Durante a realização de uma busca ao gabinete de Vítor Escária, um dos detidos no âmbito da investigação “Influencer”, foram encontrados 75.800 euros em notas guardadas em envelopes – que, por sua vez, se encontravam ocultados em livros e caixas de vinho.
O autor da descoberta em plena residência oficial do Primeiro-Ministro? Rosário Teixeira, precisamente o homem que liderou a investigação da Operação Marquês e que, no primeiro interrogatório que realizou ao antigo Primeiro-Ministro, logo a seguir à sua aparatosa detenção no aeroporto de Lisboa em 22 de novembro de 2014, o confrontou com a indiciação dos crimes pelos quais era suspeito – e um deles era o de branqueamento de capitais, pelo qual viria a ser formalmente acusado e posteriormente pronunciado pelo juiz de instrução Ivo Rosa, estando agora a aguardar julgamento.
Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Vítor Escária – entretanto exonerado por António Costa – já afirmou nesta manhã de quinta-feira à chegada ao Campus de Justiça, em Lisboa, que “serão dadas explicações” sobre esta matéria – que, sublinhou, se trata de “um facto metido a martelo, que não tem nada a ver com a imputação como ela está desenhada”.
A propósito deste caso, o Polígrafo recorda todo o trânsito de “fotocópias” que constava da indiciação com que Rosário Teixeira – acompanhado em 2014 pelo juiz de instrução Carlos Alexandre – confrontou José Sócrates durante um longo interrogatório, e que foi publicado no livro “Cercado – Os Dias Fatais de José Sócrates”, da autoria de Fernando Esteves, diretor do Polígrafo.
Os montantes entregues a Sócrates eram muito variáveis. Raramente se situavam abaixo dos cinco mil euros. E frequentemente ultrapassavam os 15 mil. No dia 27 de Novembro de 2013, por exemplo, ter-lhe-á sido passada a quantia de cerca de 50 mil euros, levantada no Barclays e destinada a André Figueiredo, seu amigo e ex-chefe de gabinete no PS. O ritmo a que eram feitos os levantamentos e as entregas chegava a ser alucinante. Apenas três dias antes, o ex-primeiro-ministro já tinha recebido cinco mil euros. E, recuando mais três dias, concluiu-se que lhe teria sido entregue uma quantia que o MP estimava que se situasse entre os dez e os 100 mil euros, alegadamente para financiar a compra de milhares de exemplares do seu livro A Confiança no Mundo. Contas feitas, só naquele mês de Novembro de 2013, José Sócrates terá recebido entre 90 e 175 mil euros.
Os “livros” e “fotocópias” serviam para quase tudo: para pagar roupa, salários, rendas, condomínios, viagens – o MP referia, por exemplo, umas férias de José Sócrates na ilha de Formentera, Espanha, em Julho de 2014 – e até presentes de Natal. Para reforçar a sua tese, sublinhava que, nos telefonemas em que solicitava o envio de quantias monetárias, o ex-Primeiro-Ministro não pedia – ordenava. Era também por isso que os investigadores acreditavam que o dinheiro, na verdade, lhe pertencia.
