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Galambagate. Duas versões dos mesmos factos – afinal quem está a mentir aos deputados?

Este artigo tem mais de um ano
É a João Galamba que caberá, já esta tarde, explicar o que se passou durante a noite de 26 de abril no ministério das Infraestruturas. Antes do ministro, o seu ex-adjunto e a chefe de gabinete já andaram aos encontrões no que respeita às diferentes versões dos factos. Se Frederico Pinheiro diz que é vítima, Eugénia Correia garante ter sido agredida. Se Pinheiro assegura que Galamba se dirigiu a ele em tom imprópio, Correia só tem memória de uma conversa tranquila. Quanto às notas do ex-adjunto, a história é ainda mais cabeluda. Quem mente e quem diz a verdade no escândalo que pode abalar o Governo?

Dois socos, vários murros, um sequestro e o arremesso de uma bicicleta: na noite de 26 de abril estavam reunidas, no ministério das Infraestruturas, as condições para uma polémica fatal que desse por terminadas as ameaças de Marcelo Rebelo de Sousa ao Governo de António Costa. Tal não aconteceu: é na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP que o problema se tem agigantado e, depois de ontem terem sido ouvidos Frederico Pinheiro, ex-adjunto de João Galamba que se classifica como vítima de agressão por parte de quatro membros do gabinete do ministro, e Eugénia Correia, chefe desse mesmo gabinete que garante ter sido alvo de violência, assim como as suas colegas, apenas por estar a cumprir o que lhe tinha sido mandatado, hoje é a vez de João Galamba contar a sua versão dos acontecimentos. Até lá, damos nota das muitas contradições que têm marcado o escândalo nas Infraestruturas.

O agredido, a agressora, a agredida e o agressor

Longe de terem sido previamente combinados, os dois relatos ouvidos ontem à tarde começam precisamente da mesma forma: a tentativa de explicar as agressões de que foram vítimas é, porém, tão distinta, que poderia dizer-se que houve um erro de casting na escolha dos ouvidos, que não parecem ter estado no mesmo local.

Frederico Pinheiro começa. Foi ouvido às duas da tarde, mas primeiro obrigou todos os deputados a escutarem a sua longa e pormenorizada versão dos factos: “Não agredi ninguém. Apenas me libertei, em legítima defesa, de quatro pessoas que me empurraram, puxaram e me tentaram tirar a mochila. Sou o agredido e não o agressor e tenho um relatório médico que o comprova.”

Segue-se Eugénia Correira, que subscreveu, no momento em que a audição do ex-adjunto de Galamba ainda decorria, um comunicado em que afirma, juntamente com outras quatro colegas: “As imagens de videovigilância do edifício mostrarão, com toda a certeza, o estado de cólera em que Frederico Pinheiro se encontrava nesses momentos, arremessando inclusivamente a bicicleta contra a fachada do edifício.”

A chefe de gabinete disse expressamente, na sua audição, que “nunca houve intenção de agarrar Frederico Pinheiro” e que o objetivo era apenas “impedir a saída do computador que não lhe pertencia”. Eugénia Correia garantiu: “Não toquei nele. Agarrei na mochila e o dr. Frederico Pinheiro dá-me um murro a mim. Depois, a dr. Paula Lagarto tentou igualmente agarrar a mochila e recebeu vários murros.”

Quem procedeu ao apagão de mensagens do telemóvel de Frederico Pinheiro?

O ex-adjunto de João Galamba, ouvido na comissão parlamentar de inquérito à TAP, revelou que, enquanto ainda trabalhava no Ministério das Infraestruturas, foi feita uma “intervenção” no seu telemóvel de serviço que resultou no apagão de todo o seu arquivo de documentos e conversas, anteriores a 6 de abril”, no WhatsApp. Um episódio para o qual Frederico Pinheiro assegurou não ter “explicação”. André Ventura, líder do Chega, questionou: “Quem ordenou e quem executou, se isso é uma medida exclusivamente judicial e da polícia?”

Resposta de Frederico Pinheiro: terá sido Eugénia Correia, chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas, quem pediu “a um técnico informático para se tentarem recuperar” mensagens antigas – e que o resultado da intervenção foi o desaparecimento do arquivo.

Eugénia Correia nega esta versão dos acontecimentos. Aliás, diz a chefe de gabinete que foi o próprio Frederico Pinheiro a proceder a essa intervenção: “O doutor Frederico estava sentado na sua secretária com o telemóvel na mão e estava de pé junto a ele o informático a dar-lhe indicação de como instalar o programa que tentaria fazer a recuperação de uma coisa que não sabíamos se existia, a recuperação de mensagens trocadas com a senhora presidente da Comissão Executiva da TAP, para se tentar obter um comprovativo de que efetivamente tinha sido ela a solicitar a reunião.”

Pinheiro ou Galamba. Quem queria a TAP na reunião com o GPPS?

A dúvida já é antiga: o próprio João Galamba chegou a desmentir a ex-CEO da TAP, Christine Widener, garantindo que não tinha sido ele a solicitar a sua presença na reunião. Agora, Frederico Pinheiro garante que foi o próprio ministro das Infraestruturas a convidar a então CEO: “Na reunião de 16 de janeiro, o sr. ministro das Infraestruturas convida a CEO da TAP a participar, no dia seguinte, numa reunião preparatória.”

