Ano novo, adeus velhas mentiras? Da direita à esquerda partidária, o Polígrafo reuniu as 20 falsidades que os políticos dos partidos com representação parlamentar – à exceção do Chega, que não colaborou – acham que se vão manter em 2024. E há mesmo tema para todos os gostos: professores, SNS, habitação, economia, questões ambientais, imigração e emigração e até considerações sobre o “carisma” e capacidade de governar do novo secretário-geral do PS, que não passou pelos ‘pingos da chuva’ nesta análise.
“Os imigrantes são um problema para a nossa economia”
A mentira da imigração foi a que gerou maior consenso, tendo sido mencionada por Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, Rui Tavares, deputado único do Livre, e Bruno Dias, deputado do PCP. Todos convergiram: dizer que a imigração é um problema para a economia do país constitui uma falsidade.
Do lado do Livre, Tavares frisa que gostaria que deixasse de ser difundida a mentira de que os “imigrantes vêm para cá para beneficiar de prestações sociais”. Uma ideia que é refutada pelos “estudos recentes, nomeadamente um que saiu no jornal ‘Público’, que diz que os imigrantes estrangeiros contribuem sete vezes mais para a Segurança Social do que aquilo que beneficiam”.
Pedro Filipe Soares aponta para as mesmas fontes que Tavares, quando diz que é falso que “os imigrantes são um problema para a nossa economia”. O bloquista reforça que estes “valorizam a Segurança Social, valorizam as contas públicas, mas também o problema do envelhecimento demográfico que temos, ajudando à sua resolução”.
“A mentira poderá ser repetida muitas vezes em 2024, mas era bom que não fosse, porque tem um cunho até xenófobo em relação aos imigrantes e é absolutamente injusto face aos factos que existem”, sublinha o líder parlamentar do BE.
Bruno Dias detalha que a “responsabilidade dos nossos problemas não é nem dos imigrantes, nem dos nossos vizinhos, nem dos nossos colegas de trabalho, nem de quem tem uma vida diferente da nossa” e atribui a culpa aos grandes grupos económicos. “Seja da banca, do setor energético, da grande distribuição”, o comunista diz que todos estão a ganhar “milhões de euros de lucros por dia à custa dos sacrifícios de quem trabalha e daqueles que pagam as contas ao fim do mês”.
Pedro Nuno Santos, o “moderado social-democrata” que é “capaz de governar o país porque tem carisma”?
O novo secretário-geral do PS, e sucessor de António Costa na liderança do partido, não passou ao lado nesta reflexão. Hugo Soares, presidente do grupo parlamentar do PSD, diz que uma das mentiras que não quer ver repetida em 2024 “é a de que Pedro Nuno Santos (PNS) é um moderado social-democrata, quando o país sabe que ele é um radical à esquerda do Partido Socialista”.
Na perspectiva de Soares, “os candidatos devem apresentar-se tal como são” e PNS “foi, até hoje, o militante destacado do PS mais à esquerda do partido”, portanto, “não pode agora querer ‘travestir-se’ e aparecer como um moderado social-democrata como apregoa, porque não o é”.
Já Rodrigo Saraiva, deputado do IL, destaca como falsidade a ideia de que PNS é “capaz de governar o país porque tem carisma”, uma vez que o “carisma já custou muito caro a Portugal”. Saraiva exemplifica com José Sócrates, que “tinha imenso carisma e depois sabemos como é que acabou”. E recorda o “currículo de incompetência” de PNS, com exemplos como a “injecção de 3,2 mil milhões de euros na TAP ou os processos de decisão da indemnização de 500 mil euros, em que dizia que não sabia de nada”.
O liberal espera que “as pessoas votem cada vez mais nas propostas, nas ideias e na necessidade de reformar, e não apenas em características de personalidade”.
Recuperação do tempo integral dos professores é para “enganar os portugueses”
No que diz respeito à recuperação do tempo de serviços dos professores, há duas visões diferentes, do PSD e do BE, mas compatíveis: a de que o PS não pode dizer que pretende recuperar esse tempo, mas depois dizer que não irá fazer um orçamento retificativo; e a “mentira de que os professores são um problema da escola pública”.
Do lado do PSD, Hugo Soares considera que o PS “anunciar que pretende concretizar a recuperação do tempo de serviços dos professores”, mas ao mesmo tempo dizer que “não vai fazer nenhum orçamento retificativo” não é algo compatível e, portanto, é o mesmo que dizer que está a “enganar os portugueses”.
