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Como mentem os partidos que lutam por um lugar no Parlamento? A análise ao debate em oito fact-checks

No debate de ontem à noite, transmitido na RTP e com a duração de quase duas horas, houve tempo para tudo: negar as alterações climáticas, apelidar de "civil" a guerra na Ucrânia, falar dos "puns das vacas" e defender o fim de todos - sim, todos - os impostos. Das mesas altas onde se sentaram os dez partidos sem representação parlamentar saíram teorias, conspirações e muitas mentiras. Já os conhecemos: mas o que dizem os candidatos que sonham com um lugar no Parlamento?

José Pinto Coelho (Ergue-te): “No último plenário na Assembleia da República, enquanto os polícias cá fora reclamavam por justiça, estavam os srs. deputados a aumentar-se a si próprios nas suas ajudas de custo”

Na verdade, ao contrário do que disse Pinto-Coelho, a lei aprovada no último plenário da Assembleia da República antes da dissolução não prevê o aumento das ajudas de custo dos funcionários públicos. O que faz é adequar ao Estatuto dos Deputados as “alterações introduzidas no Regimento sobre o alargamento das ajudas de custo aos parlamentares, já aprovadas em julho passado”. Como escreveu o “JN” a 12 de janeiro, está em causa a “inclusão das reuniões preparatórias da votação do Orçamento do Estado, que passam a dar direito a ajudas custo”. Já o valor das ajudas “não sofreu alteração: 69,19 euros por dia”.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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Bruno Fialho (ADN): “A pandemia é o tema do momento porque encontramos mortalidade excessiva em Portugal e na Europa”

O Eurostat revela, de facto, que todos os países europeus registaram em julho de 2022 um excesso de mortalidade face ao período entre 2016 e 2019, com exceção da Letónia. No entanto, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes garantiu ao Polígrafo que não existe base científica “absolutamente nenhuma” que sustente essa alegada correlação entre a mortalidade excessiva na União Europeia e a vacinação contra a Covid-19. “A minha estranheza em relação a estas correlações é as pessoas fingirem esquecer que tivemos praticamente toda a população europeia infetada pelo vírus”, apontou ainda.

Questionado sobre o tema, acrescentou: “Estamos a comparar sermos infetados por um vírus que se multiplica rapidamente dentro do nosso organismo e chega a todo o lado, com uma vacina que leva uma molécula do vírus e que depois dá origem a uma proteína do vírus. Essa proteína, por si só, não se multiplica dentro de nós, as nossas células é que multiplicam essa proteína. Mas estar a comparar a ação de uma proteína com o vírus inteiro é completamente desproporcionado. É claro que o vírus é muito mais perigoso.”

Explicando ser “natural que haja coincidência temporal entre um evento como a morte, ou outro qualquer grave, e um evento de vacinação”, o especialista reconheceu ser “extremamente difícil estabelecer uma associação entre uma morte e a vacina”. Exceção à regra são “situações muito raras” em que a mesma “é fácil, que são normalmente os choques anafiláticos imediatamente a seguir” à inoculação. Porém, correlações mais alargadas no tempo “não fazem sentido nenhum, porque evidentemente as pessoas continuam a morrer” pelas mais variadas razões – todas elas não relacionadas com a vacina contra o SARS-CoV-2.

Quanto a esta mortalidade excessiva registada recentemente nos países da União Europeia, Manuel Carmo Gomes reforça assim que devem ser tidas verdadeiramente em consideração as consequências derivadas da infeção por este vírus, em detrimento da vacinação contra a doença. “Este vírus deixa sequelas. Invade praticamente todos os órgãos: não só o sistema respiratório, que é o mais óbvio, mas também o gastrointestinal, o renal e o neurológico”, notou, acrescentando que atualmente estima-se que haja “10% ou 15% da população com sequelas, a chamada Covid longa”.

Acresce a isto o facto de, segundo um relatório divulgado em finais de 2022 pela Agência Europeia do Medicamento (EMA), terem sido reportados apenas 11.448 casos de pessoas que morreram após terem sido inoculadas com uma vacina contra a Covid-19, numa altura em que centenas de milhões de doses tinham já sido administradas.

Avaliação do Polígrafo: Pimenta na Língua

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José Pinto-Coelho (Ergue-te): “Não há greves no setor privado”

Ao defender a sua proposta de abolir o direito à greve, o líder do Ergue-te (antigo PNR, como fez questão de recordar) apontou para efeitos negativos como o “pandemónio no trânsito”, nomeadamente na “Ponte Salazar”, que são provocados pelos grevistas. Para José Pinto-Coelho, a solução passa por proibir as greves. Até porque “não há greves no setor privado”, logo bastaria aplicar essa medida aos funcionários públicos.

Mas não é verdade que não existam greves no setor privado. De acordo com os últimos dados da Direção-Geral do Emprego e das Relações e do Trabalho (DGERT), entre janeiro e novembro de 2023 foram registados 762 pré-avisos de greve no setor privado. No mesmo período de tempo verificaram-se 811 pré-avisos de greve na função pública e 517 no setor empresarial do Estado.

