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Lei das incompatibilidades. Câmara de Leiria anula contrato com empresa do marido da secretária de Estado das Pescas

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Na sequência da recente notícia do Polígrafo sobre o contrato firmado pela empresa do marido da secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho, com a Câmara Municipal de Leiria, a autarquia informa agora ter procedido à anulação do contrato por ajuste direto no valor total de 74.500 euros. Foi ainda solicitado um parecer urgente à Procuradoria-Geral da República sobre a existência ou não de impedimento legal.

O Polígrafo deu ontem conta de pelo menos mais dois casos em que secretários de Estado têm ligações a empresas que obtiveram contratos públicos: um deles, visando o cônjuge – em regime de comunhão de adquiridos – da secretária de Estado das Pescas, já teve consequências.

Teresa Coelho é casada desde 1998 com Rui Estevão Pedro, que tem uma participação (desde 2017) de 100% no capital social da empresa Angels Recipes – Sociedade Unipessoal Lda. De acordo com a informação registada no portal Base, no dia 29 de agosto de 2022, enquanto Coelho desempenhava em pleno as funções de secretária de Estado das Pescas, a empresa Angels Recipes firmou um contrato por ajuste direto (sob a modalidade de consulta prévia, embora no portal Base não seja indicada qualquer outra empresa concorrente) com o Município de Leiria, no valor de 74.500 euros (acrescido do IVA à taxa legal em vigor) e prazo de execução de 12 meses, visando o seguinte objeto: “Contratação de serviços de consultoria e orientação para a valorização de efluentes agropecuários.”

Além do potencial conflito de interesses, este contrato suscita dúvidas quanto a uma possível infração do disposto na lei das incompatibilidades, ou mais precisamente a “Lei n.º 52/2019 – Regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”.

Os cônjuges - em regime de comunhão de adquiridos - dos secretários de Estado das Pescas e da Conservação da Natureza e Florestas têm participações superiores a 10% (num caso tem mesmo 100%) em empresas que obtiveram contratos por ajuste direto de entidades públicas nos últimos meses. Questionados pelo Polígrafo, os dois governantes asseguram que não infringiram a lei das incompatibilidades.

Questionada sobre esta matéria, a secretária de Estado das Pescas – através do gabinete de comunicação do Ministério da Agricultura – responde que “O objeto do contrato em causa incide sobre a ‘contratação de serviços de consultoria e orientação para a valorização de efluentes agropecuários’. O tratamento de efluentes é matéria tutelada pela área governativa do Ambiente e Ação Climática, mais especificamente sob competência da APA, em nada dependendo da secretária de Estado das Pescas”, o que é defendido pelo n.º 4 do Artigo 9.º da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho.

Na sequência deste artigo, a Câmara Municipal de Leiria, com quem foi firmado o contrato, diz em comunicado ter sido “surpreendida” por estas informações, “cujos fundamentos não eram do seu conhecimento”. Além disso, defende-se afirmando que “o único sócio da empresa em causa é um reconhecido especialista no sector e foi nessa qualidade que foi contactado pelo Município de Leiria”.

“O trabalho a desempenhar é essencial para a resolução do problema da poluição proveniente de efluentes agropecuários e inscreve-se na área do Ambiente, Energia e da Sustentabilidade e não na Agricultura e Pescas”, continua o Município, que diz não possuir “mecanismos ou competências para investigar a titularidade e as relações conjugais dos sócios das empresas a quem adjudica trabalhos ou serviços”.

Numa decisão que surge depois da notícia avançada pelo Polígrafo, como garante fonte oficial da autarquia, a Câmara de Leiria “decidiu proceder à anulação do contrato, com a concordância da empresa em causa, e solicitar um parecer urgente à Procuradoria-Geral da República sobre a existência ou não de impedimento legal”.

“A única questão substantiva neste caso é se a referida empresa está ou não impedida legalmente de prestar serviços ao Município de Leiria por via da relação conjugal do seu único sócio com uma titular de um cargo governativo”, justifica a autarquia, que acrescenta que “o processo será retomado logo que seja conhecido o parecer”.

 

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