O Ministério Público teve inicialmente dificuldade em perceber a linguagem cifrada utilizada por Sócrates e Santos Silva quando se referiam a dinheiro. No despacho em que determinou a prisão preventiva, Carlos Alexandre elencou as seguintes situações consideradas suspeitas:
“– A 16-09-2013, entrega, através de João Perna, de uma quantia de, pelo menos, 5.000 euros, que José Sócrates mandou depois fazer chegar, em parte, à sua mãe, correspondendo a levantamento por caixa, na mesma data, sobre a conta nº 210243550006;
– A 20-09-2013, entrega, através de João Perna, de uma quantia de cerca de 10.000 euros, levantada da conta n.o 210243550006, nos dias 17 de 18 de Setembro, precedida de um encontro entre João Perna e Carlos Santos Silva no Hotel Marriott;
– A 27-09-2013, entrega direta por Carlos Silva da quantia de 10.000 euros, realizada já ao fim do dia, após solicitação de José Sócrates, que referiu que ‘precisava de levar alguma coisa’, tendo este sido pressionado por ter esgotado o plafonddo cartão de crédito e por pedido de Sofia Fava, que nessa data se deslocava para Paris;
– A 04-10-2013, entrega de uma quantia entre 10.000 e 50.000 euros, envolvendo o levantamento deste último montante sobre a conta nº 155204501183 do Banco Barclays. A entrega fora combinada na véspera e feita por intermédio de André Figueiredo, que se encontrou com Carlos Santos Silva a pedido de Sócrates, que utilizou a expressão ‘ir buscar um livro’;
– A 09-10-2013, entrega de uma quantia entre 10.000 e 100.000 euros, envolvendo o levantamento deste último montante no Banco Barclays, conta nº 155204501183. Combinada entre Maria João e Carlos Silva, na ausência no estrangeiro de José Pinto de Sousa, a entrega foi destinada à aquisição de exemplares do livro publicado por José Sócrates;
– A 21-10-2013, entrega de uma quantia de, pelo menos, 4.000 euros, a pedido de Sócrates, que dizia que ‘precisava’, sendo certo que, no próprio dia, Carlos Silva procedeu a um levantamento em numerário de 10.000 euros sobre a conta nº 210243550006 do BES, e outro de 50.000 euros sobre a conta Barclays nº 155204501183, tendo mesmo, neste caso, o banco feito a entrega da quantia nas instalações das sociedades de Carlos Santos Silva;
– A 31-10-2013, entrega de uma quantia entre 5.000 e 10.000 euros, a pedido do ex-primeiro-ministro, na sequência de este se ver confrontado com contas por pagar e não dispor de saldo disponível. Nesta data, Carlos Silva encontra-se no estrangeiro, sendo contactado telefonicamente por Sócrates, que diz que está com ‘necessidade’, pretendendo uma entrega ‘igual à anterior’. Como está fora do país, Carlos Silva procura contactar a sua mulher, Inês do Rosário, para que esta obtenha o dinheiro e faça a entrega do que diz serem ‘fotocópias’. Neste caso é Inês quem faz a entrega, deslocando-se a casa de Sócrates. Diz Carlos Alexandre: ‘Como alguns dos pagamentos devidos deveriam ser feitos por transferência bancária e o José Pinto de Sousa não queria depositar numerário na sua conta CGD, para evitar suspeitas e ter que dar justificações, acabou por ordenar a mobilização de fundos da conta da mãe, no montante de 10.000 euros, na data de 01-11- -2013;
– A 6-11-2013, entrega de uma quantia entre 5.000 e 10.000 euros, solicitada por José Pinto de Sousa, que pediu a Santos Silva para lhe levar ‘aquilo’, o que este último fez pessoalmente, deslocando-se a casa do primeiro. Depois da entrega José Pinto de Sousa procede à distribuição de fundos por várias pessoas, designadamente pela sua funcionária, Maria João, e pela mãe, que lhe confirma ter recebido 5.200 euros. Apesar deste recebimento, dadas as despesas com o pagamento do IMI, com a viatura e com os filhos, Sócrates tem nesta fase que recorrer a um financiamento da CGD, com o objetivo de o pagar com o recebimento de um bónus anual que então esperava receber da Octafarma;
– A 08-11-2013, entrega de uma quantia de cerca de 10.000 euros, levantados nesse mesmo dia da conta do Novo Banco e entregues a Santos Silva em casa do amigo, tendo de seguida jantado juntos. Neste período, Sócrates estava apostado numa campanha para aquisição massiva do seu próprio livro, para o que precisava de dispor de numerário;
– A 11-11-2013, entrega de uma quantia entre 10.000 e 100.000 euros, na sequência de levantamentos realizados por Santos Silva junto do Barclays, de 100.000 euros, e junto do então BES, de 10.000 euros, seguindo-se um encontro com José Sócrates, ainda no âmbito da estratégia de compra dos seus próprios livros;
