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Governos de Costa marcados por sucessão de conflitos de interesses envolvendo relações familiares

Este artigo tem mais de um ano
Dos mais recentes casos do marido da ministra da Coesão Territorial e da esposa do novo ministro da Saúde, até às ligações familiares na polémica das "golas anti-fumo" que eram inflamáveis, passando pelo marido da ex-ministra da Justiça prestava serviços de advocacia ao Governo e pelo ex-ministro da Economia era casado com a presidente da Associação Portuguesa de Hotelaria.

Marido da ministra da Coesão Territorial recebe fundos comunitários

No dia 27 de setembro, o jornal “Observador” revelou que empresas do marido da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, receberam fundos comunitários: “Duas empresas detidas em parte pelo marido da ministra (…) beneficiaram de centenas de milhares de euros em fundos comunitários. (…) Num dos dois projetos, o apoio da União Europeia é de 303.275 euros, dos quais 133 mil vão diretamente para a Thermalvet, empresa detida a 40% por António Trigueiros de Aragão”.

“A ministra – que tutela as entidades responsáveis pela gestão dos fundos comunitários (as CCDR) – não vê, no entanto, qualquer incompatibilidade. A governante escuda-se ainda num parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) que considera que não é ilegal o marido concorrer a fundos, embora o mesmo documento fale em ‘obscuridade’ da lei e sugira aos legisladores que ‘ponderem cuidadosamente’ sobre o que está em causa”, informou o referido jornal.

Confrontado com este caso no debate parlamentar de 29 de setembro, o primeiro-ministro António Costa indicou que, há cerca de um ano, a ministra da Coesão Territorial informou-o sobre o “problema de poder haver uma situação de conflito de interesses” em torno da atividade empresarial do marido. “Ela própria requereu um pedido de parecer à secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros, que disse que não havia conflito de interesses, a minha assessoria jurídica confirmou a mesma matéria”, sublinhou Costa, acrescentando que dada a “sensibilidade do problema”, mesmo assim foi pedido um parecer adicional ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a matéria.

Segundo afirmou Costa no Parlamento, o parecer, emitido a 27 de maio de 2021, “é inequívoco a vários títulos” e “diz muito claramente que nada sugere que fique comprometida a validade do ato que admite a candidatura, nem do ato que define a subvenção, sem haver a registar incumprimento de deveres de conduta por parte da ministra da Coesão Territorial”.

 

Novo ministro da Saúde é casado com a bastonária da Ordem dos Nutricionistas

No dia 26 de setembro, a CNN Portugal noticiou que o novo ministro da Saúde, Manuel Pizarro, “não informou que é casado com a bastonária da Ordem dos Nutricionistas”, o que configura potenciais situações de conflitos de interesses.

Manuel Pizarro e Alexandra Bento casaram há cerca de um ano e meio. Na recente tomada de posse de Pizarro como novo ministro da Saúde, aliás, Bento foi a única bastonária das ordens profissionais da Saúde que marcou presença. Mais, a Ordem dos Nutricionistas foi criada em 2011 e contou na altura com o apoio de Pizarro que exercia o cargo de secretário de Estado da Saúde.

Em reação à notícia, logo no mesmo dia, Pizarro assegurou que não há conflito de interesses por ser casado com a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, indicando que a tutela daquele organismo está delegada à secretária de Estado da Promoção da Saúde.

“Desde que tomei posse, enquanto ministro, estou ciente de que, havendo uma função de tutela administrativa das ordens profissionais, (…) esse risco de conflito de interesses existe e tomei a medida que me parece a mais adequada que é ter decidido, desde o primeiro momento, que delegaria essa função de tutela sobre a Ordem do Nutricionistas na senhora secretária de Estado da Promoção da Saúde”, justificou Pizarro.

 

Marido da ex-ministra da Justiça prestava serviços de advocacia ao Governo

Em 2019 tinha sido a vez da então ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, surgir envolvida numa situação de potenciais conflitos de interesses por causa do seu marido, o advogado Eduardo Paz Ferreira.

O jornal “Expresso” noticiou na altura que “Eduardo Paz Ferreira garante que ‘nunca’ lhe ocorreu deixar de fazer contratos com o atual Governo pelo facto de a sua mulher se sentar no Conselho de Ministros. ‘De forma alguma!’, disse ao ‘Expresso’, questionado sobre a possibilidade de impor a si próprio uma regra de não trabalhar para o Executivo que a sua mulher integra. ‘Tendo a minha mulher como ministra da Justiça, nunca aceitaria nenhum convite do Ministério da Justiça ou de qualquer organismo que fosse dependente do Ministério da Justiça. Em relação a todos os outros Ministérios, são apenas potenciais clientes. Se acharem que eu sou a pessoa certa, nunca me ocorreria recusar pela circunstância de a minha mulher ser ministra'”.

“Foi o que se passou no contrato firmado entre Paz Ferreira e o Ministério da Administração Interna, que escolheu este advogado para contestar a posição do Tribunal de Contas (TdC), que recusou dar visto prévio a um conjunto de investimentos na rede de comunicações de emergência SIRESP. O contrato entre o Ministério de Eduardo Cabrita e o marido de Francisca Van Dunem foi assinado em outubro, mal o TdC anunciou o chumbo à intenção do Governo de investir cerca de €16 milhões no SIRESP. Pelo valor de €30 mil, o MAI entregou a Paz Ferreira a tarefa de liderar a contestação a essa decisão”, informou.