“Dizer-se que se quer fazer uma coisa, mas não se lutar orçamentalmente para poder ser feita, é de facto uma mentira“, frisa o social-democrata.
Já Pedro Filipe Soares defende que “é mentira que os professores sejam um problema da escola pública” e “que o que eles propõem seja insustentável para as contas públicas”. Sobre este ponto, o bloquista menciona “uma audição com o ministro da Economia” sobre o investimento do Estado na EFACEC e de como o ministro desconstruiu esse investimento. Segundo o deputado, “só por via de pagamento de salários e de retorno de impostos que esse pagamento de salários teve”, houve uma fatia considerável desse investimento “que regressou ao Estado”.
Nesta linha de raciocínio, o deputado assume que é verdade que “o aumento do salário aos professores – e é disso que nós falamos quando há uma recuperação do tempo de serviço – tem custos em bruto, mas depois o valor líquido é muitíssimo inferior e tem um retorno”, nomeadamente na estabilidade da escola pública e a melhoria da qualidade do ensino, mas também em termos de impostos.
Portugal cresceu ou não? PS diz que sim e acusa oposição de mentir
O vice-presidente do grupo parlamentar do PS, Carlos Pereira, salienta que “tem sido referido sistematicamente pela oposição que Portugal não cresce, que Portugal cresce pouco”, mas garante que “a verdade é que nunca como agora Portugal cresceu tanto, e isto é factual, é demonstrado pelas estatísticas”.
O socialista sublinha que “Portugal cresceu desde 2015 até 2022 sempre acima da média europeia, exceto em 2021, ano de pandemia”. Os factos apontados por Pereira já passaram até no crivo do Polígrafo.
Já Saraiva, do IL, considera que “dizer que Portugal teve um crescimento económico em linha com a Europa é falso, porque isso é impossível”. E justifica: “Os países com que nós nos devemos comparar, sobretudo os países da coesão, cresceram mais (pode consultar um outro fact-check do Polígrafo que também aborda este tema).”
“Muitos dos países da coesão ultrapassaram-nos na questão do PIB per capita. E só foi possível algum aproximar da média europeia porque as três principais economias europeias estavam em recessão. Portanto, a realidade vai demonstrar que crescimento económico em linha com a Europa é falso”, conclui o liberal.
Crise na habitação: solução é construir mais?
Na ótica de Saraiva, “é preciso construir muito mais e não tem que ser através de contratação pública”. A solução, na sua perspetiva, passa por criar mais oferta e tratar do problema como um “direito” e não como “um bem de luxo”. Para isso, e uma vez que o Governo não tem poder sobre as taxas de juro definidas pelo Banco Central Europeu, é preciso fazer algo em matéria fiscal. Isso passará pelos impostos que “relativamente à construção têm que deixar de ser de 23% e passar a taxa reduzida”.
Pedro Filipe Soares diverge do IL e aponta que a mentira “de que o problema da habitação é a falta de construção” vai manter-se no próximo ano. O bloquista fundamenta que “a realidade já demonstrou que não é assim” e que “basta olhar para a Funchal”, que “tem construído muito ao longo dos últimos anos e o preço da habitação elevou-se na mesma”. Logo, frisa, “é falso que possamos relacionar a especulação imobiliária e os preços abusivos da habitação com a falta de construção”.
Chega não participa; é chamado a participar
Apesar de não ter respondido às questões do Polígrafo, o partido de André Ventura não fica de fora nesta análise. Pedro Filipe Soares, por exemplo, considera que uma mentira que irá continuar a ser dita em 2024 é a de “o Chega é contra o sistema”. Na visão do bloquista, o Chega não é antissistema como apregoa porque “faz depender toda a sua atividade política de ter uma relação com o PSD, que é um partido do sistema” e “é financiado por diversos agentes do sistema económico e pela elite económica”.
Rui Tavares também aborda o partido liderado por André Ventura, assumindo estar “praticamente certo” de que “a extrema-direita e em particular André Ventura vai continuar a fazer notícias falsas para a sua propaganda eleitoral”.
O deputado único do Livre dá como exemplo “a utilização de manchetes falsas de jornais” e prevê que o Chega, com o aproximar das eleições, possa “voltar a recorrer a esta técnica de propagação de notícias falsas”.
