"Disse e repito hoje. Temos de ganhar até à Páscoa o Verão e o Outono deste ano. Por outras palavras, a Páscoa é um tempo arriscado para mensagens confusas ou contraditórias. Como por exemplo a de abrir sem critério antes da Páscoa, para nela fechar logo a seguir, para voltar a abrir depois dela. Quem é que levaria a sério o rigor pascal? É, pois, uma questão de prudência e de segurança manter a Páscoa como o marco essencial para a estratégia em curso", defendeu o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na declaração que proferiu ao país no dia 25 de fevereiro.

"Pode isto significar mais mobilidade, por saturação? Pode. Mas um sinal errado de facilidade mal-entendida, também pode. Ou pode mais. Implica isto mais umas semanas de sacrifícios pesados e, por isso, que o Estado vá mais longe em medidas de emergência e de apoio ao futuro arranque? Implica. Mas a alternativa poderia ser ter de tomar mais tarde as mesmas medidas multiplicadas por dois ou por três", prosseguiu Rebelo de Sousa.

"Em resumo, que se estude e prepare com tempo e bem o dia seguinte. Mas, que se escolha melhor ainda esse dia, sem precipitações, para não se repetir o que já se conheceu. E nunca se confunda estudar e planear com desconfinar. Sendo mais claro: planear o futuro é essencial, mas desconfinar a correr por causa dos números destes dias será tão tentador quanto leviano. Até porque nós sabemos que os números sobem sempre mais depressa do que descem", sublinhou.

Confirma-se que "os números" da pandemia "sobem sempre mais depressa do que descem"?

De acordo com os dados oficiais compilados na página da Direção-Geral da Saúde (DGS), na primeira vaga da pandemia em Portugal, o pico de novos casos diários de infeção por Covid-19 registou-se no dia 10 de abril de 2020, com 1.516 novos casos.

Os dois primeiros casos tinham sido identificados no dia 2 de março e o segundo pico mais alto da primeira vaga seria alcançado no dia 31 de março, com 1.035 novos casos. Mas tomando como referência o pico de 10 de abril, podemos concluir que, na primeira vaga, o número de novos casos subiu até ao nível máximo em 39 dias.

A partir de 10 de abril, em sentido inverso, o número de novos casos começou a descer até atingir um nível mínimo no dia 3 de maio, com 92 novos casos. Ou seja, um período temporal de 23 dias, bastante inferior ao período temporal da subida de casos até ao pico da primeira vaga.

Desde o dia 3 de maio, o número de novos casos só voltou a ser inferior a 100 no dia 11 de maio, com 98 novos casos. Exceptuando um período de três dias, de 6 a 8 de maio, em que os casos aumentaram para 480, 533 e 553, este indicador manteve-se estavelmente baixo até meados de setembro, quando iniciou uma tendência crescente que podemos identificar como o princípio da segunda vaga. Apontamos aqui como referência o dia 10 de setembro, com 585 novos casos, a primeira vez desde o dia 7 de maio que se voltou a superar a fasquia dos 500 novos casos diários de infeção.

O mesmo não se aplica, porém, aos números de internamentos em UCI. O Presidente da República apontou explicitamente para esse indicador na declaração ao país, ao salientar que "há um outro prato na balança. O número de internados ainda é quase o dobro do indicado por intensivistas que estão no terreno a tratar do mais grave. O número de cuidados intensivos é mais do dobro do aconselhado, para evitar riscos de novo sufoco".

Este indicador retomou então uma trajetória ascendente até atingir um novo pico no dia 4 de novembro, com 7.497 novos casos. Ou seja, na segunda vaga, o número de novos casos subiu até ao nível máximo em 55 dias.

Seguiu-se uma trajetória descendente até ao dia 26 de dezembro, com 1.214 novos casos. Pelo que se conclui que o número de novos casos desceu até ao nível mínimo em 42 dias, um período temporal inferior ao da subida de casos até ao pico da segunda vaga.

A partir de 26 de dezembro iniciou-se desde logo uma terceira vaga da pandemia, até atingir um novo pico de 16.432 novos casos no dia 28 de janeiro de 2021. Ou seja, perfazendo um total de 33 dias em trajetória ascendente.

