
A amizade entre José Sócrates, que hoje à tarde volta a ser interrogado pelo juiz de instrução Ivo Rosa no âmbito do Processo Marquês (em que o ex-Primeiro-Ministro está acusado de corrupção passiva, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais), e Carlos Santos Silva, forjou-se primeiro na Covilhã, entre conversas de ocasião e incursões pela noite dentro, quase sempre guiadas pelo Mercedes 250 bege que Sócrates então orgulhosamente conduzia. Carlos tinha um Volkswagen Golf e levava uma vida sem extravagâncias.
Em 1996, já com José Sócrates a ocupar as funções de secretário de Estado do Ambiente do Governo liderado por António Guterres, o empresário mudou-se para Lisboa. Foi nessa altura que aconteceu a primeira polémica a que o seu nome esteve associado, quando participou no consórcio que construiu a central de compostagem da Cova da Beira, um projeto impulsionado por Sócrates que se revelou um negócio ruinoso para o Estado.
À medida que foi prosperando, o engenheiro foi estreitando ainda mais a relação com José Sócrates, entretanto tornado no político da moda. Juntos partilharam segredos indizíveis, passaram férias opulentas, gozaram momentos risíveis.
Depois de 2011, quando Sócrates foi derrotado por Pedro Passos Coelho nas legislativas, a sua amizade tornou-se ainda mais estreita. O Ministério Público acredita que no início de 2011 Santos Silva e José Sócrates decidiram implementar um plano cujo objectivo último era fazer chegar ao ex-PM em forma de dinheiro vivo elevadas quantias pecuniárias alegadamente resultantes de alegados atos de corrupção de Sócrates no exercício de funções públicas.
À medida que foi prosperando, o engenheiro foi estreitando ainda mais a relação com José Sócrates, entretanto tornado no político da moda. Juntos partilharam segredos indizíveis, passaram férias opulentas, gozaram momentos risíveis.
Envelopes com milhares de euros circularam pelas ruas de Lisboa. Ao todo, terão sido entregues a José Sócrates 1,1 milhões de euros em dinheiro vivo. Ainda segundo a narrativa do Ministério Público, o esquema era sempre o mesmo: Sócrates pedia, Santos Silva arranjava e fazia-lho chegar quer pessoalmente, em encontros em casa do seu amigo, quer através de envelopes entregues a João Perna, o motorista de Sócrates. Os “livros” e “fotocópias” serviam para quase tudo: para pagar roupa, salários, rendas, condomínios, viagens de dezenas de milhares de euros e até presentes de Natal. Para reforçar a sua tese, o Ministério Público sublinha que, nos telefonemas em que solicitava o envio de quantias monetárias, o ex-primeiro-ministro não pedia – ordenava. Só em numerário, o MP identificou as seguintes entregas ao ex-PM, todas descritas no livro "A Sangue Frio", da autoria de Fernando Esteves, diretor do Polígrafo:
- 16-09-2013: João Perna passa a José Sócrates uma quantia de pelo menos €5.000. Posteriormente, o ex-PM mandou entregar parte do dinheiro à sua mãe, Adelaide.
- 20-09-2013: João Perna faz chegar a Sócrates cerca de €10.000. Antes disso, encontrou-se com Carlos Santos Silva no hotel Marriot.
- 27-09-2013: Carlos Santos Silva entrega €10.000 a Sócrates ao final do dia, depois de o socialista lhe ter telefonado a referir que “precisava de levar alguma coisa”, alegadamente porque tinha de financiar Sofia Fava, sua ex-mulher, que nessa data se deslocava para Paris.
Envelopes com milhares de euros circularam pelas ruas de Lisboa. Ao todo, terão sido entregues a José Sócrates 1,1 milhões de euros em dinheiro vivo. Ainda segundo a narrativa do Ministério Público, o esquema era sempre o mesmo: Sócrates pedia, Santos Silva arranjava e fazia-lho chegar quer pessoalmente, em encontros em casa do seu amigo, quer através de envelopes entregues a João Perna, o motorista de Sócrates.
- 04-10-2013: neste dia, Carlos Santos Silva entrega ao seu amigo uma quantia que, de acordo com o Ministério Público, oscila entre €10.000 e €50.000. A entrega foi combinada na véspera por intermédio de André Figueiredo (militante do PS e ex-chefe de gabinete de Sócrates), que se encontrou com Santos Silva a pedido de José Sócrates, depois de este ter falado na necessidade de ir buscar um “livro”.
