Entre 1976 e 2011, o predomínio do PSD/Madeira nas eleições legislativas regionais foi inabalável: 10 vitórias, 10 maiorias absolutas e nove resultados acima de 50% dos votos. Nas últimas legislativas sob a liderança de Alberto João Jardim, em 2011, o PSD/Madeira ficou pela primeira vez abaixo da fasquia de metade dos votos. Um prenúncio da queda ligeira (e gradual) que se seguiria mas, ainda assim, insuficiente para remover o PSD/Madeira do Governo Regional.
Aparentemente, nas eleições de 2024, o pior resultado de sempre do partido agora liderado por Miguel Albuquerque também não chegará ao ponto de possibilitar uma mudança de partido no Governo Regional. Nunca o PSD/Madeira tinha obtido tão poucos votos (49.103) e uma percentagem tão baixa (36,13%) em eleições legislativas regionais. Mas a estagnação do PS em 21% dos votos e 11 deputados (resultado igual ao de 2023) torna improvável uma solução alternativa.
A trajetória de queda do PSD/Madeira já se tinha iniciado em 2015, logo nas primeiras eleições do sucessor de Jardim na liderança. Sim, Albuquerque continuou a ganhar, mas baixou para a menor percentagem de votos até então (44,36%) e ficou com apenas um deputado acima da fasquia de maioria absoluta.
Mais expressiva foi a hecatombe eleitoral de 2019, quando o PSD/Madeira voltou a baixar para a menor percentagem de votos (39,42%) e ficou aquém da maioria absoluta, com apenas 21 deputados (total de 47 mandatos). O que implicou pela primeira vez um acordo de Governo pós-eleitoral com o CDS-PP de Rui Barreto, detentor de três mandatos de deputados que foram essenciais para assegurar uma maioria absoluta de dois partidos.
O resultado do PSD/Madeira em 2019 foi superior em votos, percentagem e mandatos em comparação com 2024, mas há um elemento a ter em atenção: é que em 2019, sob a liderança de Paulo Cafôfo, o PS conquistou o resultado mais próximo de sempre na segunda posição, com 35,76% dos votos e 19 mandatos (a dois de distância). A grande diferença em 2024 é mesmo a larga distância do PS na segunda posição, com menos oito mandatos.
A fragmentação veio para ficar
Nas décadas de 1970 e 1980, além dos três principais partidos na região – PSD, PS e CDS -, apenas a UDP e a APU (antecessores do BE e da CDU) conseguiram eleger deputados à Assembleia Legislativa. Na década de 1990 ainda ocorreu um epifenómeno do PSN, mas o quadro parlamentar acabou por estabilizar num núcleo de cinco partidos: os três principais (com predomínio absoluto do PSD) mais a CDU e o BE.
Estabilidade que começou a quebrar em 2007, com a eleição de deputados únicos do MPT e do PND. Nas eleições seguintes, em 2011, a fragmentação tornou-se mais acentuada: o PTP elegeu três deputados, o MPT e o PND voltaram a eleger e surgiu ainda mais um novo estreante – o PAN – na Assembleia Legislativa. Total de oito partidos representados, naquele que seria o último mandato de Jardim na Presidência do Governo Regional da Madeira.
Em 2015 apareceu um novo protagonista regional, o Juntos pelo Povo (JPP), que conquistou desde logo cinco mandatos. Enquanto o PS experimentou uma coligação alargada, sob o mote da “Mudança”, que incluía o PTP, o PAN e o MPT – não foi além de 11,43% dos votos e seis mandatos. A fragmentação consolidava-se e o PSD de Albuquerque ficava com a maioria absoluta mais exígua desde 1976.
Nas eleições seguintes, em 2019, o quadro parlamentar ainda voltou ao formato dos cinco partidos, embora com um novo protagonista – o JPP – entre os mais tradicionais. Mas foi um breve hiato na fragmentação que ressurgiria em força nas eleições de 2023, então com mais duas novidades – o Chega (quatro deputados) e o Iniciativa Liberal (um deputado) -, além do crescimento do JPP (de três para novamente cinco deputados) e ainda os regressos do BE e do PAN. Total de nove partidos com representação parlamentar.
Nos resultados eleitorais conhecidos esta noite destacam-se as saídas da CDU e do BE. No que respeita aos comunistas, é a primeira vez desde 1988 que não conseguem eleger deputados. Por sua vez, incluindo as décadas da UDP (um dos partidos da fusão que deu origem ao BE em 1999), os bloquistas só não tinham eleito em 2011 e 2019.
Apesar dessas saídas à esquerda e subsequente redução do número de partidos representados na Assembleia Legislativa (de nove para sete), a fragmentação continua a ser um elemento central do quadro parlamentar. Nesse sentido basta atentar no facto de o PSD (19 deputados) não conseguir assegurar uma maioria absoluta (fasquia de 24 deputados) mesmo que se alie ao CDS-PP (dois deputados), ao Iniciativa Liberal (um deputado) e ao PAN (um deputado). O que confere maior preponderância à bancada do Chega (quatro deputados) no âmbito da putativa estabilidade de um novo Governo Regional da Madeira.
Uma alternativa de raiz local e popular
Fora destas contas, em princípio, estará o JPP dos irmãos Sousa da freguesia de Gaula, apesar de ter sido o único partido que aumentou o número de deputados nestas eleições – aliás, quase duplicou, de cinco para nove. Aproximou-se tanto do resultado do PS que parece ter condições para vir a disputar a liderança da oposição em futuras eleições.
Mas na génese deste movimento popular convertido em partido formal está uma reivindicação de maior democraticidade do regime político na Madeira, contra a monopolização do PSD/Madeira e a cultura dos “interesses” político-empresariais (neste ponto, as críticas dos dirigentes do JPP abrangem muitas vezes também o PS ao nível autárquico), o que torna muito improvável um qualquer entendimento com Albuquerque.