“A extrema-direita precisa da desinformação, é o seu ecossistema”, conclui.
Direita e esquerda: luta de classes?
Hugo Soares quer “que se acabe de vez com a ideia de que em Portugal há uma exclusividade no tratamento de alguns temas, porque é mentira“. Tal como dizer que “as questões sociais só são tratadas pelos partidos da esquerda” e as questões que têm a ver “com as Forças de Segurança e com o respeito da autoridade das Forças de Segurança só são tratadas pelo partido de extrema-direita”.
O social-democrata sublinha que “quer as questões sociais, quer as questões que dizem respeito à segurança dos nossos concidadãos, foram sempre temas centrais e prioritários para o PSD”. Exemplos disso, menciona, são “os apoios sociais e o aumento de pensões e de reformas”. Soares diz até que “a atual liderança do PSD já assumiu que nunca vai cortar pensões, que vai aumentar o rendimento mínimo garantido, via complemento solidário para idosos, dos pensionistas e reformados até aos 820 euros no quadro de uma legislatura”.
Já no que diz respeito à autoridade das Forças de Segurança, diz que “o PSD tem um histórico de estar ao lado das Forças de Segurança nos momentos difíceis, de reforço da sua autoridade, que nenhum outro partido tem em Portugal”.
Eleições são para eleger o Primeiro-Ministro?
O comunista Bruno Dias espera que a “mentira de que as eleições são para eleger o Primeiro-Ministro” seja eliminada em 2024. “Começou a perceber-se melhor que é mentira em 2015, mas as eleições são para eleger 230 deputados e das maiorias ou minorias que daí resultarem é que vai ser decidida a política e o Governo que vamos ter”, explicou o deputado.
Contas certas não chegam a todos
Outra falsidade mencionada por Bruno Dias é a ideia das contas certas que, diz o comunista, devia “transformar-se em verdade” no próximo ano. Dias considera que “as contas certas são só para alguns”, porque “não batem certo para a maioria das pessoas quando não dá para chegar ao fim do mês”.
“Eu gostava que a frase das contas certas passasse a ser verdadeira para todos nós, para a maioria e não para a minoria. Para que em vez de ser contas certas para alguns, fosse para que toda a gente pudesse chegar ao fim do mês”, finaliza.
PS defende Governo: história em três atos
Carlos Pereira elenca três temas que diz terem sido persistentemente difundidos nos últimos anos pela oposição, mas “os factos não demonstram e comprovam precisamente ao contrário”.
O primeiro ponto é de que a “carga fiscal é a maior da Europa e que há um aumento sistemático dos impostos”, uma alegação proferida muitas vezes pela oposição. O vice-presidente do grupo parlamentar socialista desmente que assim seja e argumenta: “Não houve aumentos de impostos diretos desde 2015, o IRS e o IRC nunca aumentaram desde 2015, muito pelo contrário, reduziram-se sempre até 2023. Aliás, o Orçamento de 2024 apresenta mais uma redução dos impostos. Por outro lado, a carga fiscal, que inclui também as contribuições sociais, não é das maiores da Europa, muito pelo contrário, a carga fiscal em termos de média da União Europeia é de 41,2% em 2022, a de Portugal é de 38%.”
Quanto ao empobrecimento, Pereira salienta que “a direita, e em particular o PSD, tem usado este tema para dizer que Portugal, nos últimos tempos, não só não cresceu, como empobreceu”. O socialista garante que os factos desmentem esta afirmação.
“Quando olhamos para o indicador que melhor refere e analisa esta questão do empobrecimento, que é o risco de pobreza e de exclusão social, verificamos que em 2015 tínhamos 2,7 milhões de pobres. Mesmo com a pandemia pelo meio, com duas guerras, com a inflação que, de facto, também retira o poder de compra às pessoas, em 2021 temos 2,3 milhões de pobres, temos menos 430 mil pobres em Portugal. Ou seja, passamos de um risco de pobreza de 26,4 % para 22,4%”, argumenta o socialista.
Última mentira: “A emigração jovem é agora maior do que na época da troika”. Pereira sublinha que essa é uma ideia errada porque, “durante o Governo do PSD e CDS, a emigração jovem aumentou 16% e, durante o período do Governo do PS, nomeadamente até 2021, verificou-se uma diminuição de 27% da emigração jovem”.