– A 18-11-2013, entrega de uma quantia de cerca de 5.000 euros, realizada por Santos Silva a João Perna, aparentemente destinada ao pagamento de despesas do patrão;
– A 27-11-2013, entrega de uma quantia de cerca de 50.000 euros, levantada do Barclays, tendo sido pedida por Sócrates, que fala em ‘dar aquela coisa ao seu amigo’, numa alusão a que a entrega era para ser feita a André Figueiredo [seu ex-chefe de gabinete no PS]. Como Carlos Santos Silva está fora do país, encarrega da entrega Inês do Rosário, que acaba por se encontrar pessoalmente com Sócrates;
– A 5-12-2013, entrega de uma quantia de cerca de 10.000 euros, na sequência de solicitações com origem em Manuel Falcão Reis, companheiro de Sofia Fava, tendo José Sócrates contactado Santos Silva, que diz que ‘vai tirar o resto das fotocópias’;
– A 10-12-2013, entrega de uma quantia entre 5.000 e 50.000 euros, na sequência de solicitação, na véspera, de Sócrates, que utiliza a expressão ‘precisava’, respondendo Carlos Silva com o recurso à expressão ‘fotocópias’. O dinheiro é depois, em parte, utilizado pelo socialista para fazer uma entrega de 4.000 euros a Manuel Falcão Reis, no sentido de este o remeter a Sofia Fava, que estava em Paris;
– A 20-12-2013, entrega de cerca de 10.000 euros, solicitada por Sócrates, ainda relacionada com a campanha de compra de exemplares do seu livro. André Figueiredo encontra-se com Santos Silva para receber o numerário;
– A 23-12-2013, entrega de 3.000 euros, a pedido de Sócrates, com o fim de adquirir telemóveis para oferecer no Natal, sendo a entrega feita por Santos Silva a João Perna, que fica encarregado da compra dos aparelhos e que admitiu perante terceiros ter ido buscar ‘guito’ para comprar os presentes a pedido de José Pinto de Sousa;
– A 03-01-2014, entrega de 10.000 euros, realizada após um período em que José Pinto de Sousa e Carlos Silva passaram férias juntos, em Cabo Verde, sendo o dinheiro entregue a João Perna, que se desloca aos escritórios de Carlos Silva, destinando-se parte do numerário a pagar uma compensação à Maria João;
– A 01-02-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, na sequência de um pedido de Sócrates, que utiliza a expressão ‘precisava de’ e pede um encontro com Carlos Silva, apesar de este acabar de chegar do Brasil. Destino do dinheiro: pagar o complemento de vencimento a Maria João e fazer uma entrega a Célia Tavares;
– A 19-02-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, realizada em casa de José Sócrates, onde se deslocou Santos Silva. Objetivo: pagar despesas, designadamente as que se relacionam com o seu carro;
– A 02-04-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, realizada pessoalmente por Santos Silva, na sequência de encontros com Sócrates, numa altura em que este tinha diversas solicitações de pagamento pendentes, quer a Maria João, quer à Top Atlantic, quer relativos às despesas de alojamento em Paris, não dispondo de disponibilidade financeira na sua conta bancária;
– A 04-04-2014, entrega de cerca de 10.000 euros a pedido de Sócra tes, que usa a expressão ‘aquela outra coisa’, quando contacta com Santos Silva. O dinheiro terá sido arranjado em tempo recorde, através de Inês do Rosário e de Gonçalo Ferreira;
– A 13-4-2014, entrega de cerca de 5.000 euros, a pedido do socialista, que, vendo aproximar-se uma deslocação a Paris, contacta Santos Silva a pedir que lhe leve ‘alguma coisa’. A entrega foi feita num restaurante pelo próprio amigo;
– A 17-4-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, a pedido de Sócrates, que pergunta por ‘alguma coisa daquelas» quando interpela Santos Silva, que, por sua vez, pede a colaboração da mulher para a obtenção e guarda do numerário, que trata como ‘aquela coisa’; A 12-5-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, a pedido de José Sócrates, por Carlos Silva. Entre eles fazem referências a ‘documentos’ e ‘fotocópias’, sendo a entrega feita por encontro entre Inês do Rosário e João Perna, ficando depois este último encarregado de distribuir dinheiro por terceiros, caso de Célia Tavares e de Lígia Correia;
