As legislativas mais renhidas de sempre
Apenas 54.544 votos separaram a AD de Luís Montenegro (1.867.013) do PS de Pedro Nuno Santos (1.812.469) nas legislativas de 2024, nos resultados globais, o que se traduziu (via método de Hondt) numa vantagem de somente dois mandatos (80 contra 78). Em percentagem dos votos totais, a diferença foi de 0,84 pontos percentuais (28,84% contra 28%).
É necessário recuar até 2002 para encontrar as segundas eleições legislativas mais renhidas de sempre em Portugal, com o PSD de Durão Barroso a vencer o PS de Ferro Rodrigues por uma diferença de 132.181 votos, nove mandatos (105 contra 96) e 2,42 pontos percentuais (40,21% contra 37,79%).
O segundo vencedor com menos votos
Apesar de se ter registado a taxa de abstenção (40,2%) mais baixa desde 2005, o vencedor (a coligação AD) recolheu apenas 1.867.013 votos no total.
Desde as eleições para a Assembleia Constituinte em 1975, só um outro vencedor de legislativas obteve ainda menos votos, a saber: o PSD de Cavaco Silva, em 1985, com 1.732.288 votos no total.
Em 1985, a taxa de abstenção foi muito mais baixa: 25,7%. E outro elemento a ter em conta é que apesar de ter acumulado menos votos do que a AD de Montenegro, ainda assim o PSD de Cavaco Silva alcançou uma percentagem ligeiramente superior (29,87% contra 28,84%).
Curiosamente, também foi o PSD de Cavaco Silva que registou as maiores votações de sempre: 2.850.784 votos (50,22%) em 1987; e 2.902.351 votos (50,60%) em 1991.
Vitória com menos mandatos de deputados
A AD de Montenegro não foi o vencedor com menos votos de sempre, como já verificámos. Mas foi o que obteve um menor número de assentos parlamentares. E mesmo assim vai formar Governo, ao que tudo indica (até ao momento).
Em 1985, com menos votos (e uma percentagem ligeiramente superior), ainda assim o PSD de Cavaco Silva conquistou 88 mandatos de deputados, mais oito do que a AD em 2024.
E a diferença para o segundo partido mais votado e representado também foi muito maior em 1985, quando o PS de Almeida Santos não foi além de 20,77% dos votos e 57 mandatos. Em 2024, a AD de Montenegro tem apenas mais dois mandatos do que o PS de Pedro Nuno Santos.
O pior resultado das coligações PSD/CDS-PP
Tanto Luís Montenegro como Nuno Melo destacaram ao longo da campanha que, sempre que se juntaram em coligações pré-eleitorais, PSD e CDS-PP nunca perderam legislativas. Continua a ser verdade. Mas também é verdade que este foi o seu pior resultado de sempre.
A primeira experiência de coligação pré-eleitoral entre PSD e CDS foi a Aliança Democrática (AD) original, liderada por Francisco Sá Carneiro, que venceu as legislativas de 1979 (45,26% dos votos, 128 deputados) e de 1980 (47,59% dos votos, 134 deputados).
Em 2002, o PSD de Durão Barroso formou Governo em coligação com o CDS-PP de Paulo Portas, para garantir uma maioria absoluta ao nível parlamentar, mas concorreram separadamente. Ou seja, foi uma coligação pós-eleitoral. Tal como em 2011, entre o PSD de Pedro Passos Coelho e o CDS-PP de Paulo Portas.
A única coligação pré-eleitoral entre PSD e CDS além da AD de 1979-80 ocorreu em 2015, através da coligação Portugal à Frente (PàF). E formalmente venceu as eleições, na medida em que conquistou mais votos (38,5%) e mandatos de deputados (107). Mas não foi suficiente para assegurar uma maioria absoluta e o breve segundo Governo liderado por Passos Coelho foi prontamente derrubado na Assembleia da República pelos partidos (PS, BE, PCP e PEV) que se juntaram para formar uma “geringonça” alternativa.
Enquanto a AD de Sá Carneiro superou duas vezes a fasquia de 2,7 milhões de votos, mesmo a PàF alcançou 2.082.511 votos, ao passo que a AD de Montenegro não foi além de pouco mais de 1,8 milhões de votos.
Recorde absoluto de votantes
Não foi a menor taxa de abstenção de sempre, longe disso: 40,2%, a grande distância das eleições para a Assembleia Constituinte em 1975 com somente 8,5%. Mas em termos nominais foi a maior participação de sempre em eleições legislativas.
