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De Salgueiro Maia a Saramago. Decisões de Cavaco Silva escrutinadas em cinco verificações de factos

Este artigo tem mais de um ano
Uma publicação no Facebook, ilustrada com uma caricatura de Aníbal Cavaco Silva, reúne diferentes alegações sobre medidas e decisões do antigo primeiro-ministro e Presidente da República. O Polígrafo verificou as cinco acusações de um "post" que já supera as mil partilhas.

O Polígrafo verificou as 5 acusações:

1. Cavaco recusou pensão a Salgueiro Maia?

O alegado indeferimento, por ausência de resposta, do pedido de atribuição de uma pensão vitalícia a Salgueiro Maia “por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país” apenas foi tornado público cerca de três anos depois da sua suposta ocorrência, precisamente a propósito da atribuição da mesma pensão a dois antigos agentes da PIDE (ver ponto seguinte) e logo no mês da sua morte (abril de 1992).

Não está disponível online um documento que prove a existência desse processo, mas o jornal Expresso, em 2009, refere que Salgueiro Maia fez esse pedido ainda em 1988, ficando a resposta positiva desde logo dependente de um parecer favorável do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR). Ainda de acordo com o semanário, o parecer positivo foi votado por unanimidade a 22 de junho de 1989, aludindo a que “o êxito da revolução muito ficou a dever ao comportamento valoroso e denodado daquele que foi apodado de Grande Operacional do 25 de Abril”. Seguidamente foi remetido para o primeiro-ministro e ministro das Finanças, que nunca o homologaram.

A viúva (Natércia Salgueiro Maia), a filha (Catarina), amigos próximos (Vasco Lourenço) e o seu biógrafo (António Sousa Duarte) denunciaram por diversas vezes o “congelamento” do assunto por parte do então governo. O próprio Salgueiro Maia, numa das últimas entrevistas, já em 1992, referiu ao jornal Público: “Estamos [capitães de Abril] a ser tratados como marginais.”

Certo é que Salgueiro Maia ou a sua família, até 1995, não viram reconhecido o direito à referida retribuição ou a outra compensação financeira, situação corrigida por António Guterres, após o PS vencer as eleições legislativas desse ano. Tudo indica, assim, que seja verdadeira a recusa do XI Governo Constitucional, chefiado por Cavaco Silva, em conceder uma pensão “por serviços excepcionais e relevantes a Salgueiro Maia”.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro

 

2. Cavaco Silva atribuiu idêntica pensão a dois ex-inspetores da PIDE

A mesma tipologia de pensão recusada a Salgueiro Maia seria atribuída três anos depois a dois antigos inspetores da polícia política do Estado Novo (PIDE/DGS), António Augusto Bernardo e Óscar Cardoso.

No Despacho conjunto A-22/92-XII, de 27 de março de 1992, pode ler-se como fundamentação: “Tendo em consideração os altos e assinalados serviços prestados à Pátria, que merecem o reconhecimento do Supremo Tribunal Militar (…)”.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro

Estão novamente a circular nas redes sociais publicações baseadas em imagens da suposta ficha de inscrição de Cavaco Silva (ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República) na PIDE, como informador, desta vez com a acusação de que "mandou prender o seu próprio primo". Verdade ou falsidade?

 

3. Cavaco censurou José Saramago?

Em 1992, o subsecretário de Estado da Cultura do Governo liderado por Cavaco Silva vetou “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” e José Saramago para o Prémio Literário Europeu (PLE).

O Estado português indicava três obras e respetivos autores para o galardão literário internacional, habilitando-os à escolha de um júri, entre as dezenas de candidaturas resultantes das propostas dos países que participavam no concurso. Em Portugal, competia ao Instituto Português do Livro e da Leitura (IPPL) fazer a proposta dos três livros/escritores para, a seguir, a tutela formalizar a escolha. No entanto, António de Sousa Lara considerou que aquele livro de Saramago não merecia ser selecionado: “Não representa Portugal. Não me pediram um julgamento sobre a obra inteira de Saramago, mas sobre este livro. Ora, há questões pessoais que me modelam, às quais não me oponho por questões de consciência pessoal”, declarou então o adjunto de Santana Lopes ao jornal Público.

O episódio levaria Sousa Lara à demissão e José Saramago a mudar a sua residência para Espanha (Lanzarote). Cavaco Silva, à época, não proferiu qualquer declaração sobre o assunto e, como Presidente da República, condecoraria mesmo Sousa Lara, em 2016.

Pode dizer-se, com efeito, que o Governo de Cavaco Silva censurou a escolha de uma obra de José Saramago. A iniciativa foi da pasta da cultura, mas apenas depois de várias reações nacionais e internacionais, o Executivo tentou reparar a situação. Com Cavaco Silva sempre em silêncio.

Avaliação do Polígrafo: Verdadeiro

 

4. Cavaco Silva condecorou Oliveira e Costa

Não se confirma. Tal não aconteceu enquanto Cavaco Silva era primeiro-ministro e também não sucedeu enquanto Presidente da República (2006-2016), no quadro das ordens honoríficas portugueses, até porque logo em 2007/08 começaram a ser do conhecimento público problemas graves no BPN/SLN.

Avaliação do Polígrafo: Falso

 

5. “Oliveira e Costa ‘ofereceu’ a Cavaco Silva 250 mil ações da SLN/BPN”

Em 18 de abril de 2001, quando José Oliveira e Costa era presidente do Banco Português de Negócios (BPN) – propriedade da Sociedade Lusa de Negócios (SNL) – esta sociedade vendeu a Aníbal Cavaco Silva e à sua filha Patrícia Cavaco Silva Montez um total de 250 mil ações (100.360 ao pai e 149.640 à filha), com um custo unitário de 1 euro (total de 250 mil euros).

Em novembro de 2003, pai e filha venderam os títulos da SLN por 2,40 euros/unidade, o que se traduziu num lucro total de cerca de 357 mil euros: 147,5 mil a Aníbal e 209,5 mil a Patrícia. O negócio realizado com a sociedade liderada pelo seu antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (entre 1985 e 1991), garantiu assim a Cavaco Silva e família uma mais valia de 140%.

O preço substancialmente mais baixo (menos de metade) suporta o uso, entre aspas, do verbo “oferecer”, mas, apesar do lucro evidente, a verdade é que Cavaco Silva e a filha fizeram, de facto, um investimento superior a duas centenas de milhar de euros, não sendo, por isso, possível afirmar com rigor que o dinheiro lhes foi oferecido.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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