– A 24-5-2014, entrega de cerca de 5.000 euros, a pedido de José Sócrates, que diz uma frase enigmática a Carlos Santos Silva: ‘Se puderes trazer também um bocadinho, não é nada de especial, daquela coisa que gosto muito’. Encontram-se na casa do ex-primeiro-ministro nesse mesmo dia;
– A 28-5-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, combinada na véspera entre Santos Silva e Sócrates. O primeiro diz que já tem ‘aquela coisa’ desde ontem, reportando-se ao dia 26 de Maio, em que tinha levantado 10.000 euros. O encontro entre os dois ocorre a 28 de Maio;
– A 30-05-2014, entrega de 10.000 euros, por ocasião da deslocação de Sócrates a Paris, com o levantamento dos fundos a ser feito por Inês do Rosário e por Gonçalo Ferreira, seguido da entrega dos mesmos a João Perna, que vai buscar José Pinto de Sousa para o levar ao aeroporto e lhe entregar o dinheiro. O montante destina-se às despesas de Sofia Fava em Paris, que, quando pediu o dinheiro, o denominou ‘livros do Duda’. Depois disso, Sócrates referiu-se ao mesmo como sendo um ‘dossiê’;
– A 5-6-2014, entrega de 10.000 euros, a pedido de José Sócrates, que se encontra no Algarve, de onde solicita a Santos Silva a entrega ‘daquilo’. O dinheiro é levantado no próprio dia e é Inês do Rosário quem o entrega a João Perna, para este o levar ao Algarve;
– A 18-06-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, a pedido de Sócrates, numa ocasião em que Santos Silva e a mulher estão no estrangeiro, sendo Gonçalo Ferreira quem faz a entrega de ‘uma coisa daquelas’;
– A 30-6-2014, entrega de uma quantia de cerca de 5.000 euros, a solicitação do socialista, que pede a Santos Silva ‘um bocadinho daquilo’, visando satisfazer vários encargos: IMI, pagamento do salário a Maria João e entregas a terceiros;
– A 7-7-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, a pedido de Sócrates, numa altura em que Santos Silva está no estrangeiro, pelo que é pedido que ‘deixe alguma coisa à Inês’, destinando-se o mesmo dinheiro a suportar despesas de uma deslocação do ex-primeiro- -ministro para um período de férias numa vivenda em Formentera, Espanha, com início a 8 de Julho. Inês procede à entrega do dinheiro a João Perna, que dá parte dele a Sócrates. Com o restante, faz um depósito de 2.000 euros na sua própria conta (a 0803/0059333/700, na CGD) e, no dia 8 de Julho, transfere os mesmos 2.000 euros para a conta de Sócrates na CGD;
– A 11-07-2014, entrega de 5.000 euros, a pedido de José Sócrates, que se encontra em Formentera, destinando-se o dinheiro a ser entregue em Portugal a João Perna. Sócrates pede a entrega de «metade das fotocópias» da última vez. Carlos utiliza parte do dinheiro que já tinha levantado para si, uma vez que se iria também deslocar, nesse dia, para Formentera. João Perna confirma a Sócrates a recepção do dinheiro, mas fala primeiro com Fernanda Câncio, a namorada do ex-primeiro-ministro, dando-lhe um recado sobre «documentos entregues». Quando sabe do diálogo com Cân- cio, Sócrates censura o funcionário;
– A 05-08-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, após reunião entre Santos Silva e José Sócrates, ficando encarregado da entrega Gon- çalo Ferreira;
– A 18-08-2014, entrega de uma quantia de cerca de 5.000 euros, por ocasião de um encontro entre Santos Silva e Sócrates. No dia seguinte, o socialista faz chegar 4.000 euros à mãe através de uma empregada apresentada no processo apenas por «Rita»;
– A 22-08-2014, entrega de 5.000 euros, a pedido de Sócrates, que pede a Santos Silva: «Tens de me trazer também»;
– A 10-10-2014, entrega de cerca de 10.000 euros, na sequência de contactos entre Carlos e José Pinto de Sousa, tendo o primeiro referido, na véspera, que só poderia encontrar-se no dia seguinte. Encontram-se pessoalmente e é nessa altura que Santos Silva passa o dinheiro vivo ao amigo;
– A 29-10-2014, entrega de cerca de 5.000 euros, por insistência de Sócrates junto de Santos Silva, falando ambos da entrega de «livros»;
– A 03-11-2014, entrega de cerca de 5.000 euros, a pedido de José Pinto de Sousa, mais uma vez sujeito a diversas pressões para reali- zar pagamentos e após constatar não ter dinheiro no banco.”
O que Rosário Teixeira e Carlos Alexandre consideraram indícios seguros de branqueamento de capitais, Sócrates qualificou, em entrevista dada à TVI a partir da cadeia, de “empréstimos” de um amigo numa fase em que atravessava problemas financeiros. Falta agora perceber qual das versões prevalecerá em tribunal.