
O anúncio do fim do mandato de Jerónimo de Sousa como secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP) surgiu no dia 5 de novembro e, por esta altura, o sucessor já não é um "desconhecido": como o Polígrafo notou, ao contrário dos seus antecessores, Raimundo não foi apresentado ao público antes de lhe ser destinado o cargo. No Parlamento, nas eleições presidenciais, nas eleições europeias, na substituição de Jerónimo de Sousa durante as legislativas, Raimundo esteve sempre longe dos holofotes, a preparar caminho nos corredores do partido.
O que é certo é que, duas semanas depois de ser apresentado ao público, Raimundo já percorreu jornais, televisões e rádios em entrevistas que não deixavam escapar o tema "Guerra na Ucrânia". Sobre ele, o novo secretário-geral dos comunistas tinha muitas culpas a atribuir. Inclusive à Rússia. Antes de Raimundo, porém, Jerónimo de Sousa e o PCP evitavam a utilização do termo e o saco de culpados era mais pequeno.
Olhemos para a linha cronológica:
"O PCP expressa a sua profunda preocupação pelos graves desenvolvimentos na situação no Leste da Europa, envolvendo operações militares de grande envergadura da Rússia na Ucrânia, muito para além da região do Donbass, e apela à urgente desescalada do conflito, à instauração de um cessar-fogo e à abertura de uma via negocial. O PCP salienta que o agravamento da situação é indissociável da perigosa estratégia de tensão e confrontação promovida pelos EUA, a NATO e a UE contra a Rússia."
(Comunicado do PCP a 24 de fevereiro).
"O Parlamento Europeu adoptou hoje uma resolução sobre a situação na Ucrânia, que contou com os votos contra dos deputados do PCP no PE. (...) É necessário defender o diálogo e a paz, não o incremento da política e das medidas que estão na origem da escalada do conflito na Europa. O PCP condena o caminho de ingerência, de violência e de confrontação decorrente do golpe de estado de 2014 promovido pelos EUA na Ucrânia, a que se seguiu a recente intervenção militar da Rússia, e a que se acrescenta a intensificação da escalada belicista dos EUA, da NATO e da UE."
(Comunicado do PCP a 1 de março).
"O PCP está sem equívocos ao lado dos povos que desejam paz e condena todo um processo de ingerência e confrontação que ali [na Ucrânia] se instalou, o golpe de Estado de 2014, promovido pelos Estados Unidos da América (EUA) naquele território, a recente intervenção militar da Rússia e a intensificação da escalada belicista dos EUA, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e da União Europeia."
(Jerónimo de Sousa a 8 de março).
"Isso da invasão foi um fait divers. Todos nós sabemos do que estamos a falar, de uma guerra da Ucrânia. O que é um fait divers é o fetiche das palavras. Quer que eu diga que houve uma invasão? Houve [E condena essa invasão?] Claro, como foi condenado sempre. PCP sempre condenou e sempre achou que isto não devia ter acontecido."
(António Filipe a 23 de abril).
"Nem a guerra na Ucrânia começou a 24 de fevereiro, já durava há oito anos, nem os problemas de que estamos a falar começaram com a invasão da Ucrânia em fevereiro."
(Bruno Dias a 26 de abril).
"Reiterando as suas posições relativas à situação na Europa e ao conflito na Ucrânia, o PCP condena a escalada de guerra e militarismo em curso, contrária aos interesses dos trabalhadores e dos povos, e alerta para os sérios perigos que uma tal escalada comporta, nomeadamente para outros patamares de confrontação mais globais."
(Comunicado do PCP a 16 de maio)
"Esse acontecimento [Guerra] é no seguimento de um conjunto de outros acontecimentos anteriores. Condenamos todo o processo. Estamos há três mil dias a condenar todo esse processo de instigação da Guerra. No meio disto tudo, as maiores responsabilidades estão nos Estados Unidos, na NATO, na União Europeia e na Rússia. O povo ucraniano não tem responsabilidade nenhuma nisto, mas acaba por ser um instrumento deste conflito."
(Paulo Raimundo em entrevista à RTP a 13 de novembro).
"Condenámos a Guerra em todos os momentos. Qual terá sido a grande confusão? É que nós olhamos para esta guerra que se trava na Ucrânia como um conflito que não se iniciou a 24 de fevereiro, que tem antecedentes complexos, e depois porque olhamos também para o que se está a passar a partir da ideia de que há um conflito que está para lá da Ucrânia, que envolve outros intervenientes.: EUA, NATO, UE e Rússia."
(Paulo Raimundo em entrevista à CNN a 14 de novembro).
Esta quarta-feira, 16 de novembro, em entrevista à Agência Lusa, Raimundo deu início àquilo que parece ser uma mudança de discurso do PCP face à guerra: "A nossa posição sobre a matéria é simples e simultaneamente complexa. É simples porque sobre a Guerra, nós somos contra. E é complexa porque nós defendemos uma coisa que parece que hoje é difícil de defender. Não há nenhuma dúvida de que há uma intervenção militar russa na Ucrânia."