Em 2024 registaram-se 6.473.789 votantes de um total de 10.818.226 inscritos nos cadernos eleitorais. Em 1975, mesmo com a menor taxa de abstenção de sempre, registaram-se 5.711.829 votantes de um total de 6.231.372 inscritos nos cadernos eleitorais. Sim, a população quase duplicou desde essa altura.
Curiosamente, poucos anos depois de se ter verificado o menor número de votantes de sempre: 5.251.064 em 2019, quando a taxa de abstenção chegou ao ponto máximo de 51,4% – ao que não terá sido alheia a introdução do recenseamento eleitoral automático de emigrantes com cartão de cidadão válido que aumentou o total de emigrantes eleitores de 245 mil em 2014 para mais de 1,4 milhões em 2019.
Chega supera PRD mas fica abaixo de percentagem da APU
Não há dúvida de que este foi o resultado com maior impacto disruptivo no padrão de “bipartidarismo” do sistema político português – é a primeira vez que um terceiro partido além dos predominantes PS e PSD consegue eleger um grupo parlamentar de 50 deputados.
Mas o resultado do Chega não foi muito superior aos registados pela APU de Álvaro Cunhal em 1979 e 1983 ou pelo PRD de Hermínio Martinho em 1985.
Em 1979, a APU (coligação entre PCP e MDP/CDE) obteve 1.129.322 votos (18,80% do total, percentagem superior à do Chega em 2024) e 47 mandatos. Em 1983 voltou a desafiar o “bipartidarismo” com 1.031.609 votos (18,07% do total, percentagem igual à do Chega) e 44 mandatos.
Quanto ao PRD, em 1985 conquistou 1.038.893 votos (17,92%) e 45 mandatos.
Nas legislativas de 2024, o Chega de André Ventura recolheu 1.169.836 votos (18,07% do total) que se traduziram em 50 mandatos. Superou os melhores registos da APU e PRD em número de votos e mandatos, embora tenha ficado aquém da percentagem da APU em 1979. Fez quase o pleno nesta disputa eleitoral.
Parlamento com maior número de grupos parlamentares
A composição da Assembleia da República com maior número de partidos representados foi a que resultou das eleições legislativas de 2019, chegando pela primeira (e única) vez ao nível da dezena: PS, PSD, BE, PCP, PEV, CDS-PP, PAN, Chega, IL, Livre. No entanto, os três últimos referidos elegeram apenas um deputado único, pelo que não formaram grupos parlamentares (ou seja, foram sete no total).
Nas legislativas de 2022, o número de partidos representados caiu para oito, devido às saídas do PEV e do CDS-PP, ao passo que o número de grupos parlamentares baixou para seis (PAN foi despromovido; Chega e IL em ascensão substituíram grupos do PEV e CDS-PP).
Já em 2024, o número de partidos representados volta a subir para nove (regresso do CDS-PP) e o de grupos parlamentares atinge oito, maior de sempre, resultado das promoções do CDS-PP e Livre.
O segundo maior abalo do “centrão”
Apurados todos os votos, os resultados globais atribuem 28,84% à Aliança Democrática (coligação que junta PSD, CDS-PP e PPM) e 28% ao PS. Em conjunto: 56,84% dos votos.
O Polígrafo contabilizou e somou as percentagens registadas por PS e PSD em todas as legislativas desde 1976, incluindo as coligações pré-eleitorais do PSD com o CDS-PP (e deixando de fora as coligações pós-eleitorais). Eis os números apurados:
1976 – 59,24%
1979 – 72,59% (AD)
1980 – 75,35% (AD)
1983 – 63,35%
1985 – 50,64%
1987 – 72,46%
1991 – 79,73%
1995 – 77,88%
1999 – 76,38%
2002 – 78%
2005 – 73,8%
2009 – 65,66%
2011 – 66,71%
2015 – 70,81% (PàF)
2019 – 64,1%
2022 – 70,46%
Em suma, foi o segundo pior resultado de sempre do denominado “centrão”.
Para deparar com uma percentagem mais baixa é necessário recuar até 1985, quando o epifenómeno do PRD alcançou 17,92%. Nesse ano, o PS liderado por Almeida Santos caiu para 20,77% (pior resultado de sempre) e mesmo o vencedor, o PSD de Cavaco Silva, não foi além de 29,87% dos votos. Enquanto a APU de Álvaro Cunhal, com 15,49%, e o CDS de Lucas Pires, com 9,96%, também contribuíram substancialmente para o esvaziamento circunstancial do “centrão” que, dois anos depois, voltou à fasquia de 70%.