Tourada é cultura, a caça ajuda na biodiversidade e a negação das alterações climáticas
Inês Sousa Real, porta-voz do PAN, não disfarça as preferências: esquece mentiras económicas, foca nos interesses do partido. A deputada começa por afirmar que a falsidade de que “tourada é cultura” continua a ser difundida, descurando “o sofrimento animal que está subjacente à atividade”. Defende, neste âmbito, que esta é uma mentira que deve ser eliminada para que se possa “pôr fim” ao uso “dos dinheiros públicos para as touradas” e para que esse dinheiro “seja canalizado para a verdadeira cultura do nosso país”.
Outra mentira é a de que “os caçadores são os melhores amigos dos animais”. Sousa Real frisa que todos os relatórios dizem que “é precisamente o contrário”, ou seja, “que a caça e, em particular, a caça animal contribui fortemente para o declínio da biodiversidade”. Nesse sentido, considera: “É uma mentira que achamos que, infelizmente, o setor vai continuar a perpetuar e gostaríamos de ver esclarecida cabalmente.”
Por fim, a mentira de que as alterações climáticas não existem. Sousa Real defende que “basta olhar para a realização mais recente da COP28, que ocorreu no Dubai e que continua a deixar de fora aquilo que são causas como a pecuária intensiva e superintensiva e o impacto que tem no aquecimento global”. Destaca ainda que “continuamos a ter partidos que negam as alterações climáticas”, numa referência ao Chega e aos liberais, e que, por isso, o PAN deseja que este negacionismo tenha fim à vista em 2024.
BE deu as mãos ao PS? Talvez uma, talvez nenhuma
Uma mentira que Pedro Filipe Soares prevê que vá “ser muito repetida” durante o período de campanha eleitoral é a de que “o Bloco de Esquerda apoiou o Governo durante os últimos oito anos”.
O bloquista esclarece que o partido “teve um acordo parlamentar que fez com que o último Orçamento que aprovasse fosse o de 2019 e, desde aí para cá, nunca mais votou a favor de um Orçamento do Estado, tendo inclusive sido responsabilizado pela crise política de 2021”.
Os cofres do SNS
“O problema do Serviço Nacional de Saúde é falta de dinheiro” é outra das falsidades destacadas por Saraiva do IL. O político lembra que “com os Governos de António Costa, o orçamento do SNS cresceu 5 mil milhões”, mas, ainda assim, “hoje em dia os problemas são bem maiores do que eram em 2015”.
O liberal destaca que estes “são problemas que não tinham esta dimensão há oito anos” e que “isto aconteceu com muito mais dinheiro em cima do SNS”.
“O PS vai continuar a dizer que é preciso investir mais dinheiro no SNS, mas já puseram cinco mil milhões de euros nestes últimos oito anos. Obviamente que o problema não é falta de dinheiro, o problema é de modelo, é de forma de gestão, porque se o problema fosse falta de dinheiro, então já estavam resolvidos os problemas”, defende Saraiva.
Mentira a eliminar em 2014? Só mesmo a “governação socialista”, defende Saraiva.
A carteira dos ricos pesa?
A mentira é apontada pelo deputado único do Livre, que defende que há a ideia de que “os ricos pagam demasiados impostos quando, na verdade, o que sabemos é que a classe média e a classe média baixa pagam demais”.
Tavares acredita que, a “haver alguma reforma fiscal, ela não deve ser o corte por atacado que acabaria sempre a beneficiar mais os ricos, mas sim uma reforma progressiva de forma a que os mais ricos paguem mais, para podermos aliviar os mais pobres que fazem um esforço fiscal demasiado grande”.
Trump vai manter a “mentira de que ganhou as eleições em 2020”
Rui Tavares olha ainda para o cenário internacional e considera que, “nos Estados Unidos, vamos ver uma campanha de Donald Trump baseada na mentira de que ganhou as eleições em 2020, quando sabemos que perdeu”. Esta leva a uma outra mentira, acrescenta o deputado único do Livre, que é a de que “as democracias não estão em risco por causa destes líderes autoritários”.
“Se há alguma coisa que a história nos ensina é que uma democracia está sempre em risco, tem de ser defendida e só por muita ingenuidade ou arrogância podemos pensar que a ascensão de líderes autoritários não põe em risco a democracia”, remata.