do IRC de 21% para 20%, permitindo que estas avançassem. No caso da isenção de IMT e Imposto do Selo para jovens até 35 anos que comprem a primeira casa, o Chega votou mesmo a favor.

Por este motivo, a declaração de Luís Montenegro é imprecisa.

Avaliação do Polígrafo: Impreciso

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André Ventura: “Mais uma grávida teve um bebé à porta de casa porque as urgências estavam fechadas”

Foi esta a versão que o país conheceu ontem à tarde, através de várias notícias sobre o caso. No entanto, um comunicado do INEM divulgado já depois do debate entre Ventura e Montenegro veio esclarecer que a equipa médica só realizou o parto na ambulância, frente à casa da grávida, por se tratar de um “parto iminente”. O organismo esclareceu ainda que a ambulância foi acionada às 16:15 para “assistência a uma grávida (40 semanas e 1 dia) que se encontrava nas Paivas, Seixal”.

“À chegada das equipas, verificando-se que se tratava de um parto iminente, o mesmo foi realizado no local pela equipa médica da VMER com o apoio dos Bombeiros. A grávida e bebé foram depois transportados em segurança para o Hospital de Setúbal, que tinha a urgência de obstetrícia a receber serviços CODU”, lê-se ainda. Trata-se, por isso, de uma informação descontextualizada.

Avaliação do Polígrafo: Descontextualizado

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Luís Montenegro: “André Ventura até achava que o melhor líder para o PSD era quem está hoje à sua frente”

Em setembro de 2018, era Ventura vereador da Câmara de Loures, quando afirmou que iria liderar um pedido de congresso extraordinário destitutivo de Rui Rio. As declarações foram dadas ao jornal “I” e o objetivo de Ventura era recolher 2.500 assinaturas para realizar esse congresso do PSD. “Vou liderar [um pedido] de congresso destitutivo. Depois é com os militantes. E tenho dito que o dr. Luís Montenegro é agora a única solução e não pode virar as costas ao PSD nesta altura”, indicava o agora líder do Chega.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro

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André Ventura: “O PSD, o Chega e o PS ficaram numa proximidade histórica nas últimas eleições”

Nunca a terceira força política em Portugal teve tantos votos como o Chega nas eleições de 2024. O resultado do Chega nas últimas eleições foi histórico, assim como a proximidade com as duas primeiras forças políticas. Mesmo entre PS e PSD a distância foi a mais curta em democracia: foram 54 mil votos ou 0,85 pontos percentuais, como mostra o mapa oficial dos resultados.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro

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Luís Montenegro: “Temos hoje cerca de 50% menos encerramentos de urgências do que tínhamos há um ano”

Montenegro não se refere a um período específico, mas a sua afirmação não é verdadeira no que toca pelo menos à semana (completa) de Páscoa. Em 2023 houve 18 urgências fechadas, em 2024 foram 12 e em 2025 foram 21, ou seja, um número superior e não inferior aos anos anteriores, como disse o social-democrata.

Avaliação do Polígrafo: Impreciso

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André Ventura: “Luís Montenegro deixou uma carga fiscal histórica este ano”

Apesar da redução de impostos, a carga fiscal subiu para 35,7% do PIB em 2024. No entanto, o número não é histórico como disse Ventura. O valor mais alto aconteceu em 2022, durante o Governo socialista, em que a carga fiscal atingiu os 35,9% do PIB.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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Luís Montenegro: “Não é verdade [que os emigrantes tenham sido colocados em listas paralelas no SNS]”

Segundo o plano de emergência e transformação da saúde, apresentado por Ana Paula Martins em maio de 2024, seria optimizada “a atribuição de médicos de família ao transferir os utentes não residentes e residentes estrangeiros sem consulta nos cuidados de saúde primários há mais de 5 anos com médico de família assignado para uma lista de espera paralela, possibilitando desta forma atribuir médico de família a 130.561 utentes”.

