Se fosse Governo, apostava na fiscalização e desencorajava a subsídio-dependência, atribuindo um cheque de 125 euros por mês a ativos e reformados (além da atualização nas pensões). Mas não é, por isso quer propor alterações, que ainda não foram entregues, ao Orçamento do Estado para 2023. Em entrevista, esta terça-feira, à rádio Observador, André Ventura fala em dados públicos relativos ao desperdício na Saúde, na Justiça e na Administração Interna, dados esses que não existem, e é impreciso em meia dúzia de números.

A afirmação: "Só na saúde temos mil milhões de euros todos os anos de desperdício. Na Justiça temos cerca de 900 milhões de euros e na Administração Interna temos cerca de 900 milhões de euros também"

Em 2016, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, avançava que cerca de um décimo do orçamento para a saúde era mal utilizado anualmente, "por desperdício ou fraude", o que resultaria, à data, em mais ou menos 800 milhões de euros: "Só naquilo que é a má utilização decorrente de desperdício ou de fraude, nós não temos dúvidas nenhumas em afirmar que, provavelmente, dez por cento do orçamento total da saúde estará perdido nesses domínios."

Neste momento, com uma dotação de quase 15 mil milhões de euros, se a percentagem relativa a desperdício e fraude se mantivesse, estaríamos a falar de um total de 1500 milhões de euros (mais 50% do que o valor apontado por Ventura). No caso da Justiça e da Administração Interna, não há dados recentes nem oficiais que confirmem os desperdícios mencionados por Ventura. Contactado pelo Polígrafo, o Gabinete de André Ventura não indicou a fonte dos números referidos. Também contactados pelo Polígrafo, ministérios da Justiça, Saúde e Administração Interna não encontraram sustentação estatística para os dados do líder do Chega.

Avaliação do Polígrafo: Impreciso

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A afirmação: "Vivemos num país onde o salário médio anda nos 1200 euros brutos, neste momento"

De acordo com o boletim mais recente do Instituto Nacional de Estatística, "a remuneração bruta total mensal média por trabalhador (por posto de trabalho) aumentou 3,1% no trimestre terminado em junho de 2022 (2.o trimestre do ano), em relação ao mesmo período de 2021, para 1.439 euros". Dados completos para o ano de 2021 mostram que a remuneração bruta mensal média subiu para 1.361 euros, mais 161 euros do que o montante apontado por Ventura.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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A afirmação: "A receita fiscal extraordinária deste ano vai-se situar em 20 mil milhões de euros"

De facto, na proposta de Orçamento do Estado para 2022 (aprovada em Conselho de Ministros no dia 12 de abril), está previsto um aumento significativo da receita fiscal, em comparação com os anos anteriores. "Na previsão para 2022, elaborada já considerando a evolução da receita fiscal até março de 2022, nota-se um crescimento de 3.066 milhões de euros face à execução provisória em 2021, para os quais contribuem essencialmente os crescimentos na receita do IVA e no IRS, prevendo-se um decréscimo apenas na receita do ISP", sublinha-se.

Na mais recente síntese de execução orçamental, relativa ao mês de agosto e disponível para consulta no portal da Direção-Geral do Orçamento, destaca-se a informação de que, "em termos acumulados, a receita fiscal líquida do sub-setor Estado nos primeiros oito meses de 2022 registou um aumento de 22,8% face ao valor registado no mesmo período de 2021".

Em numerário, há a registar um aumento da receita em 6.232 milhões de euros, um crescimento que resulta da evolução quer dos impostos diretos (IRS e IRC), quer dos indiretos. A síntese sublinha, no entanto, que no mesmo período de 2021 estavam ainda em vigor restrições à atividade económica relacionadas com a pandemia de Covid-19, o que "torna os períodos não diretamente comparáveis".

Recorde-se que o valor máximo de sete mil milhões de euros de receita fiscal, do qual nos estamos a aproximar, foi avançado em julho deste ano pelo líder do PSD Luís Montenegro. Nessa altura, o seu gabinete detalhou os cálculos ao Polígrafo: "No Orçamento do Estado, a receita fiscal é de 56,3 mil milhões de euros, o que representa um aumento de 6,7% face ao ano anterior (em que era de 52,8 mil milhões de euros)."

Também ao Polígrafo, na mesma data, António Lobo Xavier, fiscalista, explicou que é provável que a inflação seja o dobro daquilo que o Governo de António Costa previa. Assim, em contas exemplificativas, o advogado esclarece que "se a base do IVA (produtos e serviços) cresce 8% só por efeito de aumento do preço dos produtos, isso quase só por si explica a diferença" do montante arrecadado pelo Estado. Nenhum destes dados se aproxima sequer dos 20 mil milhões de euros apontados por Ventura: para tal suceder, teria que quase triplicar no último trimestre do ano.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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A afirmação (sobre cargo de consultor financeiro na Finpartner): "Eu não estava em exclusividade. Estava a cumprir a lei. Não [tinha feito uma promessa eleitoral]. Eu disse que ia sair e saí em junho desse ano, quando terminou o meu contrato"

Na entrevista ao Observador, Ventura tentou negar que disse o que efetivamente afirmou três dias antes de ser eleito - e o que disse, a partir do 59º segundo desta entrevista, foi que assumiria o mandato de deputado em regime de exclusividade: "Sim, eu vou estar em exclusividade porque tenho de dar o exemplo, não pode ser só falar", garante o líder do Chega.

De facto, foi apenas no dia 19 de maio de 2020 que o deputado cessou as funções de comentador do grupo Cofina. E no dia 12 de julho cumpriu finalmente a promessa expressa durante a campanha eleitoral, ao anunciar nas redes sociais que terminara a atividade que mantinha na empresa Finpartner. À publicação anexou uma imagem de um e-mail que remeteu à Divisão de Gestão Financeira (DGF) da Assembleia da República no dia 3 de julho.

Em suma, a acumulação de André Ventura verificou-se durante cerca de nove meses depois de ter assumido um cargo na Assembleia da República. O líder do Chega protelou a sua saída da empresa, alegando estar a cumprir contrato, e esteve em incumprimento eleitoral durante quase um ano, ao contrário do que agora diz.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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A afirmação: "O Chega tem 40 vezes mais militantes do que a Iniciativa Liberal"

Em julho deste ano, o jornal Observador questionara o partido Iniciativa Liberal (e outros partidos) sobre o seu número de militantes: de acordo com este artigo, ainda atual, o IL "duplicou membros num ano" e "tem atualmente seis mil membros", 66% dos quais "com quota regularizada".

Quanto ao Chega, tal como a assessoria do partido informou ao Polígrafo, havia em setembro deste ano 20 mil militantes com capacidade eleitoral ativa, ou seja, com as quotas em dia. Ainda assim, o universo de militantes várias vezes aludido por André Ventura, inclusive no próprio discurso de vitória e de encerramento do Conselho Nacional, sobe para o dobro: "Todos os militantes, do um ao 40 mil, foram chamados."

Mesmo tendo em conta as estatísticas mais favoráveis ao Chega, o partido de André Ventura está longe de ter "40 vezes mais militantes" do que o Iniciativa Liberal: para isso, teria que ter, ao momento, 240 mil militantes. Sendo que, na melhor das hipóteses, terá 40 mil, a proporção é de 6,6 para 1.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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