- 09-10-2013: um valor entre €10.000 e €100.000 é levantado numa conta do Banco Barclays. Combinada entre Maria João (secretária de José Sócrates) e Carlos Santos Silva, na ausência no estrangeiro de José Sócrates, a entrega foi realizada a um terceiro e suspeita-se que se destinou à aquisição de exemplares do livro “A Confiança no Mundo”, publicado por José Sócrates.
- 21-10-2013: pelo menos €4.000 são entregues por Carlos Santos Silva a José Sócrates na sua residência, depois de, na sequência de um pedido de Sofia Fava, o socialista ter informado o seu amigo de precisava “de alguma coisa”.
09-10-2013: um valor entre €10.000 e €100.000 é levantado numa conta do Banco Barclays. Combinada entre Maria João (secretária de José Sócrates) e Carlos Santos Silva, na ausência no estrangeiro de José Sócrates, a entrega foi realizada a um terceiro e suspeita-se que se destinou à aquisição de exemplares do livro “A Confiança no Mundo”, publicado por José Sócrates.
- 29-10-2013: depois de José Sócrates ter comunicado a Santos Silva que “precisava”, uma soma entre €10.000 e €50.000 foi entregue diretamente ao ex-PM. Carlos Santos Silva fez a um levantamento em numerário de €10.000 sobre a conta no ex-BES e outro de €50.000 sobre a conta no Barclays, tendo mesmo, neste caso, o banco feito a entrega da quantia nas instalações das suas empresas.
- 31-10-2013: entrega de €5.000 a €10.000, a pedido de José Sócrates. Pressionado por várias contas para pagar sem que tivesse saldo disponível na conta, o antigo PM viu-se obrigado a pedir um reforço de capital. Nesta data, Carlos silva encontra-se no estrangeiro. Por isso, procura contactar a sua mulher, Inês, para que esta obtenha o dinheiro e faça a entrega do que diz serem “fotocópias”. Neste caso é Inês quem transporta o dinheiro, deslocando-se a casa de José Sócrates. Como alguns dos pagamentos devidos deveriam ser feitos por transferência bancária e José Sócrates não queria depositar numerário na sua conta da Caixa Geral de Depósitos, para evitar suspeitas e não ter de dar justificações, acabou por ordenar a mobilização de fundos da conta da mãe, no montante de €10.000, a 01-01-2013.
- 06-11-2013: €5.000 a €10.000 são entregues a José Sócrates, depois de este ter pedido a Santos Silva para lhe levar “aquilo”, o que ele faz pessoalmente, deslocando-se a casa do amigo. Depois da entrega, José Sócrates procede à distribuição de fundos por várias pessoas, entre as quais a sua secretária Maria João e a sua mãe, que lhe confirma ter recebido €5.200. Apesar deste recebimento, dadas as despesas com o pagamento de IMI, com a viatura e com os filhos, José Sócrates tem nesta fase que recorrer a um financiamento junto da Caixa Geral de Depósitos, que planeava liquidar posteriormente com o recebimento de um bónus anual que esperava receber da Octapharma, a multinacional de derivados de sangue que lhe pagava um salário mensal de €12.500.
06-11-2013: €5.000 a €10.000 são entregues a José Sócrates, depois de este ter pedido a Santos Silva para lhe levar “aquilo”, o que ele faz pessoalmente, deslocando-se a casa do amigo. Depois da entrega, José Sócrates procede à distribuição de fundos por várias pessoas, entre as quais a sua secretária Maria João e a sua mãe, que lhe confirma ter recebido €5.200.
- 08-11-2013: Carlos Santos Silva vai ao banco e levanta uma quantia de cerca de 10 mil euros. Posteriormente, desloca-se a casa do seu amigo para proceder à entrega. Acabam por jantar juntos. Neste período José Sócrates está apostado numa campanha de aquisição massiva do seu próprio livro.
- 11-11-2013: entrega a José Sócrates de uma quantia entre 10 mil e 100 mil euros, na sequência de levantamentos realizados por Carlos Santos Silva junto do Barclays e do então BES, seguindo-se um encontro com Sócrates, ainda na sequência da estratégia de compra dos seus próprios livros.

- 18-11-2013: as despesas elevadas de José Sócrates não travam. Para o ajudar a mantê-las, Santos Silva passa a João Perna uma quantia de cerca de €5.000, que este entrega ao seu patrão.
- 27-11-2013: mais um reforço de cerca de €50.000, desta vez provenientes da conta no Barclays. José Sócrates pediu para “dar aquela coisa ao seu amigo”, numa alusão a que a entrega era para ser feita a André Figueiredo. Como Santos Silva está fora do país, encarrega da entrega Inês do Rosário, que acaba por se encontrar pessoalmente com José Sócrates.