Mais à frente no documento explicava-se que a atribuição de médicos de família aos utentes que se encontravam em espera poderia ser otimizada se houvesse “a atualização das listagens de utentes, reformulando a atribuição de médicos de família a utentes não frequentadores dos cuidados de saúde primários, nomeadamente residentes estrangeiros e não-residentes sem registo de consulta médica nos cuidados de saúde primários há mais de 5 anos“. Assim, o registo de 49.796 portugueses não residentes ficaria inativo até “solicitação em contrário”.

Luís Montenegro não é completamente fiel à verdade: apesar de não abranger todos, a medida atingiu 50 mil portugueses emigrantes.

Avaliação do Polígrafo: Impreciso

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André Ventura: “O nosso cenário macroeconómico para este ano é muito mais próximo do CFP do que o do PSD”

No cenário macroeconómico subjacente ao programa eleitoral do Chega aponta-se para um crescimento de 2,4% do PIB em 2025. Por sua vez, no programa da Aliança Democrática aponta-se para um crescimento de 2,4% do PIB em 2025.

Quanto às últimas projeções do Conselho de Finanças Públicas (CFP), estimam um crescimento de 2,2% do PIB.

Em suma, não está “muito mais próximo”, mas precisamente à mesma distância.

Avaliação do Polígrafo: Impreciso

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Luís Montenegro: “Nós conseguimos dar médico de família a mais 150 mil portugueses, só que inscreveram-se mais 200 mil utentes no SNS”

O líder da AD interpretou de forma literal os números do portal da transparência, mas esqueceu-se de referir que o número de utentes inscritos no SNS sem médico de família também aumentou. Ou seja, é enganador dizer que hoje há mais utentes com médico de família no SNS. Essa estimativa é, assim, alimentada pela chegada de novos utentes, mas não apaga o número registado em março deste ano que mostra que 1,59 milhões de utentes em Portugal não tinha, nesse mês, um médico de saúde familiar atribuído.

Se calcularmos os valores: 15,11% dos utentes inscritos no SNS não tinha médico de família em março de 2025. Há um ano, eram 14,9%. Já no indicador “utentes com médico de família”, a percentagem é agora de 84,7%, mas era de 84,97% em março de 2024, ou seja, havia mais utentes com médico de família nessa altura. Por esse motivo, a afirmação de Luís Montenegro é “descontextualizada”.

Avaliação do Polígrafo: Descontextualizado

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André Ventura: “Consegui o melhor resultado de Loures que o PSD já teve”

Ventura referia-se às eleições autárquicas de 2017, quando foi o candidato do PSD à Presidência da Câmara Municipal de Loures. Nessas eleições autárquicas, de facto, o PSD obteve 18.877 votos (21,55% do total) e elegeu três vereadores, entre os quais o cabeça-de-lista Ventura – que exerceu o mandato apenas durante um ano.

Ficou na terceira posição, a distância considerável da CDU – que venceu as eleições com 28.701 votos (32,76% do total) e quatro vereadores – e do PS – que ficou na segunda posição com 24.737 votos (28,24% do total) e quatro vereadores.

Ainda assim verificou-se um crescimento assinalável do PSD (em coligação com o PPM) relativamente às anteriores eleições autárquicas em Loures, no ano de 2013, quando uma coligação PSD/MPT/PPM tinha obtido 13.164 votos (16% do total) e dois vereadores.

Porém, não foi o melhor resultado de sempre do PSD em Loures. Nas eleições autárquicas de 1989, por exemplo, o PSD conquistou 36.067 votos (26,19% do total) e elegeu três vereadores. Este resultado foi superior ao de Ventura em 2017, tanto em número de votos (quase o dobro) como em percentagem, além de ter concorrido a solo e não em coligação.

O mesmo em aconteceu em 1993, embora por uma margem mais reduzida. Nessas eleições autárquicas, em Loures, o PSD arrecadou 34.169 votos (21,58% do total) e elegeu três vereadores. Mais um resultado superior ao de Ventura em 2017.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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