No final do artigo eram apresentados os números relativos a todos os contratos firmados por Paz Ferreira com entidades públicas, ao longo da legislatura em curso. Passamos a transcrever: “Nesta legislatura, Eduardo Paz Ferreira celebrou com organismos do Estado central contratos num valor total de €587 mil – a Infraestruturas de Portugal foi o seu principal cliente (€422 mil), seguindo-se a ARS de Lisboa. Este valor fica pouco acima dos €528 mil euros de contratos com organismos na esfera do Governo da República na legislatura anterior (nesses anos destacaram-se a ARS de Lisboa e a Autoridade Nacional de Comunicações). Ou seja, os números não mostram que Paz Ferreira esteja a ser beneficiado pelo Governo PS”.

 

Polémica das “golas anti-fumo” inflamáveis com duas ligações familiares

No Verão de 2019, o jornal “Observador” revelou que “a Proteção Civil distribuiu às populações mais de 70 mil golas de proteção de fumo para o rosto e pescoço que são inflamáveis e podem constituir perigo caso sejam utilizadas num cenário de incêndios”. Posteriormente descobriu-se que essas golas tinham sido “adquiridas a uma empresa detida pelo marido de uma autarca socialista”. A empresa “Foxtrot – Aventura, Unipessoal Lda.” pertencia a Ricardo Nuno Peixoto Fernandes, residente em Longos, Guimarães, e casado em comunhão de adquiridos com a presidente da junta de freguesia de Longos, Isilda Silva, eleita com o apoio do PS.

Poucos dias depois também foi noticiado que “o filho do secretário de Estado da Proteção Civil celebrou pelo menos três contratos com o Estado, depois de o pai, José Artur Neves, ter deixado a presidência da Câmara de Arouca e ter ido para o Governo. Segundo a lei, a família direta de um titular de cargo político não pode prestar bens ou serviços ao Estado. E, caso o faça, a sanção ‘para os titulares de cargos de natureza não eletiva, com a exceção do primeiro-ministro’ é ‘a demissão’. Nuno Neves, com apenas 28 anos e uma licenciatura em Engenharia, é sócio em duas empresas de um banqueiro nascido na freguesia de Alvarenga, concelho de Arouca, a mesma freguesia onde vive o secretário de Estado”.

Em setembro de 2019, José Artur Neves acabou mesmo por se demitir do cargo, prestes a ser ser constituído arguido, tal como o seu ex-adjunto Francisco Ferreira (que já se demitira antes por causa do caso das “golas anti-fumo”) e outros dirigentes da Proteção Civil.

Mais recentemente, em julho de 2022, surgiu a notícia de que “José Artur Neves foi acusado pelo Ministério Público por crimes de fraude na obtenção de subsídio e participação económica em negócio, no chamado caso das golas. Há ainda outras 13 pessoas e cinco empresas acusadas. Entre os acusados pelo Ministério Público está também o general Mourato Nunes, antigo presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil”.

 

Ex-ministro da Economia era casado com a presidente da Associação Portuguesa de Hotelaria

Outro caso que gerou controvérsia ocorreu em outubro de 2018, quando Pedro Siza Vieira assumiu o cargo de ministro da Economia pela primeira vez. “Siza Vieira é casado com dirigente da associação de hotelaria, Governo não vê incompatibilidades”, noticiou o jornal “Público”.

“O novo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, tutela a área do Turismo, setor onde a sua mulher está presente ao dirigir a Associação de Hotelaria de Portugal (AHP), uma situação que, segundo o Governo, ‘não cria incompatibilidades’. Cristina Siza Vieira, jurista, tornou-se em 2010 presidente executiva da AHP, depois de ter sido adjunta da presidência do Conselho de Administração da Amorim Turismo e directora-geral do Turismo”, salientou.

Em publicação verificada pelo Polígrafo em 2020 destacaram-se algumas situações de potenciais conflitos de interesses, baseadas em notícias verdadeira de órgãos de comunicação social.

“Presidente executiva da Associação Portuguesa de Hotelaria pede plano económico para o Algarve”, informou a Rádio Renascença, no dia 4 de julho de 2020. “É preciso avançar com uma intervenção no Algarve para acudir a uma grave crise económica causada pela quebra abrupta do Turismo. No programa ‘Adiante’, a presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal lembra o peso do setor na economia nacional e do Algarve na oferta turística portuguesa e avisa para a necessidade de uma ação direcionada para aquela região do sul do país”.

“Governo está a preparar um programa específico de apoio ao Algarve”, informou, por sua vez, a Agência Lusa, no dia 7 de julho de 2020. “O ministro da Economia disse esta terça-feira que o Governo está a preparar um programa específico de apoio à região do Algarve, que está a sofrer as consequências da quebra do Turismo, devido à pandemia de Covid-19”.

“É necessário dirigir uma atenção muito especial à região do Algarve, que é extremamente dependente da atividade turística”, defendeu o ministro Pedro Siza Vieira, na manhã de 7 de julho, perante os deputados da Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, na Assembleia da República. Nesse sentido, Siza Vieira anunciou que o Governo está a preparar um programa específico de apoio à região.

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