Avaliação do Polígrafo: Pimenta na Língua

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Nuno Afonso (Alternativa 21): “Temos ouvido os partidos de esquerda a dizer que é investido [mais] dinheiro no SNS, o que é completamente falso”

A alegação não tem qualquer fundamento. Na nota explicativa que acompanhou o relatório do Orçamento de Estado de 2024, dedicada ao Ministério da Saúde, é destacada a “prioridade dada ao setor” por parte dos últimos Governos socialistas, “traduzida num aumento de mais de 5.632 milhões de euros de transferências do Orçamento de Estado para este setor, face a 2015 (+ 72%)”. Segundo o gráfico 1 do documento, o montante citado diz respeito às “Transferências do Orçamento de Estado para o SNS” durante o período mencionado.

Para este ano, estava ainda previsto que o “orçamento de 2024” aumentasse, igualmente, “mais de 1.209 milhões de euros (+9,8%), face ao orçamento inicial do ano passado”. Dados que sustentam uma aposta sustentada, ao longo dos últimos anos, no que diz respeito ao investimento financeiro no SNS.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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José Pinto-Coelho (Ergue-te): Prioridade no Parlamento seria “revogar a lei da eutanásia”

Se o líder do Ergue-te fosse eleito deputado, qual seria a sua medida ou iniciativa mais prioritária? “Revogava a lei do aborto, a lei da eutanásia e a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo”, respondeu José Pinto-Coelho. “E matava a ‘ideologia de género’, de alto a baixo”, acrescentou ao rol de vítimas.

No entanto, a “lei da eutanásia” ainda não foi regulamentada, permanecendo numa espécie de limbo até à entrada em funções de um novo Governo, após as eleições legislativas de 10 de março. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vetou o diploma em abril de 2023, mas foi obrigado a promulgar no mês seguinte, por imperativo constitucional, depois de ter sido confirmado novamente no Parlamento.

Em novembro de 2023, porém, a Agência Lusa apurou junto do Ministério da Saúde que a nova lei não será regulamentada até à tomada de posse de um novo Governo. “Vai ter mesmo de esperar pelo próximo ciclo político”, afirmou o ministro Manuel Pizarro na altura.

Avaliação do Polígrafo: Impreciso

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Nuno Afonso (Alternativa 21): “Em Lisboa, os últimos números já apontavam cerca de 15 mil” pessoas a “viver na rua”

Os mais recentes dados sobre o tema constam do último “Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo” da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023 (ENIPSSA 2017-2023), publicados em janeiro deste ano.

Segundo o relatório, “à data de 31 dezembro de 2022” foram “sinalizadas 10.773 pessoas em situação de sem-abrigo, 5.975 em situação de sem teto e 4.798 em situação de sem casa” na totalidade do país.

Não existe qualquer fundamentação que sustente a alegação de que, só em Lisboa, já serão “cerca de 15 mil” pessoas a “viver na rua”, quando este relatório cita a existência de apenas 4.638 pessoas em situação de sem-abrigo na Área Metropolitana de Lisboa (AML).

Avaliação do Polígrafo: Pimenta na Língua

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Bruno Fialho (ADN): “Temos que proteger as crianças de quem quer doutriná-las a mudar de sexo aos 14 anos quando nem aos 18 nem aos 16 podem votar”

A questão da mudança de sexo está inscrita na Lei n.º 38/2018, que atribui aos cidadãos o “direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa”.

No Artigo 7.º (Legitimidade) estabelece-se que as “pessoas de nacionalidade portuguesa e com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos podem requerer o procedimento de mudança da menção do sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio, através dos seus representantes legais”.

Portanto, só a partir dos 16 anos, e com o conhecimento de representantes legais, é que um adolescente pode dar início ao processo de mudança de género no registo civil, o que não se qualifica como a “mudança de sexo” que Fialho quis sugerir.

Avaliação do Polígrafo: Pimenta na Língua

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Joaquim Rocha Afonso (Nós! Cidadãos): “O voto de um emigrante vale um décimo de um voto de um nacional”

Rocha Afonso defendeu que os emigrantes têm menos representatividade nas eleições do que os cidadãos que vivem em território nacional pela forma como o sistema eleitoral está estruturado.

Nesse sentido, argumentou que “os círculos da Europa e fora da Europa têm cerca de um milhão e meio de eleitores, elegem quatro deputados” enquanto que “o círculo do Porto tem os mesmos um milhão e meio de eleitores e elege 40”.

Mas isto não significa que um voto de um emigrante vale 10 vezes menos do que o de um cidadão nacional. A distribuição de mandatos por cada círculo eleitoral baseia-se num sistema de representação proporcional que utiliza o método de Hondt para os respectivos cálculos.

Tal como é explicado no site da Assembleia da República, “os deputados são eleitos por listas apresentadas por partidos, ou coligações de partidos, em cada círculo eleitoral” e “a conversão dos votos em mandatos faz-se de acordo com o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt”.

Este método “consiste na repartição dos mandatos pelos partidos, proporcionalmente à importância da respetiva votação”.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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