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Insulto de Rodrigues dos Santos sobre “esquadrão de cavalaria” já tinha sido proferido em 1977. Por Cunha Simões e contra um deputado

Este artigo tem mais de um ano
Após o tumultuoso debate de ontem que opôs Francisco Rodrigues dos Santos (CDS-PP) a André Ventura (Chega), numa luta entre direitas, correu pelas redes sociais uma frase insólita do dirigente centrista: "Um esquadrão de cavalaria à desfilada na sua cabeça não esbarra numa ideia, André Ventura." A declaração valeu elogios a Rodrigues dos Santos e até foram criados alguns "memes", mas a frase original foi proferida por José Cunha Simões, antigo deputado do CDS que costumava votar várias vezes contra o próprio partido.

Num debate que começou agitado e terminou aguerrido, muitos foram os insultos trocados entre o líder do CDS-PP e o presidente do Chega: “O CDS é a direita mariquinhas“; “Ventura é o rei da bazófia“; “O Francisco é um menino mal preparado“; “A direita de Ventura é misógina, racista e xenófoba“; “O CDS é um partido cata-vento“.

Os trocadilhos utilizados por Francisco Rodrigues dos Santos valeram-lhe muitos elogios, como o insólito “Adeus, Pátria e Família” ou ainda o “Quarto Pastorinho de Fátima”. Não há dúvidas que o brainstorming pré-debate deu pontos extra ao líder do CDS-PP, quando sentado em frente ao “primo sem maneiras”. Mas, e embora já tenha citado Ronald Reagan noutro frente-a-frente, houve uma frase, uma tirada em particular, que Rodrigues dos Santos aproveitou para si a dada altura do debate:

Um esquadrão de cavalaria à desfilada na sua cabeça não esbarra numa ideia, André Ventura.”

O Polígrafo foi conhecer a origem do insulto. Afinal, quem o proferiu foi Cunha Simões, deputado que, a par com Gouveia de Melo, ficou lembrado pelos atritos no Parlamento durante a Assembleia da República, frente a oradores do PCP e da UDP, os partidos mais à esquerda do hemiciclo. Assim, e ao contrário do que aconteceu esta quarta-feira, em 1977 era o membro da UDP Acácio Barreiros, que entretanto viria a filiar-se no PS, o alvo do então deputado do CDS-PP.

A sessão de debate na Assembleia da República a 8 de março de 1977, presidida por Vasco da Gama Fernandes, foi parca em elogios e muito cheia de críticas e insultos, sobretudo por parte daquele que viria a ficar conhecido como “o general sem papas na língua”, Carlos Gouveia de Melo, o conhecido “anticomunista” mais odiado pela esquerda portuguesa. O deputado centrista chegou a sugerir, munido de uma moca, “empurrai os comunistas até ao mar e eles morrerão de morte natural”.

Foram estas e outras intervenções polémicas o mote para a troca de insultos que tomou a Assembleia nesse dia, em 1977. Tinha a palavra o deputado da UDP Acácio Barreiros: “Senhor residente, senhores deputados: Compreendemos as dificuldades em que se encontra o senhor deputado Galvão de Melo. Mas agora que o Governo prometeu dar uma resposta aos seus requerimentos, qual será o outro motivo que irá procurar para prosseguir os sinistros desígnios que vem tentando?”.

Vozes do CDS, partido de Galvão de Melo, diziam “Não consentimos isto, senhor presidente”, o que levou mesmo a uma intervenção de Vasco da Gama Fernandes para alertar que “a língua portuguesa é muito rica – é talvez das mais ricas do mundo -, e, portanto, vamos acabar com esses termos de ‘sinistros‘, de ‘fascistas‘ e outras coisas parecidas”.

Acácio Barreiros prosseguiu: “Senhor presidente: Como antifascista e como político a minha obrigação é pôr o dedo na ferida, e se na bancada do CDS dói, queixem-se.” Foi a partir desta intervenção que Cunha Simões passou a intervir, assegurando primeiro que “não dói nada” e depois, quando o deputado da UDP afirmou que, quando falava em sinistros desígnios, baseava-se, por exemplo, “na reportagem do ‘Diário de Notícias’ sobre o referido comício, no qual se faz apelo à violência”, Cunha Simões perguntou mesmo: “O senhor sabe ler?”.

“Mais: Dirige-se um ultimato em nome desses portugueses, dos verdadeiros, dessa minoria de retornados, ao senhor Presidente da República. Mas ao enviá-lo ao senhor Presidente da República o senhor deputado Galvão de Melo diz assim: ‘Ao Presidente da maioria dos portugueses‘, depois de defender a minoria, a pura, que são os retornados”, continuou Acácio Barreiros.

“Isso é uma intervenção ou um protesto?”, questionou Cunha Simões. “É um protesto, senhor presidente”, dirigiu-se Acácio Barreiros a Vasco da Gama Fernandes.

As intervenções continuaram e Cunha Simões prosseguiu com sucessivas interrupções. Barreiros aqueceu a discussão: “Senhor deputado: Não me interrompa, até porque, se me permite, no seu caso eu estou convencido de que até na sua própria bancada já haverá quem esteja arrependido de, na outra vez, não termos votado a sua suspensão para ir a tribunal.”

Fazendo uso da palavra para exercer o direito de protestar, Cunha Simões não poupou nos insultos, apesar de ter sido incentivado pela bancada parlamentar do CDS a prescindir: “Não, senhor presidente, não prescindo do protesto, porque todas as vezes que vejo levantar ali o senhor deputado da UDP, que eu considero um bando e não um partido…”

“Sr. deputado: Não pode dirigir-se dessa forma a nenhum partido constitucional que se encontre representado nesta Assembleia. Não se trata de nenhum bando, trata-se de um partido. E, se o Sr. deputado continua a usar dessas expressões, creia que é com muito pesar que me verei obrigado a cortar-lhe a palavra”, interveio o Presidente da Assembleia.

“Então, senhor presidente”, retomou Cunha Simões, “direi somente que quando olho para o senhor deputado da UDP vejo-lhe uma cabeça tão grande, tão grande, tão grande que lá dentro caberia um regimento de cavalaria a trote, sem tropeçar com uma única ideia“.

Os risos gerais nas bancadas obrigaram a nova intervenção do presidente: “Senhores deputados: Estou a começar a aborrecer-me – o que, aliás, é muito difícil em mim – e torno a fazer-lhes o apelo para que não usem equestres, como a que acaba de ser usada pelo Sr. Deputado Cunha Simões. Nós não podemos dirigir desta forma aos nossos colegas da Assembleia.”

Acácio Barreiros não se deixou ficar e, quando lhe foi dada a palavra, declarou querer “protestar contra os insultos que me foram dirigidos pelo senhor deputado Cunha Simões, embora sempre tenhamos dito que há certos insultos que, para nós, até são elogios, porque o mau, o que nos preocupa, é quando os inimigos nos não atacam. O que nos regozija é quando os inimigos se enervam e perdem a cabeça. E já que falo de cabeças, de facto há cabeças tão estúpidas que nem para fascistas dão“.

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