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Dos abusos sexuais na Igreja às críticas dos liberais nas autárquicas. As guerras de Isaltino Morais com cartazes em Oeiras

Este artigo tem mais de um ano
A polémica instalou-se ontem, quando a notícia da remoção de um cartaz afixado em Algés a lembrar as 4.800 vítimas de abusos sexuais na Igreja foi confirmada. A Câmara de Oeiras admitiu ser a autora da ação, alegadamente, por se tratar de "publicidade ilegal". Esta não é a primeira vez que o Executivo de Isaltino Morais se envolve em casos relativos a "outdoors" e à sua legalidade. O Polígrafo foi ao baú e recorda outros episódios.

No dia de ontem, 2 de agosto, Lisboa acordou com três cartazes que assinalavam as conclusões do relatório sobre os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica. Um deles, afixado em Algés, já não se encontra à vista de quem passar por baixo do viaduto, junto à estação de comboios. Este seria ponto de passagem inevitável para os milhares de voluntários da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que, no próximo domingo, se vão encontrar com o Papa Francisco no Passeio Marítimo de Algés.

O certo é que por quem lá passar, já não vê a mensagem em inglês a recordar as 4.800 vítimas de abuso sexual no seio da Igreja Católica em Portugal. Poucas horas depois de estar afixado, o cartaz acabou removido pela Polícia Municipal de Oeiras. Nas redes sociais, a reação não se fez esperar. “Censura em Algés, após quase 50 anos do 25 de abril. Luto pela liberdade de expressão das +4800 vítimas, por um memorial que erguemos para que ninguém se esqueça delas”, lê-se na legenda do tweet que mostra o outdoor vazio.

[twitter url=”https://twitter.com/tarantelma/status/1686742091232108544“/]

Contactada pelo Polígrafo, fonte oficial da Câmara Municipal de Oeiras garantiu que no município “toda a publicidade ilegal é retirada“. Questionada sobre qual o fundamento da ilegalidade, a mesma fonte considerou que a publicidade em causa é ilegal “porque tem que ser comunicada à Câmara quando é feita“, garantindo que o outdoor não tinha licenciamento municipal.

Mas esta não é a primeira vez que a autarquia de Oeiras, Isaltino Morais e cartazes protagonizam manchetes. Relembramos dois casos mediáticos.

O cartaz do Iniciativa Liberal a criticar a gestão do autarca de Oeiras que também acabou removido da noite para o dia

A par com as menções “Papa” e “Jornada Mundial da Juventude”, “Algés” e “Isaltino” foram tópicos nas trends do X (ex-Twitter) durante o dia de ontem. A indignação em relação à “censura”, assim apelidada pelos promotores do cartaz, fazia notar-se em força nas redes sociais.

Quando ainda não havia confirmação de ter sido a autarquia de Oeiras a remover o conteúdo do outdoor localizado em Algés, um utilizador alertava para um precedente. Uma notícia de novembro de 2020 a dar conta da retirada de um cartaz em Oeiras, assinado pelo Iniciativa Liberal (IL), que questionava gestão de Isaltino.

[twitter url=”https://twitter.com/nosuchuser/status/1686754539842449408″/]

“Confiaria as contas da sua casa a este homem?”. Era esta a pergunta feita no num outdoor com o rosto de Isaltino Morais a fumar um charuto, que foi afixado pelo núcleo de Oeiras do IL no concelho. Segundo noticiava o “Expresso“, alcance da mensagem foi curto, isto porque, durante a noite e sem qualquer aviso prévio o cartaz desapareceu da vista dos munícipes.

A Câmara de Oeiras admitiu ter removido o cartaz, uma vez que “ofendia o Presidente da Câmara de Oeiras“. Defendia ainda que o núcleo do partido de Oeiras não tinha informado a autarquia “da colocação do outdoor, tal como obriga a lei”. Bruno Mourão Martins, porta-voz da IL do núcleo de Oeiras, revelava ao jornal que, desde 21 de março, já tinha sido colocado outro cartaz do partido com a frase ‘Nação Valente'”. Ou seja, o cartaz só desapareceu quando a mensagem foi alterada.