Mais uma vez, o período temporal até chegar a um ponto mínimo - no dia 22 de fevereiro, com 549 novos casos, o número mais baixo desde 6 de outubro - voltou a ser inferior nesta terceira vaga, com um total de 25 dias em trajetória descendente.

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Primeira vaga:

Trajetória ascendente - 39 dias.

Trajetória descendente - 23 dias.

Segunda vaga:

Trajetória ascendente - 55 dias.

Trajetória descendente - 42 dias.

Terceira vaga:

Trajetória ascendente - 33 dias.

Trajetória descendente - 25 dias.

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Importa ressalvar que as datas de início e final de cada vaga definidas nesta análise implicaram uma escolha de critérios, em parte subjetiva, na medida em que não há uma referência oficial. Contudo, tendo em conta a diferença significativa entre os números de dias das trajetórias ascendentes e descendentes, mesmo alterando as datas de início e final, parece ser seguro concluir que os números de novos casos têm subido sempre mais devagar do que têm descido, ao contrário do que afirmou o Presidente da República.

O mesmo não se aplica, porém, aos números de internamentos em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI). O Presidente da República apontou explicitamente para esse indicador na declaração ao país, ao salientar que "há um outro prato na balança. O número de internados ainda é quase o dobro do indicado por intensivistas que estão no terreno a tratar do mais grave. O número de cuidados intensivos é mais do dobro do aconselhado, para evitar riscos de novo sufoco".

Neste âmbito, consultando os dados da DGS, verificamos que quase não há um intervalo entre a segunda e a terceira vagas, parecendo estar sobrepostas numa espécie de contínuo ascendente (com período de estabilização em dezembro) até aos picos de 1 de fevereiro de 2021, com 6.869 internados, e 5 de fevereiro de 2021, com 904 internados em UCI.

Na primeira vaga, os picos foram alcançados no dia 16 de abril de 2020, com 1.302 internados, e no dia 7 de abril de 2020, com 271 internados em UCI. Ora, desde o dia 21 de outubro, com 1.272 internados, que esse indicador não voltou a ser inferior ao pico da primeira vaga, estando agora (dia 1 de março) ainda num ponto elevado de 2.167 internados. E desde o dia 28 de outubro, com 262 internados em UCI, que também esse indicador não voltou a ser inferior ao pico da primeira vaga, estando agora (dia 1 de março) ainda num ponto elevado de 469 internados em UCI.

Os primeiros casos de internados regulares e internados em UCI verificaram-se nos dias 10 e 14 de março de 2020, respetivamente, iniciando então trajetórias ascendentes até aos picos de 16 de abril (1.302 internados) e 7 de abril (271 internados em UCI). Ou seja, períodos temporais de 37 e 24 dias, respetivamente.

Seguiram-se lentas trajetórias descendentes até aos pontos mínimos de 366 internados regulares e 55 internados em UCI, alcançandos no mesmo dia 8 de junho. Ou seja, períodos temporais de 53 e 62 dias, respetivamente.

Em suma, na primeira vaga, ao nível de internamentos regulares e em UCI, os números subiram mais depressa do que desceram. A alegação do Presidente da República só é totalmente correta sob este ângulo de análise dos dados.

Quanto à segunda vaga, podemos concluir que os números não chegaram a descer, estabilizando num nível elevado durante o mês de dezembro. Avançando para a terceira vaga, com início no dia 1 de janeiro de 2021, contabilizamos 32 e 36 dias de trajetórias ascendentes até aos picos de 1 de fevereiro (6.869 internados regulares) e 5 de fevereiro (904 internados em UCI).

Entretanto, no dia 1 de março registam-se 2.167 internados regulares e 469 internados em UCI, praticamente ao mesmo nível do início das trajetórias ascendentes a 1 de janeiro. Ou seja, os números subiram quase ao mesmo ritmo do que desceram nas fases ascendente e descendente da terceira vaga.

Concluindo, a alegação de Rebelo de Sousa é imprecisa no que concerne aos números de internados regulares e em UCI, na medida em que só é totalmente correta no âmbito da primeira vaga. Por outro lado, como demonstrámos, é errada no que concerne aos números de novos casos diários de infeção por Covid-19 desde o início da pandemia.

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