No entanto, lamentou o ex-adjunto de Galamba, não há nas suas notas “qualquer registo de contacto escrito ou telefónico” entre o ministro das Infraestruturas e a CEO da TAP: “Não tenho nenhum registo nas minhas notas dessa comunicação feito pelo ministro à CEO da TAP. Essa informação foi-me referida pelo ministro das Infraestruturas na reunião que tivemos a 5 de abril.”

Eugénia Correia nega esta intervenção de João Galamba no pedido. Na CPI, leu uma troca de mensagens com o antigo adjunto, a 13 de janeiro, na qual Frederico Pinheiro afirma que a CEO pediu uma reunião de preparação da audição, com agendamento pedido para 17 de janeiro, um dia antes da audição de Christine Widener. A chefe de gabinete terá respondido: “Sim, pode.” E acrescentou: “A mensagem é clara. É a senhora CEO que quer ir falar. Se quer ir falar não vejo que constitua problema ou que o facto de querer ir lá falar implique que tivesse de receber indicações sobre perguntas. É normal que, querendo ir lá falar, o ministro quisesse focar a situação económica da TAP. Isso não implica combinações e instruções.”

Reunião de 5 de abril: invenção de Frederico Pinheiro?

A já mencionada reunião de 5 de abril, onde supostamente esteve presente João Galamba, que terá então feito questões a Frederico Pinheiro sobre a existência de notas, também levanta dúvidas.

O ex-adjunto de Galamba disse o seguinte: “No dia 4 de abril, nesta CPI, é tornado público na audição à então CEO da TAP, a existência de uma reunião preparatória do dia 17 de janeiro. Tendo em conta o impacto político e mediático que tal informação gerou, no seu seguimento o ministro das Infraestruturas reuniu comigo, no dia 5 de abril, para abordarmos o tema da reunião preparatória com a TAP, estando presentes nessa reunião o senhor ministro, a chefe de gabinete e a engenheira Cátia Rosas.”

Eugénia Correia desmentiu-o assim: “Não esteve presente o senhor ministro, ao contrário do que ainda tive oportunidade de ouvir transmitir hoje a esta CPI.”

Houve ou não tentativa de omissão das notas?

Nessa reunião de 5 de abril, o objetivo era abordar a existência de informação para entregar à CPI. Segundo Frederico Pinheiro, o próprio já tinha mencionado as notas, que estavam em sua posse, e sobre as quais lhe foi dito que não teriam importância, já que eram informais: “Em momento algum me foram solicitadas as notas [da reunião preparatória], sendo certo que sabiam da sua existência.”

Até podem não ter sido solicitadas, mas o antigo Adjunto de Galamba garante que houve uma tentativa de as “esconder” da CPI: “A dr. Eugénia Correia, que me pareceu desconhecer a reunião de 16 janeiro [entre o ministro João Galamba e a ex-CEO, Christine Ourmières-Widener] indicou claramente que não seria revelada a existência da reunião entre o ministro e a então CEO e indicou ainda que em caso de requerimento da comissão parlamentar de inquérito as notas não seriam entregues.”

Já Eugénia Correia tem outra versão: a chefe de Gabinete que convocou a reunião de 5 de abril terá pedido a Pinheiro que fornecesse as notas, mas este terá dito “insistentemente que não havia notas“. “Não se lembra do que aconteceu, não tem notas e não se lembra de pessoas que estiveram presentes”, ironizou Correia. “As notas foram remetidas após um pedido de prorrogação de prazo, nunca havendo a intenção de esconder notas, que até 24 de abril nem eu própria nem o senhor ministro sabia existirem”, afirmou.

A “ameaça” “tranquila” de Galamba a Pinheiro

Ainda não houve acesso ao telefonema entre João Galamba e Frederico Pinheiro, na noite em que o então adjunto do ministro das Infraestruturas era despedido. O que há são, mais uma vez, duas versões do mesmo acontecimento.

Segundo Frederico Pinheiro, o ministro usou “termos impróprios” durante as conversas telefónicas, nomeadamente na da noite de 26 de abril, e ameaçou-o “fisicamente”, mais concretamente, com “dois murros”: “O senhor ministro ameaçou-me fisicamente e creio que isso é comprovado com acesso a essa chamada.”

No carro com João Galamba, enquanto este falava com o então Adjunto, seguia Eugénia Correia: “Ouvi o senhor ministro falar tranquilamente com o sr. Frederico Pinheiro e não acompanhei a totalidade da conversa porque ia também ao telefone. Trabalho com o senhor ministro há cinco anos e nunca testemunhei atos de violência [do ministro João Galamba] contra ninguém.”

Quem chamou a polícia ao edifício?

No comunicado divulgado por cinco membros do gabinete de Galamba, incluindo Eugénia Correia, é referido que a PSP foi chamada ao local pelo segurança do edifício e pelas quatro mulheres que assistiram “às agressões de que o Dr. Frederico Pinheiro foi autor naquela noite”.

“Reitera-se, desta forma, que o Dr. Frederico Pinheiro agrediu quem o tentou impedir de retirar o computador do Ministério das Infraestruturas, sendo falso que tenha sido agredido e não que seja o agressor”, refere-se.

Frederico Pinheiro, por seu turno, diz ter sido ele o único a chamar a PSP a intervir no curso dos acontecimentos e que, quando as autoridades tentaram falar com mais pessoas no ministério, ninguém se manifestou: “Os agentes da PSP que me abordaram foram aqueles que eu tinha chamado. Foi-me confirmado pelos próprios agentes. Não fui contactado por mais nenhum agente por ter sido supostamente efetuada outra chamada paralela.”

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