Os liberais garantiram, em queixa à Comissão Nacional de Eleições (CNE), que o cartaz estava de acordo com a lei que regula o licenciamento e exercício de propaganda, denunciando a não notificação da decisão da retirada do outdoor – algo que, segundo a lei, deve acontecer.

No dia 30 de novembro de 2020, a CNE endereçou a Isaltino Morais uma deliberação a propósito da queixa do IL. “A atividade de propaganda é livre, a todo o tempo, não estabelecendo a lei qualquer limite de tempo para a permanência de propaganda, nem carecendo de comunicação, autorização ou licença prévia por parte das autoridades administrativas“, considerava a comissão, que garantia que, de outro modo, “estar-se-ia a sujeitar o exercício de um direito fundamental a um ato prévio e casuístico de licenciamento, o que poderia implicar o risco de a efetivação prática desse direito cair na disponibilidade dos órgãos da Administração”.

Determinava ainda que os órgãos da Administração “só podem remover suportes de propaganda que não respeitem o disposto no n.º 1, do artigo 4.º, quando tal for determinado por tribunal competente ou os interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de remoção, o não façam naqueles prazos e condições”.

Apesar de a deliberação dar razão aos liberais, fonte oficial do IL garantiu ao Polígrafo que “a Câmara Municipal de Oeiras nunca apresentou qualquer explicação para a não reposição nem devolução do cartaz”.

Os cartazes “a mostrar obra” que a CNE mandou tirar, mas que Isaltino Morais tapou com frases de protesto

Há dois anos, em plena campanha para as eleições autárquicas de setembro de 2021, foram distribuídos 31 cartazes pelo município de Oeiras a destacar as obras em curso no concelho. Nesse agosto, Isaltino Morais era presidente da autarquia (eleito em 2017), mas também recandidato ao mesmo cargo.

Depois de receber queixas em relação ao conteúdo dos cartazes, que promovia a obra feita pelo Executivo do independente, a CNE determinou que configuravam publicidade institucional (proibida durante o período eleitoral), pelo que deveriam ser retirados.

Um painel preto, semelhante ao que se vê agora no outdoor da mensagem relativa aos abusos sexuais na Igreja, foi colocado por cima dos cartazes considerados ilegais pela comissão. Mas não se mantiveram assim, a candidatura de Isaltino decidiu responder com uma crítica à entidade que regula as eleições em Portugal. Dias depois a frase “a CNE proíbe comunicar com os munícipes“, surgia na tela preta de cada um dos 31 cartazes.

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Em declarações ao “Observador“, o autarca assegurou que, depois daquela ação, não havia “qualquer publicidade institucional com referência a projetos, obras ou políticas”. Garantia, em tom de crítica, que estava cumprida a orientação da CNE na “leitura restritiva da lei” que a entidade estava a fazer.

A comissão não concordou. No dia 23 de setembro, faltavam apenas três dias para o ato eleitoral, quando foi tornada pública a decisão da CNE de enviar o processo em causa ao Ministério Público por existirem “indícios” da prática do “crime de desobediência” pelo presidente da Câmara de Oeiras e recandidato ao cargo.

Isto porque, na deliberação da comissão, a frase colocada por cima dos cartazes “não lhe retira a natureza de publicidade institucional, seja por se referir, ainda que indiretamente, a atos anteriormente praticados pelo próprio, seja ainda por, em qualquer caso, consistir na promoção de uma imagem positiva do seu autor, ainda que quase subliminarmente”. Aliás, o Tribunal Constitucional, entidade à qual Isaltino recorreu da decisão, já tinha recusado dar razão ao candidato independente nesta matéria.

No mesmo período eleitoral, a CNE já tinha deliberado ordenar um procedimento contraordenacional contra o presidente da Câmara de Oeiras e recandidato como independente por entender que tinha violado a lei eleitoral ao utilizar as redes sociais do munícipio e do projeto Oeiras Valley para fazer propaganda em seu favor.

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