- 05-12-2013: desta vez, cerca de €10.000 foram entregues, na sequência de solicitações com origem em Manuel Falcão Reis, companheiro de Sofia Fava, a José Sócrates. Em conversa com o ex-PM, Carlos Santos Silva garante que “vai tirar o resto das fotocópias” e que posteriormente se desloca a casa do amigo.
27-11-2013: mais um reforço de cerca de €50.000, desta vez provenientes da conta no Barclays. José Sócrates pediu para “dar aquela coisa ao seu amigo”, numa alusão a que a entrega era para ser feita a André Figueiredo. Como Santos Silva está fora do país, encarrega da entrega Inês do Rosário, que acaba por se encontrar pessoalmente com José Sócrates.
- 10-12-2013: entrega de uma quantia entre €5.000 e €50.000 na sequência de solicitação, na véspera, de José Sócrates, que utiliza a expressão “precisava”, respondendo Carlos Santos Silva com recurso à expressão “fotocópias”. Os fundos utilizados terão tido origem na conta do Barclays e foram entregues pessoalmente a Sócrates. Este, por sua vez, utilizou-o para fazer uma entrega de €4.000 a Manuel Falcão Reis, para que o levasse a Sofia fava, que se encontrava em Paris.
- 20-12-2013: Sócrates faz mais um pedido relacionado com a compra de exemplares do seu livro. Desta vez cerca de €10.000 são entregues por Carlos Santos Silva a André Figueiredo, também ele envolvido no esquema montado para alavancar as vendas da obra de Sócrates.
- 23-12-2013: mais uma remessa de €3.000. José Sócrates quer adquirir telemóveis para oferecer no Natal. A entrega é feita por Carlos Santos Silva a João Perna, que fica encarregue da compra dos aparelhos. Em conversa com terceiros, Perna admitiu ter ido buscar “guito” para comprar os presentes a pedido de José Sócrates.
- 13-04-2014: pela enésima vez, Sócrates contacta Santos Silva, pedindo-lhe que lhe leve “alguma coisa”. Está prestes a deslocar-se a Paris e necessita de dinheiro. Acabam por se encontrar num restaurante, onde Santos Silva lhe entrega €5.000.
23-12-2013: mais uma remessa de €3.000. José Sócrates quer adquirir telemóveis para oferecer no Natal. A entrega é feita por Carlos Santos Silva a João Perna, que fica encarregue da compra dos aparelhos. Em conversa com terceiros, Perna admitiu ter ido buscar “guito” para comprar os presentes a pedido de José Sócrates.
- 14-04-2014: Sócrates pede “alguma coisa daquelas” ao seu amigo, que lhe faz chegar uma quantia de cerca de €10.000, depois de pedir a colaboração de Inês do Rosário no sentido de obter e guardar do numerário, que trata por “aquela coisa”.
- 12-05-2014: entrega de cerca de 10 mil euros, a pedido de José Sócrates. Durante a troca de palavras, os amigos utilizam expressões como “documentos” e “fotocópias”, no que o Ministério Público acredita ser uma alusão a dinheiro. A passagem do do numerário é feita num encontro entre Inês do Rosário e João Perna.
- 24-05-2014: José Sócrates diz a Carlos Santos Silva: “Se puderes trazer também um bocadinho, não é nada de especial, daquela coisa que gosto muito...”. Este desloca-se nesse mesmo dia a casa do amigo, a quem entrega €5.000.
- 28-05-2014: combinada na véspera entre Carlos Santos Silva e José Sócrates, é feita uma entrega de cerca de €10.000.
- 05-06-2014: de férias no Algarve, José Sócrates precisa de dinheiro. Pede “aquilo” a Carlos Santos Silva. Este alinha no diálogo aparentemente cifrado, falando em “livros”. Resultado: o dinheiro é levantado no próprio dia e é Inês do Rosário quem o entrega a João Perna, para este o levar ao Algarve, a fim de ser entregue a José Sócrates.
- 30-06-2014: Sócrates pede “um bocadinho daquilo”, visando satisfazer diversos encargos. Santos Silva entrega-lhe €5.000.
- 07-07-2014: em pleno Verão, José Sócrates pede mais um reforço monetário. Prepara-se para gozar um período de férias numa vivenda em Formentera, Espanha. Como Carlos se encontra no estrangeiro, pede que “deixe alguma coisa à Inês”. Tradução de “alguma coisa”: €10.000.
